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    Em Berlim, esquerda protesta contra o que considera 'privatização da arte'

    SILVIA BITTENCOURT

    22/10/2017 02h00

    Zanone Fraissat - 10.mai.2012/Folhapress
    Chris Dercon, quando era diretor da Tate Modern de Londres, durante visita ao Brasil.

    Não poderia ser mais tumultuada a estreia do belga Chris Dercon na direção do Volksbühne, um dos teatros mais icônicos de Berlim. Além de enfrentar a resistência da classe artística à sua nomeação, Dercon assistiu, no final de setembro, à ocupação do local por dezenas de ativistas de esquerda.

    Os manifestantes tomaram o saguão do prédio e prometeram realizar, nos meses seguintes, uma série de performances com o público. Uma semana depois, contudo, foram removidos pela polícia.

    Os ativistas, muitos deles atores, protestavam não só contra o encarecimento da moradia em Berlim (gentrificação), mas também contra o que chamavam de "privatização da arte".

    Não foi à toa que escolheram o teatro para sua manifestação: segundo eles, a nomeação de Dercon significaria uma guinada à direita no Volksbühne (cujo nome significa, literalmente, "palco do povo").

    O auditório foi construído com doações de trabalhadores no bairro judaico de Berlim (Scheunenviertel), há mais de cem anos. No início, predominavam as peças de cunho político, voltadas principalmente ao público proletário.

    HOMEM DAS ARTES

    Ex-diretor da Tate Modern de Londres, Dercon é visto por seus críticos como um homem do mercado das artes, interessado na comercialização do Volksbühne.

    Ele vem defendendo um teatro interdisciplinar e internacional, mais sintonizado com uma Berlim cosmopolita —ideia que norteou sua nomeação pela prefeitura, que é financiadora dos principais teatros da capital alemã.

    O belga substituiu o berlinense Frank Castorf, que dirigiu o Volksbühne por 25 anos. Ícone da cena teatral do país, ele ficou conhecido por seus trabalhos experimentais, nos quais desconstrói obras sobretudo de autores alemães.

    É o caso de "Fausto", de Goethe, seu último trabalho na casa, encenado em março deste ano com sete horas de duração.

    A substituição de Castorf por Dercon, anunciada em 2015, gerou vários abaixo-assinados por parte de atores e funcionários, além de comentários injuriosos nas redes sociais contra o novo chefe.

    SÍRIOS NO PALCO

    A ocupação dos manifestantes, porém, não prejudicou muito as estreias da nova temporada, que ocorreram no antigo aeroporto de Tempelhof –uma construção da época nazista que ocupa área de 300 mil m² e foi desativada em 2008 para se tornar um parque de lazer. Hoje, abriga também um alojamento para refugiados.

    Seu hangar número cinco, reformado pelo arquiteto Francis Kéré, de Burkina Faso, tornou-se uma "filial" do Volksbühne e serviu como palco da primeira peça sob a gestão Dercon: "Ifigênia", dos diretores sírios Mohammad al Attar e Omar Abusaada.

    Nela, nove mulheres sírias encenam uma seleção de elenco para o papel-título. A obra de Eurípides é apenas um pretexto, já que o espectador se confronta principalmente com a tragédia real, contada em árabe, de cada uma das jovens.

    Legendado em alemão e inglês, o espetáculo cativou o público, talvez menos pela qualidade das atrizes –todas recrutadas entre os novos imigrantes do país e nenhuma delas profissional—, mas por aproximar os germânicos da realidade dos refugiados.

    ROMANCE EUROPEU

    Com o livro "Die Hauptstadt" (a capital), o escritor austríaco Robert Menasse ganhou o maior prêmio literário de língua alemã, o Deutscher Buchpreis, sempre anunciado às vésperas da Feira de Frankfurt.

    Segundo o júri, trata-se do primeiro "romance europeu". A obra tem como pano de fundo a cidade de Bruxelas, sede da União Europeia, descrita como um emaranhado babilônico e burocrático.

    Mas ali se entrelaçam os mais variados personagens —a maioria altos funcionários do bloco econômico— que, apesar de suas diversas nacionalidades, histórias e conflitos pessoais, acabam se revelando os heróis do projeto europeu.

    Menasse foi professor visitante da Universidade de São Paulo (USP) de 1981 a 1988 e tem dois livros publicados no Brasil: "A Certeza Sensível" (Editora Estação Liberdade) e "Espelho Cego" (Companhia das Letras).

    SILVIA BITTENCOURT, 52, jornalista, é autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas).

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