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    Arquivo aberto: Saudade maravilhosa de Guilherme Secchin

    MARIO ADNET

    16/04/2017 02h00

    Rio de Janeiro, 1995

    A primeira vez em que ouvi falar de Guilherme Secchin foi através de meus tios, Maria Eunice e Chico Pedro –este, mais conhecido por Araújo Netto, foi correspondente do "Jornal do Brasil" em Roma por mais de 30 anos.

    O casal se exilou na Itália em 1968 e ajudou muitos conterrâneos, alguns ilustres, que passaram por lá naquele período difícil da ditadura brasileira. Depois, em tempos um pouco melhores, continuaram ajudando muita gente, inclusive a mim.

    Tio Chico organizou a primeira exposição de Secchin em Roma, em 1991. Guilherme e sua mulher, Solange, que é minha prima, são de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, terra de meus bisavós, avós e de minha mãe.

    No início de 1995, estava tentando imaginar como seria a capa do meu primeiro CD e terceiro álbum, "Pedra Bonita", e surgiu a ideia de fazer fotos com as pedras do Rio de Janeiro como cenário. Sempre tive adoração pela Pedra da Gávea, tanto que moro perto dela no bairro de mesmo nome desde 1983.

    O disco tinha sido lançado no Japão em 1994 pelo selo da cantora nissei Lisa Ono, com quem trabalho há anos, mas a capa não combinava muito com o seu conteúdo musical.

    Depois de algumas tentativas com fotógrafos amigos, voltando da Pedra Bonita, de onde se tem uma bela vista da Pedra da Gávea, Mariza (minha sócia na vida e no trabalho) e eu descemos em São Conrado e resolvemos parar para almoçar no restaurante Guimas.

    Em uma mesa próxima, reconheci Guilherme Secchin, muito falante, almoçando com um amigo, tomando uma cachaça especial que serviam por lá. Nunca me esqueço de sua forte presença e do volume de sua gargalhada.

    Começamos a conversar, a falar do parentesco e tive a oportunidade de expor a ele minha busca. Na mesma hora, sem pestanejar, Guilherme se propôs a pintar uma tela com a pedra para a capa do disco.

    Saiu do restaurante direto para seu ateliê no Jardim Botânico e, algumas horas depois, me ligou pedindo que fosse até lá. Foi muito emocionante dar de cara com o pintor todo sujo de tinta e uma tela pronta e personalizada, batizada no verso com o nome "Pedra Bonita da Gávea Mario e Tom". Guilherme também adorava a música de Tom Jobim, que fez uma participação especial no disco, e quis eternizar o momento.

    Arquivo pessoal
    Mario Adnet e Guilherme Secchin
    O compositor Mario Adnet (à dir.), no ateliê do pintor Guilherme Secchin, no Jardim Botânico, no Rio

    Na semana seguinte, levamos, Mariza e eu, a tela para o estúdio de outro fotógrafo amigo, Milton Montenegro, para ser fotografada. O resultado ficou perfeito, o quadro é muito fotogênico! O disco saiu poucos meses depois e, apesar das dificuldades de ser um produto independente, teve uma longa carreira.

    Mais tarde, em 2006, estava prestes a gravar um novo projeto em parceria com o selo americano Adventure Music, de Nova York. O disco "Jobim Jazz" seria lançado em 2007, para celebrar os 80 anos de Tom Jobim.
    Mais uma vez recorri ao Guilherme, porque fiquei apaixonado por "Do Jardim Botânico eu Vejo o Azul", um acrílico sobre tela com uma vista de dentro do parque, toda em tons de azul, gentilmente cedido para a fotografia por seu proprietário.

    Continuamos nossa parceria em 2011, quando decidi usar o mesmo quadro para o segundo volume de "Jobim Jazz", só que, dessa vez, em tons de vermelho. Esse encontro deu muito certo; não é à toa que o disco ganhou prêmio no Brasil e sua versão ao vivo foi indicada ao Grammy Latino em novembro do ano passado.

    Em junho de 2016, Guilherme faleceu prematuramente aos 57 anos, exatamente no mês em que comecei a gravar o novo álbum, "Saudade Maravilhosa", que acabou de ser lançado pelo selo Sesc.
    Quando soube da notícia, já tinha feito uma sessão de fotos para a capa do disco. Imediatamente me veio o desejo de homenageá-lo com uma tela sua. Minha prima, é claro, estava em um momento difícil e, mesmo assim, tentou me ajudar de todas as maneiras a encontrar a imagem ideal.

    Depois de várias tentativas, achamos uma que combinava com o disco, mas não conseguimos localizar o dono do quadro para fotografá-lo. Sentado no sofá de minha sala sem saber o que fazer, olhei para frente e dei de cara com o antigo quadro da capa do primeiro disco. Decidimos usá-lo novamente, porque ele representa muito bem o conteúdo e o título do novo álbum.

    O disco não podia estar mais bonito. A música que faço está mais para pintura do que para fotografia mesmo. Estamos juntos novamente, querido Guilherme, imagem e som. Saudade maravilhosa de você.

    MARIO ADNET, 59, arranjador e compositor, lançou o disco "Saudade Maravilhosa" pelo Selo Sesc

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