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    Ensinar o cliente a comprar foi fundamental para sair da crise, diz presidente da Gafisa

    CAROLINA MATOS
    DE SÃO PAULO
    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    EDITORA DE "MERCADO"

    22/03/2014 03h00

    Esclarecer o potencial comprador de um imóvel do segmento de baixa renda sobre seu efetivo poder de compra ganhou destaque na estratégia da construtora Tenda, empresa do grupo Gafisa cujo público alvo são famílias com renda mensal de três a seis salários mínimos.

    Comprada em 2008, a Tenda atrasou a entrega de empreendimentos, deu prejuízo, prejudicou o resultado financeiro do grupo. À frente da companhia, o presidente Duilio Calciolari foi radical: paralisou todos os lançamentos. "Precisávamos entender como operar neste mercado. Como produzir no custo, qualidade e tempo corretos."

    A resposta, do lado da produção, foi a padronização dos produtos em um só modelo e a adoção de um método de fabricação que o que reduziu o tempo de entrega pela metade.

    Do lado da venda, pela inclusão do cliente ao financiamento imobiliários no menor tempo possível. E para isso a construtora tomou para si a tarefa de orientá-lo, na prática, a obter o crédito necessário.

    "Tivermos que aprender o negócio na marra", diz Calciolari, que permanece no cargo até abril, quando os resultados de Tenda e Gafisa passarão a ser apresentados por presidentes próprios.

    É o primeiro passo para reforçar no mercado de capitais a noção de que são negócios diferentes, com qualidades específicas. No caso da Gafisa, voltada a imóveis de alto padrão, as margens são maiores. No caso da Tenda, é o giro mais rápido que traz retorno ao acionista.

    Depois de dois anos paralisados, os lançamentos pela Tenda devem chegar a 5.000 unidades neste ano e, até 2016, dobrar de volume, para atingir a escala considerada ideal pelo grupo.

    *

    Folha - Por que a Tenda implantou auxílio ao planejamento financeiro do cliente?

    Duilio Calciolari - Ajudamos esse cliente a comprar porque ele não sabe a renda que tem, o quanto pode gastar, o que sobra em cada mês.
    Até a retomada do crédito imobiliário em 2005/2006, esse consumidor estava fora do mercado, não era atendido. Agora, o mercado é outro.
    Aprendemos a lógica do negócio da Tenda na marra, o que demorou anos.
    Aprendemos que o processo correto é levar o consumidor do segmento de baixa renda ao agente financiador [o banco] imediatamente após a compra do imóvel na planta.
    O consumidor nos apresenta toda a documentação, levamos ao financiador -Caixa ou Banco do Brasil-, o banco aprova o cliente e assume o risco. E, à medida que vamos construindo, o banco libera recursos para a obra.

    Mas vocês fazem avaliação do risco do cliente?

    Sim, da mesma forma que os bancos fazem. A taxa de rejeição da Caixa, por exemplo, em relação aos processos que apresentamos é baixíssima.

    No passado, o procedimento da Tenda era parecido com o aplicado para média e alta renda: a empresa começava financiando o cliente e demorava para transferi-lo ao banco.

    Mas, muitas vezes, quando chamávamos o comprador com o imóvel prestes a ficar pronto, ele não conseguia mais ter o crédito aprovado.

    Isso foi agravado pelo aumento de preços dos imóveis?

    Pela correção dos preços pela inflação, claro.

    Mas o comprador se desenquadrava dos critérios de financiamento para baixa renda também por razões positivas.

    Por exemplo: ele era promovido, ou se casava e a renda familiar aumentava, passava do limite permitido e ele deixava de ter direito ao subsídio.

    Quais são as principais exigências do comprador de baixa renda ao escolher um imóvel?

    A localização não é uma exigência primária, diferentemente do que ocorre no segmento de alta renda.

    O item principal é o valor da parcela.

    O que causou os muitos problemas da Tenda com atrasos na entrega de imóveis?

    Houve uma mudança muito grande de escala -era uma empresa pequena que cresceu do dia para a noite, com a entrada dos subsídios dos governo.

    Havia projetos diferentes Brasil afora, processo de produção não padronizado, controle muito falho, o que provocou volumes de desvios de custos absurdos.

    Para resolver a questão, foi preciso parar tudo. Travamos a operação da Tenda em meados de 2011. Os problemas foram resolvidos e agora estamos seguros de que é possível voltar, mas com passos do tamanho das pernas.

    Nossa intenção foi arrumar a casa. Foi um período difícil, mas atravessamos bem.

    Para sair da crise, os cortes foram grandes?

    Nossa solução não passou por reduzir a folha de pagamentos. Houve uma peneira natural no início, que selecionou melhor as pessoas. Mas tomamos muito cuidado para não cortar por cortar, um risco grande quando se está em crise: tomar decisões que não fazem sentido no médio prazo. Não interrompemos nossos programas de treinamento e de recrutamento no exterior, nosso marketing institucional, investimentos em tecnologia. O trabalho para reconstruir é enorme, a perda em gente e em processos é terrível.

    A Tenda adotou um modelo de produção padronizado. Como ele funciona?

    Utilizamos formas de alumínio para produzir, o que proporciona mais rapidez na obra. O tempo de produção é a metade do empregado no modelo de alvenaria convencional - cai de cerca de 18 meses para 9 meses.

    Essa é a grande vantagem. O custo é praticamente igual, mas a redução do prazo tem um impacto enorme: aumenta a velocidade de entrega e aquela com que a empresa passa para outro projeto, por exemplo.

    A Tenda agora está em uma fase de antecipar a entrega. Chamamos para entregar imóveis, em novembro do ano passado, clientes que seriam acionados em março/abril deste ano.

    Foi a primeira entrega da Tenda depois da pausa?

    Sim. Estamos entregando obras da nova safra mais rápido do que as da safra antiga que ainda restaram. Essas, vamos entregar todas entre o fim deste ano e o início de 2015.

    E a empresa já está lançando nas quatro regiões em que atua, São Paulo, Rio, Minas e Nordeste?

    Das quatro, falta Minas, que começa neste semestre. E aí teremos todas as regionais lançando novos produtos. Decidimos voltar a lançar depois de não haver mais nenhum problema vinculado ao passado.

    Existem diferenças significativas entre esses quatro mercados?

    Em relação ao produto, apenas ajustes pequenos em razão de legislação de cada prefeitura, como tamanho de unidade que é preciso aumentar um metro, por exemplo, ou altura de pé direito.

    A forma que usamos permite fazer esses ajustes.

    Mas o produto é o mesmo: prédios de um térreo mais quatro andares, com unidades de de cerca de 40 metros quadrados, somando 20 unidades por bloco. Ou um térreo mais três andares, conforme a legislação, o que dá 16 unidades por bloco. E são cerca de 20 ou 30 blocos em um terreno.

    E em relação ao perfil do consumidor?

    Também não. Em todos esses mercados, o consumidor usa o mesmo agente financiador (Caixa e Banco do Brasil) e compra do mesmo jeito.

    Nossas lojas fazem a mesma abordagem aos clientes, em locais com tráfego intenso de pessoas e oferecendo várias opções de imóveis na cidade, com um modelo de produto dentro da própria loja.

    Também temos o "Tendamóvel" que usamos para levar os clientes para visitar os terrenos.

    Essa estratégia de marketing da loja Tenda com vários empreendimentos à venda é exclusiva ou é usada para alta renda também?

    É exclusivo da Tenda. Testamos fazer o mesmo para outros segmentos, por exemplo, na Barra da Tijuca, no Rio. Mas essa estratégia funciona muito melhor no segmento da Tenda.

    Como compara os mercados de São Paulo e Rio?

    Para alto padrão, São Paulo é incomparável. Muito mais pujante. No Rio, o problema é agora só sobrou a Barra da Tijuca. O Rio é um terço de São Paulo, mas é o segundo mercado do Brasil e tem preço. Queremos retomar a liderança. Queremos ser no mínimo segundo ou terceiro em participação de mercado.

    Já para a Tenda, é muito interessante. Os investimentos de infra-estrutura da Copa vão favorecer muito o segmento da Tenda.

    Qual deve ser o impacto da Copa?

    Queremos ser uma empresa de R$ 200 milhões neste ano, com a Tenda.

    Espera uma retomada na competição?

    Leva um tempo. Não é fácil. Começar e já entrar em escala não é simples.

    Quais são as perspectivas de vocês para o segmento de baixa renda, considerando o aumento da taxa de juros, que se reflete no custo do empréstimo imobiliário?

    Nós somos otimistas, com a expectativa de que os fundamentos estarão aí. A demografia do país é essa e ninguém vai mudar. O financiamento está aí. O governo tem apoiado isso. O que é necessário para nós? Produzir para o cliente de baixa renda a um preço em que a gente ganhe dinheiro. Há empresas ganhando dinheiro nesse mercado, portanto é possível.

    E a expectativa de vocês é manutenção do apoio do governo a programas habitacionais independentemente de alguma mudança que possa ocorrer na eleição deste ano?

    Com certeza. O efeito econômico que tem esse segmento é muito grande. Gera muito emprego e é multiplicador. Cada apartamento comprado necessita de quatro portas, uma geladeira e por aí vai.

    O que é fundamental nesse segmento de imóveis para baixa renda é o emprego, certo?

    Sem dúvida. Nesse segmento, se há emprego, não tem problema, pois é o que garante o pagamento das prestações. E nós estamos nessa situação já faz algum tempo. A gente acha a toda hora que o emprego vai cair, mas não cai.

    Há bastante participação nesse nicho também do trabalhador que não tem carteira assinada, mas que, como autônomo, tem uma renda regular, como taxistas.

    Qual a tendência para o mercado de habitação?

    Apartamentos menores, cada vez mais perto de onde o consumidor quer ficar. Tanto que o preço do metro quadrado nas regiões mais interessantes está alto e não vai mais cair.

    Vai subir mais?

    Não neste ano, nem no outro. Mas vai se manter nessa faixa. Em Pinheiros vai ser R$ 15 mil o metro quadrado. Há seis, sete anos, era R$ 3.000. Isso não muda mais. Não tem jeito.

    Investidor é quanto por cento do seu negócio?

    20%. Mas nós fazemos imóveis para as pessoas morarem. E, com o preço alto, o número de investidores cai.

    A vacância alta de salas comerciais indica bolha?

    Em salas comerciais e prédios corporativos, há de fato excesso de oferta em algumas regiões e os aluguéis estão caindo. Mas esse mercado é assim mesmo, é muito cíclico. Os empreendedores não estão lançando. Neste ano, a Gafisa não vai fazer nenhum produto comercial. Daqui a dois ou três anos volta tudo de novo.

    O que vocês pretendem comunicar ao investidor com a separação da Tenda e da Gafisa?

    Queremos dar clareza efetiva para o investidor do que é cada negócio. A Gafisa ele conhece bem, mas a Tenda ainda é um "bicho" diferente, há pouco referência. Há empresas no mesmo segmento, mas muito diferentes. Nosso modelo é diferente, a forma como operamos. Ao mesmo tempo, é uma empresa de certo porte, de quase R$ 2,5 bilhões de operação juntando Gafisa e Tenda. Mas separadas serão ainda mais interessantes.

    Qual o cronograma de reestruturação?

    Até maio terminamos a parte administrativa, a visão do que precisa ser feito. Até o final do ano, terminamos a fiscal, credores e societária. Em maio já vão estar à frente os novos presidentes das duas empresas. Eles é que vão anunciar os resultados deste trimestre, porque já queremos começar a separar a comunicação. E vamos ver qual será a leitura do mercado, será interessante ver, a partir de 2015, a leitura do resultado de cada negócio.

    Com a Tenda revertendo a crise e mostrando resultado, ainda assim vale a pena separar as empresas?

    Não é por causa da crise da Tenda. Esse problema já está resolvido. Achamos que, com a saída de Alphaville, perdemos portfolio, nossa gestão de risco mudou. E ficaram só dois negócios, com uma visão de que há uma certa contaminação, uma dúvida sobre o que é a Tenda, se ela vai para frente ou não. Pode até custar um pouco mais caro, mas deixa o acionista resolver o que vai fazer. Ele recebe uma ação de cada empresa e decide.

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