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    Burocracia leva Santander a escapar de dívida de R$ 580 mi

    RENATA AGOSTINI
    DE BRASÍLIA

    25/03/2014 02h00

    Graças à lentidão e às inúmeras brechas da burocracia estatal, o Santander conseguiu escapar em janeiro deste ano de pagar uma dívida que já somava R$ 580 milhões com o governo.

    O valor, que iria para os cofres públicos, refere-se a conta cobrada desde 2001 pelo Banco Central por irregularidades cometidas pelo banco Bozano, Simonsen, adquirido pelo Santander.

    O caso foi enterrado após a dívida ser considerada prescrita pelo BC. A decisão foi oficializada ontem.

    O Santander recorreu da decisão ainda em 2003. Mais de uma década depois, no entanto, o processo tramitara por diversas instâncias sem nem sequer ser julgado.

    O caso é envolto por controvérsias jurídicas e acusações entre o BC e o Ministério da Fazenda, que empurram um para o outro a responsabilidade pela forma como o processo acabou. Os dois órgãos nunca questionaram, contudo, que as irregularidades existiram, segundo documentos aos quais a Folha teve acesso.

    O BC verificou que Bozano deixou de recolher parte do dinheiro que todos os bancos devem depositar compulsoriamente no BC.

    De 1997 a 1999, não recolheu valores que variaram semanalmente de R$ 2,8 milhões a R$ 333 milhões. Por isso, além de recompor o chamado compulsório, deveria compensar o governo, pagando R$ 73 milhões em 2001.

    O Santander, que passara a responder pelo Bozano em 2000, não concordou com a decisão. O caso foi remetido ao CMN (Conselho Monetário Nacional), que reúne ministros da Fazenda e do Planejamento e o presidente do BC.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Lá, aguardou julgamento durante seis anos. Em outubro de 2009, quando a dívida do Santander já chegava a quase R$ 400 milhões (há incidência de juros sobre o valor cobrado), a apreciação do caso foi adiada a pedido do Ministério da Fazenda.

    Não voltou à pauta até ser enviado quase um ano depois ao Conselhinho (Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional), diante de um decreto que dava ao órgão poder para julgar o caso. Tal prerrogativa, no entanto, também nunca foi usada.

    Isso porque, em 2012, o BC avaliou que o caso estava prescrito. A análise da Procuradoria-Geral do BC foi feita após o Bozano pedir para renegociar seu débito pelo Refis, programa de parcelamento de dívidas do governo.

    A decisão foi contestada pelos procuradores do Ministério da Fazenda, que discordam da prescrição. Mas criou um problema para o Conselhinho. Ele passou a ter de julgar o recurso de uma dívida que a própria instituição credora dizia não valer mais.

    O Santander aproveitou a brecha e pediu a desistência do recurso, o mesmo que evitou durante quase dez anos qualquer pagamento.

    O governo só não ficou sem recolher nada, porque, mesmo com a prescrição da dívida, o Bozano pagou R$ 20,7 milhões -que entendia devido. O BC diz não saber por que o banco desembolsou o dinheiro, mas que não poderia deixar de recebê-lo.

    OUTRO LADO

    O procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Ferreira, afirma que o BC "tão somente reconheceu a prescrição já consumada havia dois anos" no caso Bozano.
    Segundo ele, a prescrição da dívida já havia ocorrido "inequivocamente" no Ministério da Fazenda "de acordo com a jurisprudência do STJ, recentemente confirmada pelo CRSFN [Conselhinho]".

    Ele afirma que o BC "impôs a reparação, manteve a decisão e submeteu o recurso ao CMN, que não julgou o caso à época por pedido de adiamento do órgão jurídico do Ministério da Fazenda, três meses antes da prescrição".

    Diz ainda que a prescrição é "matéria de ordem pública que deve ser declarada pelo Estado, mesmo sem requerimento do interessado".

    Já a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que "desde o início do ano de 2009" já se discutia se o CMN teria competência para julgar recursos contra decisões do BC, o que gerou "grave insegurança jurídica". Por isso, recomendou o adiamento do voto.

    Segundo o órgão, a recomendação foi acolhida pela Comissão Técnica da Moeda e do Crédito, que determina o que será apreciado no CMN.

    O Santander não quis comentar. O Grupo Bozano não respondeu aos pedidos de esclarecimentos da reportagem.

    Folhainvest

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