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    Análise: O futuro ainda pertence aos mercados emergentes

    GIDEON RACHMAN
    DO "FINANCIAL TIMES"

    04/02/2014 15h22

    Em 1996, um amigo meu chamado Jim Rohwer publicou um livro chamado "Asia Rising". Poucos meses mais tarde, a Ásia sofreu um colapso econômico. A crise financeira da Ásia fez com que o livro de meu amigo parecesse estúpido. Pensei em Jim Rohwer (que morreu prematuramente em 2001) na semana passada, ao ouvir outro Jim - Jim O'Neill, ex-analista do Goldman Sachs - defendendo sua visão otimista sobre os mercados emergentes, em uma entrevista no rádio.

    O'Neill cunhou o termo Bric para o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia e China, pouco antes que o boom dos mercados emergentes da década passada começasse a ganhar ímpeto. Sua presciência, e seu talento para criar uma boa sigla, lhe valeram status de guru. Agora, O'Neill está de volta, promovendo um grupo de países que ele designou Mint (México, Indonésia, Nigéria e Turquia) como o novo (e saboroso: "mint" quer dizer "menta") grupo de potências econômicas em ascensão. Mas este ano ele parece ter errado um pouco na mira. Os investidores estão em pânico quanto aos mercados emergentes, e a Turquia - a peça final no grupo MINT - ocupa posição de destaque na crise.

    Uma das morais dessas histórias é que, para os experts tanto quanto para o investimento, o momento oportuno é tudo. É possível estar certo na hora errada - foi o que aconteceu com Rohwer. Sua visão otimista sobre a Ásia foi mais do que confirmada, nos 17 anos posteriores à publicação de seu livro. Mas parecia completamente errada nos primeiros, e cruciais, meses posteriores ao lançamento, quando o FMI (Fundo Monetário Internacional) se viu forçado a montar operações de resgate à Coreia do Sul, Tailândia e Indonésia.

    A velocidade da recuperação na Ásia foi tão surpreendente quanto a velocidade do colapso. A Coreia do Sul de novo vem sendo encarada como economia modelo, e sua renda per capita quase triplicou desde o quase desastre de 1997. Tailândia e Indonésia também se recuperaram.

    Essas histórias merecem ser recordadas em meio ao pânico atual. O ano que está começando pode transformar os promotores dos mercados emergentes, como O'Neill, em falsos profetas. Mas ao longo dos próximos dez anos, suas profecias serão confirmadas – de novo.

    O motivo para isso é que os fatores que propeliram a ascensão das economias não ocidentais nos últimos 40 anos continuam a se aplicar. Eles incluem custos de mão de obra mais baixos, alta na produtividade, imensas melhoras nas comunicações e transporte que as conectam aos mercados mundiais, a ascensão da classe média, o boom do comércio mundial causado pela queda das tarifas, e a difusão das práticas mais eficientes em todos os ramos, das técnicas de gestão à política macroeconômica. Devemos adicionar a isso o esforço das pessoas de todo o mundo - de operários a empresários - que compreenderam não estar condenadas a toda uma vida de pobreza, e que existe uma vida melhor ao alcance de seus esforços.

    PROMISSORES

    Nos últimos 50 anos, essas poderosas forças permitiram que os mercados emergentes (ou países em desenvolvimento, ou potências ascendentes, se você preferir) crescessem muito mais rápido que os países desenvolvidos. Em "Emerging Markets", um livro recente, Ayhan Kose e Eswar Prasad demonstram que as economias de um grupo dos mais promissores mercados emergentes (incluindo China, Índia e Brasil) cresceram em cerca de 600% de 1960 para cá – ante 300% para as nações mais ricas, industrializadas. Mesmo ao longo dos últimos 20 anos, eles escrevem, "a participação dos mercados emergentes no PIB (Produto Interno Bruto) mundial, consumo privado, investimento e comércio internacional quase dobrou".

    O efeito foi uma transformação da economia mundial, Michael Spence, economista ganhador do Prêmio Nobel, escreve que, em 1950, apenas 15% da população mundial vivia em economias desenvolvidas. Nos 65 anos transcorridos desde então, os benefícios da industrialização, comércio internacional e rápido crescimento econômico se espalharam a amplas porções da Ásia, América Latina e agora para a África.

    A história está longe de encerrada. O professor Spence argumenta que estamos no meio de "uma jornada secular na economia mundial. O ponto de chegada provavelmente será um mundo no qual talvez 75% ou mais da população vivam em países avançados". O mais provável, aliás, é que o ritmo de avanço cresça, à medida que as implicações na revolução das comunicações se tornam mais claras e estabelecidas.

    A ascensão dos mercados emergentes será, no entanto, pontuada por crises com a que estamos vivendo hoje. Elas também vêm sendo parte dessa história, ao longo de todo o percurso. A crise financeira da Ásia em 1997 não foi um evento isolado. Houve a crise tequila do México em 1994, e a crise financeira indiana de 1991. Se você realizar uma busca com o termo "crise financeira América Latina" no Google, o serviço de pesquisas oferece uma escolha de complementos - 1980, 1990, 1998 e 2002. No entanto, a despeito disso tudo, a maioria das grandes economias latino-americanas - Brasil, México, Chile e outras - registraram avanços reais em termos de padrões de vida e redução da pobreza.

    Os mercados emergentes ocasionalmente foram abalados por crises políticas que causam pânico entre os investidores. A mais dramática de todas surgiu com os protestos, e subsequente massacre, na praça Tiananmen, em Pequim, em 1989. Quem, àquela altura, teria previsto que - a despeito de toda essa desordem política - a economia chinesa mais que dobraria de tamanho nos 10 anos seguintes, e voltaria a fazer o mesmo uma década depois?

    O moral da história é que a ascensão das economias não ocidentais é uma virada histórica de raízes profundas e capaz de sobreviver a grande número de choques econômicos e políticos. Seria um grande erro confundir uma crise temporária com uma mudança nessa poderosa tendência. O estouro da bolha da Internet em 2001 não quiser dizer que o potencial da Internet tivesse sido avaliado com generosidade excessiva, ainda que algumas pessoas tenham chegado apressadamente a essa conclusão, então. Da mesma forma, os tumultos atuais não mudarão o fato de que os mercados emergentes crescerão mais rápido que os países desenvolvidos por ainda muitas décadas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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