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    Arquivo aberto: A varinha e as maçãs da bailarina russa Maria Olenewa

    HULDA BITTENCOURT

    23/04/2017 02h00

    Arquivo pessoal
    Hulda Bittencourt (à esq.) ensaia em estúdio de Maria Olenewa em São Paulo
    Hulda Bittencourt (à esq.) ensaia em estúdio de Maria Olenewa em São Paulo

    Estava perto de completar 18 anos quando uma professora do ginásio de nome Ruth, uma autodidata apaixonada por balé, apresentou à minha turma passos de balé clássico que ela aprendia com a filha, aluna da antiga Escola Municipal de Bailados de São Paulo.

    Ruth também promovia apresentações de dança em comemorações escolares, o que fez com que eu ficasse contaminada pela dança clássica.

    Participava das apresentações na escola, mas percebi que parar por ali não era o caminho certo para mim. Eu precisava me aperfeiçoar. Decidi, afinal, que dançar balé clássico era o que eu queria fazer da minha vida.

    Não cheguei a essa decisão sem antes me perguntar diversas vezes se eu seria atriz, cantora ou bailarina –o que todos já sabiam na minha casa era que eu seria artista.

    Apaixonada pela dança, passei por diversas escolas, sem me adaptar bem a elas, até que me recomendaram as aulas da bailarina russa Maria Olenewa (1896-1965).

    Olenewa –que esteve no Brasil em turnê como integrante das companhias de Anna Pavlova e Léonide Massine, nos anos 1920– estabeleceu-se no Rio de Janeiro em 1926, quando começou um importante trabalho pedagógico.

    Um ano depois, fundou a Escola de Danças Clássicas do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, com o apoio de Mário Nunes, crítico teatral do "Jornal do Brasil".

    Olenewa foi responsável por formar as primeiras turmas de bailarinas clássicas do Brasil, profissionalizando uma geração de artistas que dançariam no Corpo de Baile do Theatro Municipal, em 1936.

    Anos depois, em 1943, Maria Olenewa se mudou para São Paulo, onde assumiu aulas de balé na Escola de Bailados do Teatro Municipal. Após quatro anos, abriu sua própria escola, o Curso de Danças Clássicas Maria Olenewa.

    Meu encontro com ela aconteceu em 1952, quando já fazia quase uma década que Olenewa estava dando aulas na capital paulista.

    No dia em que cheguei para me matricular na sua escola, Olenewa me recebeu com muita atenção. Expliquei que não tinha nenhuma experiência em dança, mas precisava trabalhar e estava apaixonada pelo balé clássico.

    Mesmo sabendo que eu já não tinha idade para me tornar uma daquelas grandes bailarinas, Olenewa investiu bastante em mim.

    Em pouco tempo, já estava dançando balés como "La Sylphide", com coreografia de Fillipo Taglioni, e a opereta "A Viúva Alegre", de Franz Lehár, entre outros.

    A formação de Olenewa como bailarina se deu no auge do formalismo russo.

    Isso era passado para nós com bastante rigor. Lembro-me bem do seu hábito de comer maçãs o tempo inteiro enquanto dava as aulas e de corrigir as alunas com uma varinha de madeira que ficava sempre ao seu lado.

    Mesmo aplicando seu conteúdo com severidade, a maior professora de balé do Brasil também era bastante simpática. Maria Olenewa procurou atender todas as minhas necessidades e me ajudar a me tornar professora, missão que assumi com tanto afinco ao longo das últimas décadas.

    Após alguns anos tendo aulas com Olenewa, fui eu mesma lecionar balé em um estúdio em Taubaté, no interior de São Paulo, onde uma das minhas alunas mais adiantadas era a cantora Celly Campello (1942-2003), ícone da música e da televisão nos anos 1950.

    Lembro-me com gratidão dessa época, dos esforços que fazia para chegar a Taubaté grávida da Gisa (Gisele Bittencourt), hoje administradora do Estúdio de Ballet Cisne Negro.

    Meus tempos como aluna de Maria Olenewa foram decisivos para que eu ganhasse credibilidade e conseguisse, enfim, prosseguir com minha carreira à frente da escola e da Cisne Negro Cia de Dança, que completa 40 anos neste mês.

    HULDA BITTENCOURT, 82, é bailarina, coreógrafa e diretora da Cisne Negro Cia de Dança, que está em cartaz com o espetáculo "H.U.L.D.A", no Teatro Santander

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