Bom, é o que eu estou te falando, é Hermeto Pascoal que está falando.

Eu quero dizer que eu estou agora como se eu estivesse com os meus 15, 16 anos de idade, lá em Recife, na Regional do Comércio. Eu tocava na Regional, com o meu sogro, Romualdo de Miranda.

E era sanfona, eu era sanfoneiro, tinha saído da sanfoninha pequena para a sanfona maior, e daí, daqui a pouco –eu tocando bem–, apareceu um camarada de repente lá me chamando para ir para uma boate tocar porque o pianista tinha saído, tinha parado de estalo.

Boate Delfim Verde em Recife. E o pianista que tinha saído, meu conterrâneo até, chamava-se Eli Arcoverde.

E aí eu digo: "Mas eu não toco". Era o meu compadre [que o chamava para tocar] Heraldo do Monte, guitarrista Heraldo do Monte, que também, como eu, morava em Recife naquela época. Ele tocava à noite, e justamente o pianista tinha saído.

Aí eu disse "não". Ele chegou e falou para mim:

"Não, faz assim, eu só estou te convidando porque eu já vi você tocando acordeão e você harmoniza muito bem. Então pode muito bem fazer o seguinte: enquanto estuda o piano, quando o dono da casa for passando perto do piano (seu Burro era o apelido dele) –ele é burro, não entende nada mesmo, por isso nós o apelidamos de seu Burro, só tem dinheiro–, eu com a guitarra fico na frente da sua mão esquerda, e você balança a mão só. Pronto, ele passa e não sabe nada".

Aí eu ataquei na boate. Disse pro Heraldo: "É bom para mim até, porque também a mão esquerda é uma jogada completamente diferente do acordeão". E aí fui e ataquei. E até hoje.

O primeiro cara que me chamou para tocar piano chama-se compadre Heraldo do Monte e é um dos maiores guitarristas do mundo.

Nota: Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte tocaram juntos em março deste ano, em São Paulo. O texto acima é uma transcrição de áudio enviado por Hermeto à "Ilustríssima".

HERMETO PASCOAL, 81, compositor e multi-instrumentista, acaba de lançar o álbum duplo "No Mundo dos Sons" (Selo Sesc).