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    Diário de Lisboa: Uma revelação da canção lusa tietada por Caetano

    ISABEL COUTINHO

    28/05/2017 02h05

    Patricia de Melo Moreira/AFP
    Salvador Sobral chega ao aeroporto de Lisboa em 14 de maio
    Salvador Sobral chega ao aeroporto de Lisboa em 14 de maio

    Foram anos e anos a ouvir "Portugal, zero points". Crescemos a ver o Festival da Eurovisão, no qual participamos pela primeira vez em 1964 e ficamos logo em último lugar, com "zero points" para António Calvário que cantou "Oração", em Copenhague.

    Até a canção que concorreu em 1974, "E depois do Adeus", interpretada por Paulo de Carvalho em Brighton, a 6 de abril, pouco antes da Revolução dos Cravos, quando serviu de senha aos militares que fizeram a revolução (a segunda senha foi "Grândola, Vila Morena", de Zeca Afonso), ficou em último lugar com uns míseros três pontos.

    Portugal era o país europeu que participava do Festival da Eurovisão havia mais anos sem ter vencido. Por cá, já nem se ligava ao evento. Só houve um reavivar do interesse em 2014 por causa da participação de Conchita Wurst, que tem uma avó que viveu em Portugal na infância e venceu com "Rise like a Phoenix" envergando um longo vestido e barba.

    Naquele ano, Portugal enviou uma canção muito "pimba" intitulada "Quero ser Tua", interpretada por Suzy, da qual ninguém se lembra. E em 2016, nem sequer participamos. Zero pontos.

    "PORTUGAL, TWELVE POINTS!"

    Até que apareceu Salvador Sobral, o músico de 27 anos que nunca tinha visto o Festival da Eurovisão, com a canção "Amar pelos Dois", composta e escrita pela sua irmã, Luísa Sobral. Ele venceu com 758 pontos. Teve a melhor pontuação de sempre, ganhou quer na votação do júri, quer na do público, que vota telefonicamente durante a cerimônia.

    "Amar pelos Dois"

    Os irmãos trouxeram ainda para casa o Prêmio de Composição Marcel Bezençon, que é atribuído pelos músicos presentes no concurso, e o Prêmio Artístico (para Salvador, o miúdo que aos dez anos tinha participado do concurso musical Bravo, Bravíssimo e aos 19 foi um dos finalistas do "Ídolos", antes de ir para Espanha estudar jazz).

    A canção foi interpretada sem artifícios, só com Salvador e o microfone em palco, com um arranjo de cordas de Luís Figueiredo que remete à bossa nova. Inédito nessa edição foi não só termos ouvido ao longo da noite (pela primeira vez na nossa vida) inúmeras vezes a frase "12 pontos para Portugal" como ter ido acompanhando as reações mundiais na rede.

    Foi emocionante ver J.K. Rowling no Twitter a torcer por Portugal, país onde viveu, e assistir aos vídeos de Caetano Veloso a apelar ao voto: "Eu quero que o Salvador Sobral ganhe o Festival da Eurovisão. Ele é bom demais".

    EM SINTONIA MÁXIMA

    Ao receber o prêmio, o músico português, que em 2016 lançou o seu álbum de estreia, "Excuse Me" (no qual interpreta "Nem Eu", de Dorival Caymmi, e "Ay Amor", bolero do cubano Bola de Nieve popularizado por Caetano Veloso), disse: "Isto é uma vitória para a música. Para as pessoas que fazem música que realmente significa alguma coisa. A música não é fogo de artifício. A música é sobre sentimentos. Vamos tentar mudar isso".

    Alguns consideraram deselegante a declaração no momento da vitória, mas Sobral tem consciência da finitude da vida (está na lista de espera para um transplante de coração) e não tem papas na língua.

    Já no fim da cerimônia, Paula Lavigne postou um vídeo do momento em que Caetano vê na TV Sobral embrulhado numa bandeira portuguesa a dizer ao apresentador: "O Caetano Veloso fez um vídeo a dizer que queria que eu ganhasse a Eurovisão. Vale mil vezes mais do que esta coisa [o prêmio]".

    Dias depois, Caetano esteve em Portugal em turnê. Sobral foi ao concerto, onde estiveram também as fadistas Ana Moura e Carminho –que mais tarde juntou todos em sua casa, onde gravaram um vídeo com Salvador a cantar acompanhado ao violão por Caetano.

    FESTIVAIS DE VERÃO

    A vitória na Eurovisão aconteceu a 13 de maio, dia da primeira visita do papa Francisco a Fátima, para a canonização dos pastorinhos Francisco e Jacinta Marto, e na noite em que os benfiquistas celebraram o primeiro tetra da sua história.

    O país entrou em euforia e desde aí ainda não parou, já que esta semana se confirmou a saída de Portugal do procedimento de deficit excessivo e só se falou em como Lisboa está na moda, pois até Madonna esteve por aqui com os filhos a preparar uma possível mudança para a cidade.

    Uma multidão invadiu o aeroporto para receber os "heróis da Eurovisão". Houve homenagem na Assembleia da República, e os concertos agendados dos irmãos Sobral multiplicam-se e esgotam.

    Em julho, Salvador atuará no festival Super Bock Super Rock, com o projeto Alexander Search (heterônimo de Fernando Pessoa), criado pelo pianista e compositor Júlio Resende e do qual é vocalista. Em junho, editam um álbum, mas já se pode ouvir "A Day of Sun" (veja vídeo abaixo). Partiram de letras de Search para compor canções com o intuito de trazer o universo de Pessoa às novas gerações.

    Veja vídeo de "A Day of Sun"

    ISABEL COUTINHO, 50, é repórter do jornal português "Público".

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