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    Em Paris, artistas feministas discutem espaço doméstico e homens-caçadores

    ISABEL JUNQUEIRA

    12/11/2017 02h00

    Márcia Bechara/RFI
    As artistas Sophie Calle (esq.) e Serena Carone na exposição no Museu da Caça e da Natureza de Paris

    Na mesma semana da morte de Linda Nochlin, historiadora de arte norte-americana cuja pluma feminista chacoalhou os paradigmas da disciplina na década de 1970, ocorreu a abertura de "Women House", que fica em cartaz até 28/1 na Monnaie de Paris.

    A exposição examina as representações visuais do espaço doméstico —e seu peso sociológico— sob o ponto de vista de 40 pintoras, fotógrafas, escultoras e performers da década de 1930 até a atualidade.

    A curadora Camille Morineau começou a pensar sobre o tema quando organizou "elles@centrepompidou", mostra de 2009 focada no trabalho de artistas do sexo feminino do acervo do icônico museu parisiense. A exposição chegou a passar pelo Brasil em 2013.

    Desde aquele projeto, um ponto em comum entre as obras de Niki de Saint Phalle e Louise Bourgeois não lhe saiu da cabeça: o conceito de "mulher-casa", agora explorado a fundo na nova exposição.

    Por séculos, o gênero feminino viu sua identidade atrelada à domesticidade, confundindo-se com o ambiente e a arquitetura do lar. Essa fusão, explorada em diferentes tons, é o tema que preenche as salas do prédio parisiense.

    Em "Kooi", vídeo de performance realizada em 1978, Lydia Schouten se movimenta impacientemente dentro de uma jaula pigmentada que vai sujando sua roupa branca —uma referência à ditadura da maquiagem. Francesca Woodman, em fotos feitas de 1976 a 78, posa para suas próprias lentes como se tentasse integrar seu corpo nu aos elementos de um cômodo.

    Ainda que interessante, a exposição privilegia obras focadas nos estereótipos da dona de casa de classe média e branca. Assim, é bem-vindo o olhar da fotógrafa Zanele Muholi, que leva a conversa para outra direção: a sul-africana retrata a dura realidade das mulheres da comunidade LGBT do seu país, que acabam enxergando as quatro paredes de casa como um porto seguro.

    Outra exceção é "Tarefa I" (1982), vídeo de Letícia Parente no qual uma empregada doméstica negra aparece passando sua patroa branca com ferro. Exibido próximo a um desenho de Birgit Jürgenssen, de 1975, em que uma mulher faz a mesma tarefa num homem, o trabalho da brasileira deixa claro que o buraco é sempre mais embaixo.

    A CAÇA

    No segundo andar do Museu da Caça e da Natureza, Sophie Calle mostra até 11/2 sua versão de um caçador. Numa série inédita, a artista compilou trechos de anúncios assinados por homens em busca de uma parceira para se acasalar. Cada moldura de "Chasseur Français" (caçador francês) reúne as características mais procuradas em mulheres num certo período da história.

    Se no final do século 19 possuir um dote era imprescindível para as candidatas, que também deveriam ser virgens e ter gostos simples, nas décadas de 1980 e 90 as peitudas de quadril largo estavam com tudo.

    Na era Tinder, a proximidade geográfica é condição sine qua non. A personalidade dócil, no entanto, é sempre a mais procurada, não importa a época.

    Famosa por sua obra excêntrica e altamente autobiográfica, como demonstram os porta-retratos recheados de histórias pessoais espalhados pelo museu, Calle alterna o papel de caçadora e de presa.

    Em "Suite Vénitienne" (suíte veneziana), de 1980, ela decidiu seguir um homem qualquer na rua, chegando a ir até Veneza atrás da cobaia. Na mesma época, contratou um detetive para segui-la à paisana e fotografá-la, em imagens que depois viraram uma série assinada pela artista.

    BARBARA E DEPARDIEU

    No aniversário de 20 anos da morte de Barbara, uma das cantoras mais celebradas da França, chovem homenagens nas livrarias, cinemas e casas de show.

    O tributo que vem fazendo mais sucesso é o disco "Depardieu Chante Barbara", no qual o ator francês declama textos e cantarola "Ma Plus Belle Histoire d'Amour", "Dis, Quand Reviendras-Tu" e outros hinos que embalaram gerações na segunda metade do século passado.

    Acompanhado de Gérard Daguerre, pianista favorito de Barbara, Depardieu levou o álbum aos palcos em shows que vêm lotando teatros desde o início do ano —até 17/11 a dupla se apresenta no Cirque d'Hiver.

    Um dos amigos mais próximos da diva, Depardieu se entrega em uma interpretação visceral e íntima. O público até esquece por uma hora o imbróglio envolvendo o artista, que recebeu cidadania russa de Putin para fugir dos salgados impostos da França.

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    ISABEL JUNQUEIRA, 33, é jornalista.

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