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    Argentina paga por se afastar do Mercosul, diz ex-ministro

    MARIANA CARNEIRO
    DE SÃO PAULO

    27/02/2014 03h00

    A Argentina errou ao se aproximar demais da Venezuela e ao relegar o Mercosul ao segundo plano. Esse é só um dos desacordos do ex-ministro da economia argentino Roberto Lavagna, 71, com a política econômica do país vizinho nos últimos anos.

    Ele conduziu a economia de 2002 a 2005, após a maior crise já enfrentada por um país latino-americano e que desembocou no calote que mantém, até hoje, o país alheio ao financiamento externo.

    Juan Mabromata - 30.jul.2012/AFP
    Roberto Lavagna, que foi ministro da economia da argentina no período de 2002 a 2005
    Roberto Lavagna, que foi ministro da economia da argentina no período de 2002 a 2005

    É considerado, porém, bem-sucedido, pois eliminou o risco de volta da hiperinflação e produziu um crescimento, já em 2003, de 8,9%.

    Nesta entrevista, ele afirma que o Brasil não será contaminado pela crise, mas "sofrerá pelos seus próprios erros".

    *

    Folha - O sr. já disse que a Argentina desviou-se do caminho após sair da crise de 2001. Quando e como ocorreu o desvio?
    Roberto Lavagna - Foram mudanças não apenas econômicas e sociais mas também institucionais e de posicionamento externo do país, que ficaram muito claras a partir de 2007, no último terço do governo de Néstor Kirchner [2003-2007] e nos dois mandatos de Cristina.

    Poderia dar exemplos?
    Foram mudanças em leis, como a que deu ao governo o poder de modificar o Orçamento sem a participação do Congresso. O governo também abandonou os estímulos aos investimentos e acelerou os gastos com subsídios não sociais [concedidos independentemente da renda do beneficiado] nas áreas energética e de transportes. A inflação se acelerou e isso teve um impacto social negativo.

    Na área externa, o país preferiu se aproximar da Venezuela e se afastar do Mercosul. Entrou em conflito com Uruguai e Paraguai, este em uma situação em que o Brasil também errou por falta de aproximação e discussão estratégica. [O Paraguai foi suspenso após a destituição do presidente Fernando Lugo].

    Especialistas dizem que a raiz da crise é o congelamento das tarifas públicas.
    Até 2005, esse era um problema futuro. Hoje, é um fato crítico. Os subsídios à energia e ao transporte -que não são sociais- representavam 0,5% do PIB quando saí do governo. Hoje, somam dez vezes mais [5% do PIB].

    O ponto mais crítico, porém, é a perda de um superavit fiscal, que havia chegado ao recorde de 4,5% do PIB [governo central e províncias]. Em apenas sete anos, ele se converteu em um deficit de 3% do PIB, financiado com a emissão de moeda sem respaldo do banco central.

    O Brasil vai sofrer com a crise?
    Não, acredito que o Brasil vá sofrer os impactos dos seus próprios erros. À medida que a taxa de juros dos Estados Unidos suba, coisa que está ocorrendo lentamente, mas com uma direção clara, vão ficar evidentes as dificuldades da política cambial do país, que, haja vista, já impactou negativamente os setores industrial e de serviços do Brasil.

    Quais são os erros do Brasil, na sua opinião?
    Países em desenvolvimento que têm um nível de câmbio fora do desejável, de acordo com a sua produtividade, cometem um grande erro, como ocorreu com a Argentina nos últimos três anos do regime de convertibilidade.

    O exemplo do Sudeste Asiático é claro. Há 30 anos eles fazem o manejo do câmbio de uma maneira oposta à frequentemente adotada na América Latina.

    Ainda hoje, a China adota uma política cambial que favorece sua produção interna.

    Esse tipo de câmbio [mais desvalorizado] não é suficiente para gerar crescimento, mas é uma condição necessária para que isso ocorra.

    O que o Brasil pode fazer para ajudar a Argentina?
    Nada, o Brasil tem seus próprios problemas de desaceleração do crescimento econômico e, como disse antes, sem mudanças de política, isso vai se agravar. Elevar a taxa básica de juros [Selic] não corrige nada.

    RAIO-X ROBERTO LAVAGNA

    FORMAÇÃO
    Graduado em economia pela Universidade de Buenos Aires (1966), pós-graduado em econometria pela Universidade de Bruxelas, doutor 'honoris causa' pela Universidade de Concepción (Uruguai). Foi pesquisador associado no Center for International Affairs, de Harvard (1995)

    ATUAÇÃO
    Foi secretário de Indústria e Comércio Exterior, entre 1985 e 1987. De 2000 a 2002, foi embaixador na União Europeia e na Organização Mundial do Comércio. Foi ministro da Economia de 2002 a 2005. Em 2007, concorreu à Presidência, mas ficou em terceiro no pleito que elegeu Cristina Kirchner

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