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    E se as análises sobre queda de produtividade estiverem erradas?

    NEIL IRWIN
    DO "NEW YORK TIMES"

    10/08/2017 09h00

    Charles Rex Arbogast/Associated Press
    Clientes pedem comida em serviço de auto-atendimento em McDonald’s de Chicago
    Clientes pedem comida em serviço de auto-atendimento em McDonald’s de Chicago

    As empresas americanas têm feito um péssimo trabalho ao tentar elevar a produtividade de seus funcionários.

    O crescimento da produtividade está no menor nível desde o início dos anos 1980 –ela aumentou apenas 0,8% na última meia década; de 1947 a 2007, esse número foi de 2,3%, em média. Isso é o que está por trás do avanço tímido tanto do PIB quanto dos salários.

    Esse, pelo menos, é o modo convencional de enxergar a produtividade e sua relação com a economia. Numa visão tradicional, a produtividade é uma espécie de força mágica que ajuda a explicar o aumento da produção. Novas invenções que poupam mão de obra ou novas práticas administrativas milagrosamente permitiriam às empresas produzir mais com menos horas de trabalho.

    Segundo essa visão, não é possível prever quando e como as inovações vão chegar. Henry Ford começou a usar a linha de montagem. Sam Walton aperfeiçoou a cadeia de fornecimento ao varejo. Processadores de texto fáceis de usar reduzem o número de executivos e empresários que precisam de secretárias. E pronto: cresce a capacidade produtiva do país, junto com a renda e o padrão de vida.

    Mas e se essa for a maneira errada de enxergar a questão? E se o aumento da produtividade não for uma força externa que avança de modo aleatório, mas algo profundamente interligado com o estado geral da economia e do mercado de trabalho?

    É um problema do tipo "quem chegou antes, a galinha ou o ovo?". A baixa produtividade gera baixo crescimento, ou o baixo crescimento é a causa da baixa produtividade?

    A segunda possibilidade é o argumento provocante apresentado por um texto recente publicado pelo Roosevelt Institute, um "think tank" liberal. O artigo argumenta que a economia dos Estados Unidos não está perto de alcançar seu potencial econômico pleno e ainda tem muito espaço para crescimento –desde que o Federal Reserve (o banco central americano) não freie a expansão antes da hora.

    O autor do estudo, J. W. Mason, argumenta que um crescimento baixo da produtividade, em vez de refletir uma lamentável falta de inovações, é consequência da depressão na demanda por bens e serviços e do mercado de trabalho desaquecido, que achatou os salários.

    Talvez, se o mercado de trabalho estivesse mais aquecido e os salários estivessem crescendo mais, as empresas seriam induzidas a fazer investimentos maiores em inovações que poupam mão de obra.

    CONVERGÊNCIA

    Especialmente interessante, esse diagnóstico –mas não as políticas públicas prescritas– coincide em alguns pontos com os argumentos de influentes economistas conservadores.

    Um artigo recente publicado pelo Hoover Institution e o American Enterprise Institute argumentou que a estagnação da produtividade é fruto da insuficiência de investimentos em bens de produção e softwares e que essa situação está prestes a mudar. (Três dos quatro autores do artigo, Glenn Hubbard, John B. Taylor e Kevin Warsh, são potenciais candidatos a serem indicados pelo presidente Trump para a direção do Federal Reserve.)

    A visão expressa no artigo condiz com as ideias de alguns dos mais sofisticados analistas de tendências de produtividade no mundo empresarial.

    Por exemplo, Marco Annunziata, economista chefe da General Electric, argumenta que muitas das inovações tecnológicas que estão chegando ao mercado hoje, como a impressão em 3D e o uso em ambientes industriais de óculos de realidade aumentada, realmente estão gerando ganhos enormes de produtividade quando são utilizadas.

    Mas as despesas de capital têm sido baixas, de modo geral, especialmente as feitas com vista a inovações transformadoras.

    "Os investimentos que deveriam ter o efeito mais forte de alimentar a produtividade das empresas vêm sendo os menores", disse Annunziata. "Quer dizer que essas inovações não estão sendo adotadas em grande escala. Estão sendo implementadas em pequena escala, em momentos e locais particulares."

    Para ele, as empresas estão gastando seus orçamentos de capital não com coisas que poderiam levar a produtividade de seus funcionários a dar um salto, mas em projetos menores para repor máquinas e softwares mais antigos e obter ganhos de eficiência marginais.

    O que poderia mudar essa situação? A pergunta nos traz de volta aos argumentos de Mason sobre a interação entre demanda e crescimento da produtividade.

    SOLUÇÕES

    Talvez, se o mercado de trabalho se fortalecesse e ficasse mais difícil encontrar bons profissionais –e se os salários subissem–, isso estimularia as empresas a estudar mais inovações caras do tipo que geram aumento de produtividade.

    Considere uma hipótese (se bem que, na realidade, ela não seja tão hipotética assim). Se a lanchonete mais próxima de sua casa emprega dez pessoas na hora do almoço, cada uma das quais recebe US$ 10 a hora, o que aconteceria se o salário mínimo subisse para US$ 15 por hora?

    O dono do estabelecimento poderia aumentar o preço dos sanduíches, poderia se conformar em auferir lucros menores ou poderia fechar o local. Talvez, porém, ele investisse em novas máquinas para que os empregados conseguissem produzir mais com menos trabalho. Depois de investir em quiosques em que o próprio cliente dá entrada em seu pedido e em um robô para virar hambúrgueres, talvez a lanchonete conseguisse funcionar bem com apenas cinco funcionários.

    Há um termo para designar uma lanchonete capaz de servir o mesmo número de hambúrgueres com a metade do número de funcionários: alta produtividade. Esse termo pode levar o leitor a ter visões assustadoras de funcionários que se tornam desnecessários devido ao uso de robôs, mas os economistas enxergam um quadro mais animador: que a alta produtividade possibilita crescimento econômico maior e o aumento das rendas, ao custo de algum incômodo temporário para os trabalhadores afetados.

    No contexto da discussão sobre o salário mínimo, praticamente todo mundo concorda que esse tipo de resposta –"substituição de capital", para usar o termo técnico– é previsível. Mas não há razão por que ela só possa acontecer após uma alta do salário mínimo. Podemos imaginar que a mesma coisa se daria se os salários subissem devido a forças do mercado; que aquela mesma lanchonete poderia investir em quiosques de autoatendimento e robôs se a oferta de mão de obra diminuísse tanto que não houvesse mais funcionários dispostos a trabalhar por US$ 10 a hora.

    HISTÓRICO

    Se olharmos para os padrões de longo prazo do aumento da produtividade, eles condizem mais ou menos com essa ideia –que um mercado de empregos em alta tende a ser seguido por um boom de produtividade e que recessões profundas são seguidas por quedas na produtividade.

    O maior aumento de produtividade nos Estados Unidos pós-Segunda Guerra Mundial aconteceu no final dos anos 1960 e no início dos anos 2000. Os dois períodos de maior fraqueza foram o início da década de 1980 e a década passada desde a crise financeira global.

    Esse argumento também tem algumas raízes históricas. Alguns historiadores acreditam que a Revolução Industrial começou no Reino Unido, e não em outro lugar, porque os salários comparativamente altos dos trabalhadores britânicos levaram as empresas a investir em máquinas que poupariam mão de obra.

    Para quem segue esse modo de pensar a produtividade, os inventores e inovadores empresariais vivem procurando maneiras melhores de fazer as coisas, mas é preciso haver salários altos e escassez de mão de obra para convencer as empresas a fazer os investimentos necessários para que as inovações passem a ser usadas amplamente.

    Mason acrescenta que essa ideia contém implicações importantes para pensar a elevação dos salários dentro do ambiente econômico atual. Existe uma contradição gritante em relação a quanto os salários dos trabalhadores americanos podem ou devem subir.

    "Na segunda e na quarta-feira, os economistas afirmam que os salários estão baixos porque o trabalho de pessoas está sendo feito por robôs. Na terça e na quinta-feira, dizem que os salários não podem subir porque a produtividade vem aumentando muito pouco", disse Mason, que é economista na faculdade John Jay. "As duas coisas não podem ser verdade."

    Em outras palavras, em vez de nos preocuparmos tanto com a ideia de robôs tirarem nossos empregos, deveríamos nos preocupar mais com a ideia de os salários serem tão baixos que nem mesmo os robôs têm uma chance.

    Tradução de CLARA ALLAIN

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