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    Ter o que ler e o que comer em Lisboa

    ISABEL COUTINHO

    12/03/2017 02h03

    Agne Augusto/Folhapress
    Mercado da Ribeira, em Lisboa, que virou centro gastronômico, após revitalização
    Mercado da Ribeira, em Lisboa, que virou centro gastronômico, após revitalização

    Se das 26 livrarias que faziam parte do roteiro do Chiado, criado pela Câmara de Lisboa no ano 2000, oito fecharam e três saíram do bairro, nem tudo está a morrer na baixa lisboeta.

    A segunda mais antiga de Lisboa, a Livraria Ferin, na rua Nova do Almada, estava com dívidas e foi comprada há alguns meses por José Pinho, dono da livraria Ler Devagar, no centro cultural Lx Factory (e fundador do Folio, Festival Literário Internacional de Óbidos).

    José Pinho promete transformá-la não em uma, mas em três livrarias de nicho com eventos e um bar aberto à noite. Vai apostar em livros traduzidos de autores portugueses e continuar com o catálogo de heráldica e história, tradição da Ferin.

    Também no Cais do Sodré, na rua Nova do Carvalho –a via cor-de-rosa onde fica a Pensão Amor e o restaurante de enlatados Sol e Pesca, onde Anthony Bourdain se deliciou a comer sardinhas em lata–, abriu a livraria bar Menina e Moça.

    Pertence a Cristina Ovídeo, editora que trabalhou na Oficina do Livro, na Planeta e, mais recentemente, na Clube do Autor, e que, em Portugal, é a editora de Zuenir Ventura, Miguel Sousa Tavares e Margarida Rebelo Pinto. É também uma livraria de nicho, dedicada à lusofonia: os livros que ali se podem comprar são de autores de língua portuguesa clássicos e contemporâneos, no original ou traduzidos.

    REGRESSO DA LIVROS COTOVIA

    Entre o Chiado e o Bairro Alto fica a Livraria Cotovia, arquitetonicamente concebida pelo ateliê Teotónio Pereira e sede da Livros Cotovia. Depois da morte de André Jorge, há sete meses, a editora retoma agora o seu caminho.

    Fernanda Mira Barros, que fez a quase totalidade da sua vida profissional na casa de que foi sócia com André Jorge, seu marido, assumiu a direção e irá manter a linha editorial que revelou aos portugueses autores brasileiros como Bernardo Carvalho, Tatiana Salem Levy e Milton Hatoum, a quem podíamos ir roubar o título "Relato de um Certo Oriente" para vos contar a história que vem a seguir.

    SHUKRAAN, LISBOA

    Shukraan. É assim que se diz obrigado em árabe e é assim que os refugiados que trabalham com a Pão a Pão –associação sem fins lucrativos criada por três portugueses e uma estudante universitária síria– vão agradecer a quem contribuir para a campanha de crowdfunding criada para angariarem € 15 mil e conseguirem equipar com fornos, fogões, panelas, mesas e cadeiras o restaurante Mezze que vão abrir no Mercado de Arroios, em Lisboa.

    A ideia surgiu quando Alaa Alhariri, que em 2011 participou ativamente das manifestações contra o regime de Bashar al-Assad, veio estudar arquitetura em Lisboa, ao abrigo da Plataforma Global de Assistência Acadêmica de Emergência a Estudantes Sírios, e foi acolhida pela família da jornalista Francisca Gorjão Henriques, que um dia lhe perguntou qual era a coisa da Síria de que ela sentia mais falta em Portugal.

    Do pão sírio, respondeu Alhariri. Foi aí que percebeu, com a designer Rita Melo e o economista Nuno Mesquita, que a integração é assunto que nos diz respeito a todos e fundaram uma associação que quer criar empregos para refugiados do Oriente Médio e quebrar barreiras culturais utilizando o pa?o e a gastronomia a?rabe como ponto de unia?o.

    ESPERANÇA NUMA NOVA VIDA

    Numa altura em que os 25 mercados lisboetas estão a ser reabilitados pela Câmara Municipal, o Mezze conseguiu um espaço próprio no Mercado de Arroios, depois de no Natal passado seus sócios terem organizado jantares solidários no Mercado de Santa Clara e de terem tido formação com o chef sírio Bader Mardini, há três anos em Portugal.

    "Porque o pão é um dos elementos que nos ligam à casa, o Mezze será um espaço onde se produzirá pão árabe e vários dos pratos que o acompanham. Vamos poder provar yalanji, fattoush, kibbeh, hummus, ou baklava, feitos por mãos carregadas de histórias e de muita esperança numa nova vida. Cada um irá partilhar o que tem com quem não tem", explicam na página de financiamento coletivo (bit.ly/2n6mArq).

    O Mercado de Arroios vai ser também o primeiro a ter na cobertura uma estufa hidropônica. Os produtos hortícolas que lá forem cultivados vão ser comercializados no mercado.

    ISABEL COUTINHO, 50, é repórter do jornal português "Público".

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