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    Saiba o quanto abandonar carne bovina ajuda (ou não) o planeta

    TAMAR HASPEL
    DO "WASHINGTON POST"

    01/08/2017 14h19

    Reprodução/Flickr
    Vaca girsey (cruzamento das raças Gir e Jersey) leiteira em Mococa (SP)
    Vaca girsey (cruzamento das raças Gir e Jersey) leiteira em Mococa (SP)

    Creio que seja seguro dizer que todos queremos salvar o planeta, e muito do que se escreve sobre sistemas de alimentação gira em torno de como atingir esse objetivo. As estimativas variam, mas cerca de 30% das emissões de gases causadores do efeito estufa estão relacionadas à comida.

    Se você é agricultor e quer fazer a sua parte para reduzir as emissões, há muitas escolhas: usar culturas de cobertura [por exemplo, plantas rasteiras, como abóbora e feijão], reduzir a aragem, empregar ferramentas atualizadas a fim de aplicar fertilizante apenas onde necessário.
    Na condição de consumidor de alimentos, porém, é mais difícil ajudar.

    Se você está em busca de conselhos sobre escolhas alimentícias que não prejudiquem o clima, descobrirá que as opções são muitas. Infelizmente, a maioria delas não funciona ou é óbvia demais. (Ainda que ocasionalmente seja possível encontrar um conselho muito sólido e bem pesquisado, sobre, por exemplo, os motivos para comer mais aveia.) Entre os conselhos que não funcionam está o de comprar alimentos locais ou orgânicos.
    Estes ocasionalmente representam uma escolha melhor em termos de efeito sobre o clima , e às vezes não, e é praticamente impossível saber o que é verdade em cada caso. Na categoria de opções "óbvias" está o desperdício: você deveria reduzi-lo, tanto em termos de comida quanto de embalagens.

    O que resta é um dos conselhos mais válidos que costumam ser dados quanto à alimentação: coma menos carne . A carne bovina, especialmente, é um monstro em termos de emissões de carbono, porque os sistemas digestivos do gado (e da maioria dos animais ruminantes) liberam metano, um dos mais poderosos gases causadores do efeito estufa .

    A menos que você tenha vivido embaixo de um Hummer até recentemente, já deve ter ouvido o conselho quanto a comer menos carne, e já deve ter ouvido também que a carne é uma das maiores causas de estrago quanto ao clima. Há muitas provas para sustentar essa posição, e mais recente surgiu na forma de uma análise detalhada sobre o impacto de vários alimentos e sistemas de produção, conduzida pela Universidade de Minnesota.

    O líder do estudo, Michael Clark, que está fazendo doutorado na universidade, considerou diversas categorias de alimentos, comparou a produção orgânica à convencional, e considerou diversas formas de medir seu impacto sobre o clima.

    Assim que superei meu sentimento de inadequação —por que, para ser honesta, o que é que eu realizei de concreto, na minha idade?– mergulhei nos dados do estudo de Clark. E ele me ajudou. De fato, trabalhou comigo para conduzir uma análise detalhada sobre as implicações do consumo de um filé de 150 gramas uma vez por semana. Não estamos falando de mudanças radicais, como adotar uma ideia vegan, mas sim da eliminação da carne bovina em apenas uma refeição por semana.

    Consideramos apenas os gases do efeito estufa, ainda que existam alguns outros fatores em jogo (diversos dos quais foram incluídos por Clark em seu estudo). Há o uso da água, o uso da terra e a poluição, todos os quais afetam o impacto ambiental daquilo que comemos. Há também o bem-estar dos animais, o impacto sobre as comunidades rurais e as condições de trabalho no setor, que importam de outras maneiras. Estávamos considerando uma coisa apenas: os gases causadores de efeito estufa pelos quais você é responsável a cada vez que decide o que vai comer no jantar.

    A conclusão: se você trocar o seu filé por um prato de feijão, uma vez por semana, impedirá que o equivalente a 331 quilos de dióxido de carbono cheguem à atmosfera a cada ano.

    CARNE POR GASOLINA

    O que 331 quilos de dióxido de carbono representam? Não adianta muito determinar que o peso equivale a 730 libras, porque você começará a visualizar coisas que pesam 728 libras –três jogadores de futebol americano, um camelo pequeno– povoando a atmosfera. O mais útil é comparar essa quantidade à redução nas emissões de dióxido de carbono propiciada por outras medidas comuns de redução de impacto sobre o clima.

    Abrir mão da carne bovina uma vez por semana, em troca de feijões, equivale, ao longo de um ano, a não queimar 144 litros de gasolina, ou a trocar 12 lâmpadas incandescentes por lâmpadas LED. Os 331 quilos em questão equivalem a cerca de 5% do uso de eletricidade de um domicílio médio. Se você plantar uma árvore (algo que eu sugiro todo mundo deveria fazer), ela removerá 331 quilos de dióxido de carbono da atmosfera em, bem, 83 anos.

    Mas é preciso encarar os fatos: feijões podem não ser uma troca fácil. E se você trocar o seu filé por carne de frango ou porco? Isso também beneficia o meio ambiente, mas nem tanto. O impacto anual da carne bovina - 334 quilos por um bife semanal - apequena o do feijão (três quilos por uma porção semanal). Também supera o impacto da carne de frango - 64 quilos - e o da carne de porco - 68 quilos. Mas não troque o seu filé por carne ovina, que representa mais do dobro do impacto sobre o clima. Em termos realistas, cortar o consumo de carne bovina provavelmente envolverá uma troca por uma combinação de alimentos - carne de porco e feijão, por exemplo -, e quanto mais legumes e cereais você incluir nessa troca, melhor.

    Mas a história não acaba aí, A análise de Clark não incluía o potencial do gado que, ao pastar, reconstrói o solo e aprisiona carbono (um processo conhecido como sequestro de carbono). Verifiquei com Jason Rowntree, professor associado da Universidade Estadual do Michigan que está pesquisando sobre isso. Da última vez que falei com ele, dois anos atrás, Rowntree estava em meio a uma experiência sobre pastagem. Agora, seus resultados preliminares demonstram o sequestro de mais de três toneladas anuais de carbono por hectare de pastagem, o que, segundo ele explicou via e-mail, "no mínimo produziria carne bovina com emissões neutras, mas mais provavelmente resultaria em carne bovina com impacto de redução de emissões". (Ele também acautelou que esses números ainda não foram revisados por outros pesquisadores.)

    Uma cabeça de gado alimentada por pastagem e com impacto de redução das emissões de carbono transforma um alimento que não serve para consumo humano em produto pronto para churrasco, e representa um almoço grátis, em termos de impacto sobre o clima. Mas pode ser difícil encontrar esse almoço no seu mercado local, porque não há como definir se a carne bovina, mesmo que rotulada como "alimentada em pasto", foi produzida por um pecuarista que está gerenciando sua produção de forma a maximizar o sequestro de carbono.

    Perguntei a Carrie Balkcom, diretora executiva da American Grassfed Association, que reúne pecuaristas que criam gado alimentado por pastagem, se o impacto de sua produção sobre as emissões de carbono é acompanhado pelos pecuaristas. "Tentamos não ser invasivos quanto aos métodos de produção de nossos membros", ela disse, mas as pesquisas da organização entre seus integrantes mostram que 93% deles empregam métodos de pastagem administrada. Alguns estão até medindo o carbono retido no solo.

    Eu gostaria de ver um rótulo que certificasse que a carne tem impacto de redução sobre o carbono na atmosfera, mas isso não deve chegar aos supermercados em curto prazo.

    Embora produzir carne bovina sem impactos adversos sobre o clima seja possível, pode ser que isso não se torne comum. E os benefícios da prática podem se esgotar, com o tempo,. A maioria dos cientistas que pesquisam sobre o solo dizem acreditar que a capacidade da terra para reter carbono é finita. Quando o limite for atingido, manter a pastagem conservará o carbono aprisionado, mas não haverá sequestro adicional para compensar o metano produzido pelo gado.

    COMPLEXIDADE

    Rowntree acautela contra tentar calcular quanto tempo isso levará para acontecer. "A natureza é complexa", ele afirmou via e-mail. "Tentamos linearizar as respostas da natureza e isso leva a limites quanto ao que a administração de pastagens pode produzir". Mas ele acrescenta que "é ingênuo acreditar que, com a mudança dos cenários, o carbono fique sequestrado permanentemente. Ele está armazenado na terra como energia, e será liberado da mesma forma".

    A alimentação por pastagem faz mais que sequestrar carbono, aponta Rowntree. Ela pode restaurar terras degradadas, algo que pode beneficiar futuros usos e futuras gerações. E também faz aquilo que transformou o gado em uma das bases da civilização humana: converte grama em leite e carne ao permitir que gado faça o que faz melhor: pastar.

    Deveríamos comer menos carne? Sim. E desperdiçar menos alimentos. Usar menos embalagens. Comer aveia! Mas as coisas nunca são tão simples, é claro, e todos nos sairemos melhor se as pessoas que produzem nossa comida tiverem uma maneira confiável de nos informar a respeito, e se as pessoas que a compram prestarem mais atenção.

    E troque logo suas lâmpadas, caramba.

    TAMAR HASPEL é jornalista. Escreve sobre comida e ciência e cria ostras no cabo Cod (EUA).

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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