• Mercado

    Monday, 06-May-2024 09:05:01 -03

    Política econômica é biruta de aeroporto, diz economista

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    15/01/2014 00h30

    A política econômica é errática, não tem norte, responde às demandas de curto prazo. É como uma biruta de aeroporto. A avaliação é do economista José Luis Oreiro, 42, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

    Para ele a situação da economia é frágil, e há risco de o país enfrentar uma crise cambial neste ano. Presidente da Associação Keynesiana Brasileira, Oreiro fala em caráter pessoal. Defende mudanças no paradigma do tripé e propõe a adoção de metas de poupança pública.

    "É preciso recuperar a capacidade de poupança do setor público. Tem que ser abandonada essa ideia de meta de superávit primário", diz. Na sua visão, o governo deveria desvalorizar o real para um patamar de R$ 3,20 num período de dois a três anos.

    Filiado ao PPS, ele prevê a reeleição de Dilma Rousseff, se não acontecer a "tempestade perfeita" (fim dos estímulos nos EUA e rebaixamento do Brasil pelas agências de risco) e o governo conseguir "empurrar com a barriga" a situação.

    *

    Folha - Qual sua avaliação da conjuntura econômica?
    José Luis Oreiro - Está em semiestagnação. Esse desempenho medíocre se deve dois fatores: um de ordem estrutural e outro de condução de política econômica. O de ordem estrutural é decorrente da desindustrialização da economia brasileira. A partir de 2004 houve uma segunda onda de desindustrialização. A primeira foi de meados da década de 1980 e a de 1990.

    Com essa segunda onda, a economia brasileira foi perdendo o seu dinamismo. Em 2004 a participação da indústria no PIB era em torno de 24%; no final do ano passado ficou em pouco mais de 13%.

    Essa situação é fruto da questão cambial?
    Setenta por cento do problema é câmbio. Os outros 30% são relativos a deficiências de infraestrutura e uma política tributária que penaliza a exportação de manufaturados.

    Quais são as causas conjunturais?
    Uma está no front externo. A demora dos países desenvolvidos em sair da crise afetou as exportações brasileiras de manufaturados. A segunda causa está na condução da política econômica, que é uma biruta de aeroporto, não tem direção, responde às demandas de curto prazo, é errática.

    Mas o ministro é o mesmo.
    Quem conduz a política econômica brasileira é Dilma, não é o ministro. É uma política econômica que reage às noticias de jornal. Quando a inflação está subindo, saem medidas como atrasar o reajuste de gasolina, dos preços de energia elétrica. Quando a indústria está chorando, desonerações. Não conseguem entregar o superávit primário, fazem manobras contábeis.

    Dilma está muito mais preocupada com sua reeleição do que Lula esteve. Talvez sua falta de carisma em relação ao ex-presidente explique esse comportamento. É uma política extremamente preocupada com a opinião pública de curto prazo, não tem norte. Essa biruta de aeroporto gera uma incerteza fenomenal na economia, os empresários não têm ambiente estável.

    Daniel Marenco/Folhapress
    O economista José Luís Oreiro, para quem a situação da economia é frágil
    O economista José Luís Oreiro, para quem a situação da economia é frágil

    A economia não pode prejudicar a reeleição?
    Se Dilma conseguir empurrar as coisas com a barriga, que é a estratégia do governo –ou seja, entregar uma inflação de outubro abaixo de 6% na média em 12 meses e um desemprego de 5,5%, 6%–, a reeleição tem grandes chances. Se a coisa começar a desandar –e ela pode desandar pelo front externo–, se pode ter uma crise cambial este ano.

    Crise cambial? Como assim?
    A crise cambial seria uma desvalorização muito rápida do real frente ao dólar, com o dólar chegando a R$ 3,10, R$ 3,20. Se esse cenário de desvalorização súbita da moeda ocorrer antes das eleições, em abril, maio, haverá, além da instabilidade, uma aceleração inflacionaria forte, justamente na reta final da campanha eleitoral.

    Qual a possibilidade de isso acontecer? O governo não teria forma de controlar esse processo?
    O governo está se baseando nas suas reservas internacionais para poder deter uma desvalorização súbita da taxa de câmbio. Com essas operações de swap cambial, já foram comprometidos 20% das reservas. As reservas que o Brasil tem são dinheiro emprestado. Elas não foram constituídas em razão de um acúmulo em saldo de conta corrente foi depositado em algum lugar. Elas se devem ao fato de que estrangeiros investiram dinheiro no país, comprando ativos denominados em reais, e nós usamos esse dinheiro para constituir as reservas.

    Na hora em que os estrangeiros quiserem esse dinheiro de volta, teremos que pagar. É diferente da China, que acumula saldo em conta corrente –as reservas são dela. A contrapartida dessas reservas é o passivo externo líquido da economia brasileira que aumentou muito.

    Qual a chance desse cenário de crise acontecer?
    Como sou um economista keynesiano, não gosto de falar de probabilidades. O cenário é propício a isso. A situação da economia brasileira é frágil. Não significa dizer que vai acontecer um desastre amanhã.

    Este ano pode transcorrer numa situação frágil e não acontecer nada. Mas há o alto déficit em conta-corrente, uma deterioração da situação fiscal do governo, uma economia que não está conseguindo crescer. Tudo isso torna a situação frágil. Em algum momento, às vezes até um evento de pouca importância pode detonar uma parada súbita de financiamento da economia brasileira.

    E o câmbio dispara. Surge aí o cenário da tempestade perfeita levantado por Delfim Netto.

    Por que o sr. é crítico do tripé?
    O tripé foi muito bem sucedido para fazer o que ele se propôs a fazer. Foi uma saída pensada em 1999, após uma enorme desvalorização do câmbio, quando a dívida pública líquida tinha passado para 40% do PIB. Havia o risco de a dívida pública entrar numa trajetória de insolvência, que levaria ao descontrole inflacionário.

    Dado esse cenário, o tripé foi bem sucedido. Conseguiu estabilizar a relação dívida líquida/PIB, até reduziu um pouco, e trouxe a inflação de volta a um patamar razoável. Só que hoje o desafio da economia brasileira não é mais o da estabilização da inflação e da dívida pública: é fazer o país crescer.

    A ideia de meta de superávit primário é anacrônica, porque a política fiscal precisa ir além. Ela tem que estar preocupada com metas de poupança pública. A poupança pública do governo é negativa. O governo não tem recursos para investir. As contas públicas não estão ajustadas, e o déficit é ruim. O déficit bom é quando se toma emprestado para investir.

    O que se tem agora é uma espécie de plano Jorginho Guinle: toma-se emprestado para consumir. A política fiscal é horrorosa. É preciso recuperar a capacidade de poupança do setor público. Tem que ser abandonada essa ideia de meta de superávit primário.

    E a meta de inflação?
    Todo o governo tem que estar preocupado em ter uma inflação estável. Mas o sistema de meta de inflação no mundo inteiro está sendo repensado. Os bancos centrais estão administrando as taxas de câmbio. Temos que fazer o mesmo no Brasil. Se não, estaremos condenados a ter uma moeda sobrevalorizada, e isso tem impacto pernicioso sobre a indústria. Temos que ter uma política que também se preocupe com o câmbio.

    Qual é o seu modelo?
    No meu modelo, a política fiscal é pautada por meta de poupança pública. Tem que ter uma meta de câmbio, para poder ajustá-lo. Não do dia para a noite. Se for feita uma maxidesvalorização de 30%, 40% do dia para a noite, a inflação dispara. Tem que fazer um sistema de ajuste gradual do câmbio, até que se alcance um patamar mais competitivo.

    Qual patamar e em que período isso deveria ser feito?
    Hoje precisaria ter um câmbio da ordem de R$ 3,20. Para não gerar elevações bruscas da taxa de inflação, calculo que seriam necessários de dois a três anos para fazer um ajuste gradual.

    Isso seria transparente?
    Totalmente transparente, num sistema de bandas cambiais deslizantes. O BC determinaria um teto e um piso e anunciaria. Precisaria das reservas internacionais para garantir a viabilidade desse sistema ao longo da transição. Eventualmente, durante a transição, seria necessário colocar controles à saída de capitais. Não sou favorável à centralização cambial. É feito com IOF ou quarentena de investimentos. A Malásia fez isso, e o resultado foi bom em 1998, na crise asiática. Houve controle de saída, e o país teve um desempenho melhor que em outros lugares.

    E a política salarial?
    A regra de reajuste do salário mínimo tem que ser mudada, pois aumenta a indexação da economia. Defendo que o reajuste salarial seja feito com base na meta de inflação (não a inflação do ano anterior) mais um percentual a título de ganho de produtividade da economia, por exemplo, 2%.

    Essa regra romperia com a inércia inflacionária, e os sindicatos seriam grandes interessados em atingir a meta de inflação. Não se trata de arrocho salarial. Quero é que os salários cresçam a uma taxa sustentável no longo prazo. Com a regra atual, esse crescimento não é sustentável.

    O sr. defende que a meta de inflação seja baseada no núcleo?
    Na prática, hoje o BC só olha o núcleo. Mas a vantagem de se adotar o núcleo da inflação seria evitar o terrorismo inflacionário que temos todos os anos de abril a setembro. É quando o IPCA cheio sobe, e os bancos e o mercado financeiro fazem terrorismo inflacionário, dizem que a inflação vai sair do controle. Isso acaba sendo uma pressão política sobre o Banco Central para elevação dos juros. Esse movimento de terrorismo inflacionário foi muito claro em 2012 e 2013.

    O terrorismo inflacionário cria volatividade nas taxas de juros futuras. E o sistema financeiro ganha na volatividade, não tanto no nível da taxa. Quando começam a criar o terrorismo inflacionário, as apostas sobre as taxas de juros começam a ficar divergentes. É nessa divergência de opiniões que se geram enormes oportunidades para agentes do mercado financeiro ganharem dinheiro.

    Por que os juros seguem elevados?
    As LFTs (Letras Financeiras do Tesouro) fazem com que a taxa de juros de curto prazo, usada pelo BC para calibrar a política monetária, seja contaminada pela taxa de juros da dívida pública. Assim, a taxa de juros de curto prazo, a selic, acaba sendo muito próxima da taxa de juros dos títulos da dívida pública com longo prazo de maturidade.

    Isto é uma desfunção do mercado de dívida pública no Brasil; a curva de rendimentos tem com pouca inclinação. Nos EUA, a taxa de curto prazo está perto de 0% ao ano e a taxa de juros dos títulos de longo prazo anda perto de 3% ao ano. Parte do problema do juro no Brasil pode acabar se e quando o Tesouro Nacional zerar a parcela da dívida pública indexada pela selic.

    Se isso ocorrer, a taxa de juros de curto prazo poderá cair para níveis internacionais em pouco tempo.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024