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    Fundos negociados em Bolsa precisam ser questionados

    JOHN AUTHERS
    DO "FINANCIAL TIMES"

    03/02/2014 15h01

    O capital está fugindo dos mercados emergentes. E há um feroz debate em curso para determinar se isso é culpa do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), que para todos os fins práticos encorajou os investidores a levarem seu dinheiro para casa.

    É muito justo e necessário que esse debate seja travado. Mas o setor de administração de fundos de investimento tem outro debate, interno, a travar. Por que, exatamente, o dinheiro que financia as companhias e os governos dos mercados emergentes se mostrou tão volúvel? Mesmo consideradas as decisões do Fed, como é que o sentimento do mercado com relação a uma parcela tão grande do planeta pôde virar com tamanha rapidez?

    Devemos questionar a maneira pela qual os países desenvolvidos financiam os países em desenvolvimento. E com isso, os fundos negociados em Bolsa precisam ser questionados pela primeira vez.

    O fato concreto é que um montante notável de dinheiro foi retirado dos mercados emergentes com pressa obscena; e esta foi a primeira onda de vendas de ativos emergentes a ser conduzida primordialmente por meio de fundos negociados em Bolsa. Eles agora respondem por US$ 300 bilhões do US$ 1.3 trilhão em ações dos mercados emergentes, de acordo com o Morgan Stanley - e no entanto, o contrato iShares ETF, vinculado ao índice MSCI-EM, o mais importante do setor - foi lançado apenas em 2003.

    O total retirado excede os montantes que saíram desses mercados durante a crise de 2008, e isso já estava acontecendo antes dos aumentos de emergência nas taxas de juros da Turquia, Índia e África do Sul, na semana passada.

    A sequência de saída líquida de capital dos mercados emergentes já atingiu 14 semanas consecutivas, a maior desde 2002 - ainda que Geoff Dennis, do UBS, aponte que em 2001, o ano da desvalorização argentina, o mercado passou por sequência negativa quase duas vezes mais longa. A fuga de capitais pode continuar por algum tempo.

    De acordo com a TrimTabs, os fundos negociados em Bolsa dos mercados emergentes registraram resgates de US$ 4,4 bilhões (4,8% de seus ativos) na semana passada. Ao longo do ano passado, eles sofreram queda de 15,8% em seus ativos.

    Não houve um gatilho específico para a fuga de capitais, no universo dos mercados emergentes. Aconteceram feias erupções políticas em países que já eram vistos como sujeitos a risco político elevado, a exemplo da Argentina, Turquia e Ucrânia.

    Por que, então, uma fuga de capital tão rápida? Uma reversão abrupta no sentimento dos investidores ocidentais não precisaria ter tal efeito, já que investir em mercados emergentes é um jogo que requer paciência. Eles são voláteis. Pode demorar para que seu valor se revele e brilhe.

    Os fundos de capital fechado, que não necessitam comprar ou vender ações em resposta a mudanças de sentimentos entre os investidores, deveriam ser o veículo ideal para investimento desse tipo. Saker Nusseibeh, presidente-executivo da Hermes Investment Managers, no Reino Unido, aponta que a Foreign & Colonial Investment Trust já estava investindo no Brasil, Rússia, Índia e China na década de 1880 - sem a ajuda de siglas, e sem a necessidade de vender ações quando os investidores vendessem cotas do fundo.

    Os fundos de capital fechado têm desvantagens. Mas o que pode ter mudado nos ativos dos mercados emergentes que justifique a necessidade de retê-los em forma de veículos que permitem entrada e saída ultrarrápida, a qualquer minuto do dia de operações?

    Para além da estrutura básica dos fundos negociados em Bolsa, existem falhas na maneiras pela qual eles acompanham índices e na maneira pela qual os investimentos em mercado emergente são comercializados em Wall Street e na City de Londres. Isso começa pelo absurdo apego a siglas, que remonta ao sucesso do Goldman Sachs em promover fundos relacionados ao grupo BRIC - Brasil, Rússia, Índia e China.

    Isso resultou em uma inundação de fundos direcionados a esses países, e foi seguido por uma série de siglas cada vez mais forçadas, entre as quais CIVET, BIIT e MINT. Essa não é uma maneira sensata de alocar capital.

    A metodologia dos índices é, em si, um problema. A ponderação por capitalização significa que o dinheiro vai para as maiores companhias - muitas das quais são antigas estatais no ramo de infraestrutura, grupos de recursos naturais ou companhias oligopolistas - e não para empresas menores. Os índices de dívida enviam capital aos países com mais dívida.

    E os fundos negociados em Bolsa especializados, mais setoriais, são comuns nos Estados Unidos, mas os mercados emergentes são dominados pelos grandes índices. E os fundos negociados em Bolsa nos mercados emergentes tendem a acumular defasagens com relação aos índices a que são vinculados com intensidade muito maior do que os fundos negociados em Bolsa nos mercados desenvolvidos.

    Problemas como esses poderiam ser resolvidos por meio de alterações internas? A semana passada viu o lançamento do S&P Emerging Markets Domestic Demand, índice que se concentra em companhias que atendem à classe média ascendente nas economias em desenvolvimento. Ele sem dúvida em breve servirá de base a um fundo negociado em Bolsa.

    A Emerging Global Advisors, de Nova York, oferece fundos negociados em Bolsa especializados que cobrem os países "não BRIC", excluindo os integrantes do grupo, a Coreia do Sul e Taiwan. Países e setores menos maduros oferecem menor correlação para com os países desenvolvidos e são menos voláteis.

    Assim, os fundos negociados em Bolsa podem de fato ser melhorados. Se abandonarmos a ideia de que os "mercados emergentes"são uma classe coerente de ativos, e a fixação absurda em siglas, isso já bastará para ajudar. Abandonar os índices de títulos que enviam a maior parte do dinheiro para os países mais endividados, e os índices de ações que enviam capital para oligopolistas, também ajudará o conceito a melhorar.

    Mas a ideia de operar em mercados complicados, heterogêneos e muitas vezes desprovidos de liquidez usando fundos negociados em Bolsa está ultrapassada. Esses fundos alocaram seu capital incorretamente e ajudaram a criar ainda outro ciclo de expansão e contração nos países emergentes, em um momento no qual muitos países têm problemas institucionais profundamente enraizados.

    Existem maneiras melhores de investir em mercados emergentes do que por meio de fundos negociados em Bolsa.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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