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    Petrobras afastou pequeno investidor, diz presidente da BM&FBovespa

    CAROLINA MATOS
    DE SÃO PAULO
    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    EDITORA DE "MERCADO"

    31/03/2014 03h00 Erramos: o texto foi alterado

    Amargando uma queda de 3,38% neste ano e 11,18% em 12 meses do seu principal índice acionário -o Ibovespa-, a Bolsa brasileira enfrenta dificuldades para atrair o pequeno investidor.

    A meta, divulgada em 2009, era terminar 2014 com 5 milhões de pessoas físicas. Até agora, porém, o número não passa de 600 mil.

    As várias perdas de valor das ações da Petrobras são apontadas como um dos motivos por Edemir Pinto, diretor-presidente da BM&FBovespa, em entrevista à Folha.

    Uma das ações preferidas pelos pequenos investidores, principalmente após a lei que permitiu o uso do FGTS para investir na estatal, os papeis da Petrobras tem assustado esses aplicadores e enfraquecido o elo que eles começavam a criar com a Bolsa.

    Outro motivo, diz, é a economia brasileira. Mas, na avaliação do executivo, o país e o mercado de capitais vão "decolar" no longo prazo, independentemente de quem vença as eleições deste ano.

    Apostando a retomada, a Bolsa tem investido -cerca de US$ 1,5 bilhão desde 2009- em tecnologia para aumentar o processamento e reduzir custos.

    Pinto espera iniciar em junho a integração dos quatro sistemas que garantem o cumprimento dos compromissos de compra e venda assumidos pelos investidores, as chamadas "clearings".

    A economia prevista é de R$ 500 milhões ao dia em custos de transações -cerca de 10% do total. Um novo sistema de avaliação de risco que passará a rodar também em junho reduzirá o custo dos investidores com garantias.

    Pinto falou ainda sobre o corte recente da nota do Brasil pela agência internacional de classificação de risco Standard & Poor´s, mas não quis comentar o rebaixamento de 13 empresas do setor financeiro. A Bolsa não foi rebaixada, mas sua avaliação é mantida em perspectiva negativa.

    *

    Havia em 2009 uma meta de trazer para a Bolsa, até o final deste ano, 5 milhões de pessoas físicas. Mas o número tem ficado estático em 600 mil. O que aconteceu?

    Em 2009, quando traçamos a expectativa de 5 milhões, lançamos mão de vários indicadores para poder ter uma base de previsão. Não só indicadores de potencial do país, das empresas, crescimento do país, uma lista de questões positivas que, infelizmente, não se traduziram em realidade. Nenhuma delas. Isso atrapalhou muito.

    Principalmente crescimento da economia. O aumento da renda per capita era fundamental para que os aplicadores pudessem reservar parte dessa poupança para investimentos em ações.

    Era um momento otimista.

    Sim, saímos da crise de 2008 com um Brasil que ia bem. Saímos rapidamente da crise, o Brasil era o queridinho do mundo, e apresentava indicadores espetaculares. O período do governo Lula foi fabuloso para mercado de capitais. Nada nos indicava que não podíamos fazer aquela projeção. Naquele momento, o Brasil tinha 0,3% de participação de pessoa física diretamente em Bolsa, e e países vizinhos tinham 5%, 6%, 7% de participação. Achávamos que íamos conseguir com facilidade (risos).

    E agora, quando devem chegar aos 5 milhões?

    Em 2018. Mas passamos a ter que olhar ano a ano, e provavelmente no final deste ano devemos rever essa data.

    A economia cresceu pouco, mas a renda média continuou crescendo.

    Mas a renda per capita não tanto, e apostávamos muito no crescimento, para a Bolsa, da classe A e B. A renda cresceu mais para as classes mais baixas.

    Em cinco anos, saímos de 10 milhões para 30 milhões de brasileiros na classe A e B. Nosso foco era priorizar essa classe, que já tinha uma renda e, parte dela, uma visão de investimento em mercado de capitais a médio e longo prazo.

    Fora o crescimento que não veio no país, tivemos algumas ocorrências no mercado de capitais que atrapalharam a entrada da classe A e B.

    Quais?

    Qualquer investidor brasileiro, dos 600 mil que estão na Bolsa, 60%, 70% têm a Petrobras na carteira. É um papel que serve de uma alavanca para outros papéis.

    Ela iniciou essa atração pelo fundo de garantia. Muitos trabalhadores usaram o fundo de garantia, por incentivo do próprio governo, o que foi ótimo para a Bolsa, pois trouxe para cá pessoas físicas.

    O que aconteceu com a Petro desde 2010 até hoje é desanimador. Um quadro realmente que... Infelizmente, para o pequeno investidor, aquele que tem R$ 100 mil, R$ 200 mil, R$ 300 mil, R$ 400 mil investidos e vê esse patrimônio cair 50%, 60%, ele fica não só completamente desanimado como frustrado com o mercado de ações.

    Quer dizer que o sr. está achando que até 2018 a Petrobras sai do buraco?

    Não só a Petrobras, mas as outras coisas se destravam todas. Porque o pais chegou num fundo de poço em relação a confiança e credibilidade, que não tem mais espacial.

    Na crise de 2008, sempre falávamos no fundo do poço dos outros, mas não se sabia onde ele estava, sempre se cavava um pouquinho mais. Acha que chegamos, mesmo, ao fundo?

    Sim. Veja o que aconteceu com a nota de risco. Havia a expectativa de que, com um rebaixamento, haveria um baque monumental. Mas o mercado se antecipa muito. A questão já era conhecida do mercado, ele não identificava atitudes por parte do governo que pudessem mudar a análise da S&P. Já tinha precificado o rebaixamento da nota.

    Então, o fundo do poço realmente já veio, porque essa precificação do rebaixamento da nota era o pior que poderia acontecer, principalmente para o mercado de capitais.

    Porque a Bolsa hoje depende muito do investidor não residente. No passado, era 18%, 20% do volume da Bolsa. Hoje é 56%. O grande investidor opera no mundo todo, mas tem que seguir regras, e uma delas é o grau de investimento dos países.

    No fundo do poço já chegamos, agora é a retomada.

    Não é só a questão fiscal, o governo tem que olhar a inflação. Há uma expectativa grande do mercado e do governo de olhar essas duas questões.

    O sr. prevê o que para a inflação?

    O Banco Central tem dado uma mensagem muito clara, de um controle com muita austeridade em relação à inflação, porque vem identificando que ela está resistindo, está teimosa.

    Alguns analistas haviam previsto o final da subida de juros, mas já estão revendo depois das duas últimas atas do Banco Central.

    E fazendo uma leitura do relatório da S&P, vê-se que, para a agência, o Banco Central tem a inflação sob controle.

    Há uma avaliação de que o que mais pesou é a dicotomia de ações do governo, uma política fiscal frouxa e uma preocupação com a inflação. Isso causa uma falta de entendimento dos investidores de fora. Concorda?

    Pesa e é aí que que se espera do governo atitudes e ações mais claras, principalmente em relação ao fiscal.

    Uma parte dessas atitudes do governo para controlar a inflação, por outro lado, é segurar preços administrados, tarifas de luz, preço de combustível, que acabou até derrubando as notas de estatais. Vê nos investidores estrangeiros uma preocupação com essa intervenção?

    Nenhuma intervenção é bem vista. Agora, intervenção em companhia listada, das quais o governo não é o único dono, fica mais complicado ainda, fica incompreensível até.

    Voltando ao investidor pessoa física, a Petrobras acabou sendo também um elo muito ruim para a atração da pessoa física.

    Outro elo ruim dentro deste conjunto de coisas é que a pessoa física que está na Bolsa, principalmente os da classe A e B, olha não tanto a valorização da ação em si, mas os dividendos [parte do lucro das empresas distribuídas aos acionistas]gerados mensalmente. O setor elétrico era a coqueluche do mercado. Havia muitos investidores pessoas físicas nas elétricas. E o que aconteceu? Houve uma mudança radical nesse segmento.

    Outra coisa que dificultou a vinda das pessoas físicas foi o baixo nível de IPOs [lançamentos de ações, na sigla em inglês]. Experimentamos um último boom em 2007, em 2008 começou a cair, em 2009 ameaçou uma retomada, mas ela não veio de forma eficiente e completa, e nos outros anos seguintes algumas operações. Houve três grandes nesse período, a megacapitalização da Petrobras em outubro de 2010, a do Santander e a da BB Seguridade, no ano passado. Mas a ausência de IPOs dificulta a atração do investidor pessoa física.

    Nesse cenário, imaginar uma retomada de IPOs fica difícil, não?

    2014 está difícil, não só pelo contexto de que falamos, mas principalmente por ser ano de eleição e de Copa do Mundo, não pela Copa em si, mas pelos feriados ao longo do torneio. Dificulta muito a retomada dos IPOs. Se repetirmos 2013 eu faço festa. Estouro champanhe. Mas acho que não vai acontecer.

    Além desses fatores de conjuntura, pela sua percepção as empresas estão mais retraídas? Até que ponto, nesse cenário, elas vislumbrariam uma possibilidade, mesmo sem Copa, feriados, de se aproveitar do mercado de capitais?

    É, esse clima de [falta de] confiança que se instalou não foi só com o investidor estrangeiro, mas também com o empresariado brasileiro. Não é por outra razão que o governo tem realizado reuniões para se aproximar do empresariado, para mudar essa expectativa.

    Porque o Brasil tem um potencial extraordinário, espetacular, em todos os segmentos. É um rastro de pólvora. Mudando a expectativas, reage imediatamente.

    Veja a questão do rebaixamento da nota. A expectativa já havia feito o mercado precificar.

    O mercado se antecipa.

    Na virada de mercado positiva também ele vai querer se antecipar, para comprar na bacia das almas.

    Essa mudança de expectativa é fundamental.

    Vejo que o empresariado colocou o pé no freio. O governo está se aproximando para que a confiança se restabeleça o mais rápido possível e venha a retomada.

    O governo demonstra que está nesse caminho, talvez mais lento do que alguns gostariam, mas no caminho. Um exemplo são os leilões de concessão. O governo mudou de postura quando percebeu que não havia muitos interessados. Teve que remodelar os editais e houve boa saída. O governo está consciente de que precisa trazer o capital privado para financiar a infraestrutura do país.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
    O presidente da BMF&Bovespa em prédio da Empresa, em São Paulo
    O presidente da BMF&Bovespa em prédio da Empresa, em São Paulo

    E falando de eleição, especificamente no caso da Bolsa, está se anunciando um período de altíssima volatilidade.

    O mercado brasileiro ao longo dos anos tem mais volatilidade que outros mercados, porque tem potencial de liquidez [resgate dos recursos investidos] extraordinário. Isso acaba dando uma certa volatilidade. Mas, de fato, é ano de eleição e fica mais sujeito a essa condição eleitoral.

    Mas não muda o cenário que o sr. traçou, de possibilidade de que daqui é para cima e virá a recuperação.

    O país está numa situação em que não tem mais volta, como um Boeing na pista em alta velocidade. A pista pode ficar um pouco mais longa ou mais curta, mas ele vai decolar. É um país que está na pista. Não tem jeito de parar, de segurar esse Boeing.

    Mas, na sua avaliação, independentemente de quem for o piloto, ele decola?

    Sim. Veja, o piloto logicamente tem que contar com copiloto e toda uma tripulação que possa dar esse equilíbrio e arremeter o mais rápido possível. Mesmo a reeleição da Dilma, ou um outro governo, o país está pronto para esse crescimento.

    Temos um otimismo muito grande porque os indicadores estão melhorando. Se olhar os dados de forma mais isolada e compará-los com outros países, os fundamentos não se comparam com os de 15, 20 anos atrás.

    É que estamos num nível de expectativa tão à frente, que temos falta de paciência para algumas coisas, todos querem uma retomada, uma transição, uma mudança que todos estão esperando e querem que venha o mais rápido possível.

    E a nossa geração, acima de 60 anos, quer que isso aconteça mais rápido, porque queremos viver tudo o que esse país tem de bom [risos]. Fica essa ansiedade.

    Para essa retomada de confiança do empresário propriamente dito, para os IPOs, para esse estopim desse rastilho de pólvora, contaria um ponto mais importante que outro? Que pudesse desencadear esse processo?

    Não há uma bala de prata, mas há um ponto importante: a previsibilidade dada pelo governo, em questões fiscais principalmente, a médio e a longo prazo. As questões de infraestrutura e investimento já estão sendo tratadas, mas falta essa previsibilidade. É por isso que todos os empresários e investidores estrangeiros clamam muito.

    Porque quando se faz um investimento, não se toma a decisão hoje e começa a fazer amanhã. Toma a decisão hoje para o ano que vem. O desencaixe começa a acontecer no ano que vem, independentemente do que venha a ocorrer, porque a decisão foi tomada. As grandes corporações operam assim. O plano de investimento para o ano seguinte começa a ser trabalhado em agosto do ano anterior. Essa previsibilidade é fundamental para que haja essa retomada de expectativa e que tudo se transforme nesse país.

    Estamos falando mais de segurança jurídica ou política econômica?

    Incorpora tudo, mas é mais o olhar do governo em relação a questões fiscais e de inflação. Mais previsão sobre o comportamento da economia.

    É menos uma preocupação com uma intervenção num setor, então, como no setor elétrico, e mais com o andar da economia em geral?

    Sim, é isso, mas acho importante dizer que não acho que o governo quebrou a regra do jogo no setor elétrico. Havia previsão nos contratos. Do que o mercado não gostou foi da forma como o governo fez. Mas não vejo o governo quebrando regra do jogo. O mercado reclamou muito foi da forma como foi feito. Essa questão da forma como são feitas as coisas afetam a previsibilidade.

    A postura mais previsível foi algo que o país ganhou no passado recente. Talvez tenha perdido um pouco isso?

    Não tenho dúvida.

    Se voltarmos a 2002, na eleição do Lula, era um caos no mercado, de expectativa para a frente. As volatilidades eram jamais vistas, espetaculares. Os riscos que tínhamos envolvidos, garantias sendo requeridas, por causa da instabilidade instaurada. Depois que o Lula assumiu, ele deu uma previsibilidade. Tinha uma tripulação adequada e o Brasil cresceu espetacularmente num período importante para o desenvolvimento das empresas, da Bolsa, do mercado. É algo que se espera, porque o potencial está aí.

    E em relação aos investidores das classes A e B, quando se fala em popularização, é desta fatia que falamos?

    Popularização da Bolsa, para nós, é desconcentrar o mercado, tirá-lo da mão dos grandes, de apenas os institucionais, e permitir ao pequeno investidor participar. E quem é o pequeno investidor, o minoritário? É o investidor pessoa física, da classe a, b, c, d.

    Mas esse investidor classe AB já tem uma cultura de poupança, de investimento, e, com a queda da taxa de juros há dois anos, esperava-se que eles fossem sair da renda fixa e migrar para aplicações de maior risco.
    Você tem razão teoricamente, porque mesmo com juros baixos –houve períodos de juros reais abaixo de 3%– e a pessoa física não veio para o mercado de capitais. Estava aumentando a poupança.

    E por quê? É uma aversão ao risco? Falta uma visão de longo prazo?

    É um problema de cultura. Essa mesma resistência aconteceu no mercado americano e no mercado europeu. Essa mudança para um ativo que não tem garantia como a caderneta de poupança, que tem risco, é difícil para o brasileiro, que é altamente conservador, extremamente conservador. Quando os juros estavam baixos, percebíamos uma condição ideal para a virada de chave, mas ela não veio. Fomos pesquisar e vimos que, de fato, ela leva três, quatro, cinco anos. Mas de juros sempre baixos. Se os juros sobem de novo, volta a imprevisibilidade.

    E houve uma mudança de estratégia para, mesmo com todo esse cenário, tentar atrair esse investidor?

    Não mudamos em nada para atrair a pessoa física. Queremos trazer uma pessoa física consciente. Não para fazer giro ou "day trade" [compra e venda de ações num único dia] no mercado, porque se ele vem fazer isso, ele perde e não volta mais. E dependemos dele para que seja um catalisador de outras pessoas físicas.

    Queremos um investidor consciente. Em todos nossos cursos, sempre deixamos muito claro que é um mercado de risco, não pode colocar tudo lá, tem que ser só uma parte, e aquela de que não se vai precisar no curto prazo.

    E o mercado de capitais no Brasil se consolidou de 2002 pra cá, não havia regras de governança corporativa. Era outro mercado de capitais. Na década de 1990, negociávamos por dia US$ 40 milhões, a média do ano passado é US$ 4 bilhões por dia. Essa cultura ainda no Brasil, até para investidor de classe A e B, está se consolidando.

    Esse papel de formação, de indução, é permanente. O foco tem que ser no longo prazo.

    E não desarmamos nenhum projeto. O que a gente tem de entrega neste ano é uma coisa extraordinária

    Quais são?

    São projetos que vão transformar o mercado de capitais do país. Em 2002, houve a transformação do mercado financeiro no SPB. Ele acabou com o cheque. Liquidação hoje é em reserva bancária. Isso traz um upgrade para o país e, principalmente, para o sistema bancário.

    Hoje pra saber se alguém vai quebrar no mercado de derivativos é preciso olhar das 13h25 as 13h50, quando a Bolsa debita todos os membros da clearing (sistemas que garantem o cumprimento dos compromissos de compra e venda assumidos pelos investidores) em reserva bancária, e todos os devedores da clearing creditam a conta em reserva bancária. Em frações de segundo, o mercado fica liquidado. No passado levava-se até quatro dias, e havia o risco de crédito do cheque.

    Agora vamos entregar a continuidade dessa transformação, dentro do projeto de investimento que veio de 2009 até este ano.

    São investimentos de US$ 1,5 bilhão, pelo dólar médio do período.

    Quando fizemos a fusão, em 2008, tínhamos que decidir se adotaríamos modelos de uma empresa, da outra ou se faríamos um novo. Em 90% dos casos, fizemos um novo.

    Um já foi entregue, que é a plataforma de trade única. Havia cinco plataformas diferentes, uma para o mercado de ações, outra para derivativos, uma terceira para mercado de câmbio... Agora podemos negociar todos os produtos numa única tela.

    Isso permite avaliar riscos de todas essas operações e operadores de forma unificada?

    Isso é o segundo passo. A plataforma Puma permite ao operador ver e negociar todos os produtos numa única tela. É um ganho enorme de eficiência para a Bolsa. Funciona há dois anos e três meses. E me pergunta que dia que ele falhou...

    Que dia que ele falhou?

    Nunca [risos; bate três vezes na mesa].

    É o diferencial da Bolsa, estar disponível o tempo todo, no período todo. A Nyse, a Nasdaq, a Bolsa de Londres ficam fora do ar. O sistema Puma, nunca [bate de novo três vezes na madeira].

    E aumentou o volume de negócios?

    Sim, saímos de uma média diária de 400 mil negócios para 950 mil negócios, em cinco anos. E nossa capacidade de processamento de negócios, que era de 3 milhões, para 10 milhões. É uma Bolsa preparada no trade eletrônico para os próximos dez anos. O período de colheita de que estamos na expectativa, para os próximos anos.

    Agora entra a parte do pós-trade.

    Quando será entregue?

    A partir de junho. Há dois grandes projetos. Um é a integração das quatro clearings, a de ações, a de câmbio, a de derivativos e de ativos, todas independentes, como se fossem companhias independentes, com capital depositado no Banco Central, cadastro, sistema de liquidação, de alocação, de salvaguardas e de risco independentes. E nenhum desses sistemas conversa com os outros.

    E são quatro de liquidação ao longo do dia, em horários diferentes.

    Fizemos então uma quinta clearing, integrada. Todo o cockpit é para sistemas integrados das outras quatro clearings. Já foi validado pelo mercado e está para aprovação no Banco Central, desde meados do ano passado. A proposta é inaugurar em 5 de junho.

    E vai substituir as outras quatro?

    Não, não haverá um big bang. Vamos fazer uma a uma, começando com derivativos, e rodando em paralelo, as duas funcionando ao mesmo tempo por pelo menos dois meses. Porque as clearings são sistemicamente importantes, para o mercado e para o Banco Central. No final do ano começa a de ações, depois câmbio, depois ativos.

    Por que começa com derivativos? Pelo volume?

    Não, por uma decisão puramente técnica. O cockpit novo é muito integrado ao Puma e isso facilita tecnicamente.

    Em que prazo vocês desligam as outras e começam a operar só com a clearing única?

    Até meados do ano que vem.

    Esperam que ganhos?

    Há ganhos para a Bolsa, para o mercado e para a sociedade. O primeiro é economiza com cadastros, sistemas de risco etc. Não vamos mais precisar de quatro equipes para tudo. Claro que não vamos dispensar todo mundo, mas há ganhos de eficiência extraordinários.

    Mas, para os investidores, há um grande ganho já de saída. Imagine um grande investidor global que atua separadamente em cada uma das janelas de negócios hoje, em câmbio, ações, agronegócios, juros, opções de ações, em todos os mercados. Nas operações de derivativos, quando vai fazer a clearing, é preciso dar US$ 1 bilhão, que você não tem naquele momento. Algumas horas depois, ele teria a receber US$ 2 bilhões em outra clearing, de câmbio, por exemplo. Mas ele não pode usar esse dinheiro. Tem que pegar um empréstimo por algumas horas, para responder à chamada de margem, pagar juros até receber os US$ 2 bilhões.
    Isso vai acabar, pois todas as clearings estarão integradas.

    Qual é a economia prevista?

    Nossa simulação é de ganho diário de R$ 500 milhões. O mercado deixará de gastar esse montante. Não vamos mais precisar de linhas de crédito no intra-day.

    Quanto essa economia representa, em porcentagem, em relação ao que é liquidado a cada dia?

    Num total é de cerca de R$ 4,5 bilhões por dia, ou seja, será uma economia de 10% a 12%. Só numa consolidação. Não está se fazendo mais nada, apenas ganhando eficiência.

    A corretora fará um cadastro e valerá para todos os negócios, assim como as alocações de garantias.

    E o segundo lançamento.

    O outro é um produto transformador e inédito, de alcance mundial: vamos ser a única Bolsa do mundo com o sistema de risco que vamos lançar. Está sendo desenvolvido aqui mesmo na empresa. Às vezes olhamos o Brasil e reclamamos de tantos pacotes e crises que vivemos, mas foi tão importante para nós. O que nós crescemos! Os executivos brasileiros cresceram muito nesse período de tantas crises, vivendo nesse "se vira nos 30".

    O sistema de risco será unificado, tanto para produtos de Bolsa quanto para produtos de balcão. É um sistema de risco que vai olhar pelo portfolio. Hoje há um sistema de risco para derivativos, outro para ações, outro para câmbio e outro para ativos. Ele olha suas posições só num dos mercados, olha seu risco nesse mercado e te requer um capital, as margens, para margear essas posições. Agora, vamos ver tudo, olhar como um todo. As operações de balcão, normalmente, existe o jargão "descarregar na Bolsa", um jargão de mercado para operações de balcão com proteção na Bolsa. O mercado faz o hedge na Bolsa. O banco dá financiamentos por muitos anos, mesmo sem poder imaginar a taxa de juros daqui a cinco ou dez anos, porque ele faz hedge na Bolsa. Quanto mais o crédito aumenta no mercado, mais hedge se faz na Bolsa. Por isso que se mede também o crescimento da economia olhando para o crédito. Cresceu o crédito, cresce o hedge, pois não dá para trabalhar sem seguro. Quem trabalhou sem seguro no passado se deu muito mal, e ninguém mais brinca em serviço.

    O sistema vai ver o risco líquido de cada participante, levando em conta todos os mercados. Com isso, a garantia do investidor, esse chamamento de capital, a chamada de margem, a garantia que o cliente põe na Bolsa vai diminuir de forma absurda.

    E vai portanto sobrar mais dinheiro para investir.

    Sim, sobrará mais dinheiro para investir. Mas o aspecto principal que trabalhamos muito com o Banco Central foi mostrar a eficiência do sistema, porque não podíamos perder a segurança do sistema. As clearings são sistemicamente importantes, o risco sistêmico é olhado em primeiro lugar. Depois vem volume, eficiência. O sistema precisava garantir segurança antes de tudo. Para o regulador, é o principal. E ele se convenceu que, de fato, o sistema é mais seguro, porque fica mais inteligente na chamada de risco.

    Então já foi aprovado pelo Banco Central?

    O sistema em si, foi, mas falta a clearing e o estabelecimento do prazo para que ele possa entrar em operação. Ele entra junto com a clearing integrada. Esperamos que seja em 5 de junho.

    Ele vai funcionar, no início, apenas para os derivativos, mas vai olhar os derivativos de Bolsa e de balcão ao mesmo tempo, e pelo portfolio. E vai seguir o mesmo cronograma.

    Quando o BC dará uma posição?

    Essa data é do regulador. O [Alexandre] Tombini, no ano passado, em discurso, comparou o avanço que virá com a clearing integrada e o sistema de risco ao que veio com o SPB. É um avanço extraordinário, muda da água para o vinho. Será uma inovação brasileira, olhar balcão e Bolsa ao mesmo tempo. Não existe isso no mundo.

    Está no plano de vocês vender esse sistema, já que foi desenvolvido na própria Bolsa?

    Sim. Já há conversas, mas ainda não estamos nesse ponto. Agora que testamos, vimos que funciona e vamos colocar para rodar é que podemos começar a receber os clientes.

    E qual será a economia do novo sistema de risco?

    Nas simulações que fizemos, deu economia de 25% a 40% de chamada de margem. Nas operações que chamamos de "papai e mamãe" [futuro e opções, por exemplo, em que o risco é reduzido pela combinação das operações], a redução chega a 70%. Esse é o ganho que virá da possibilidade de analisar o risco do portfolio, como um todo.

    Como estão os estudos para unificar os índices dos Brics?

    Fizemos uma parceria para desenvolver um índice único, que pudesse dar aos investidores globais a possibilidade de, através desse índice, operar as empresas dos países do grupo [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul]. Mas foi difícil achar uma metodologia para essa unificação, que pudesse dar essa visibilidade.

    Decidimos então lançar índices de cada país em cada uma das Bolsas. O futuro do Ibovespa está listado nos países dos Brics, na moeda local deles, assim como os futuros daquelas Bolsas está listado aqui. Não pode ser em dólar. Mas está havendo mais pesquisa, está sendo olhado mais para histórico do índice, não está havendo negociação.

    A ideia é que até o final deste ano a gente tenha esse índice fechado. Já tem até nome: SmartBrics. Mas ainda está sendo testado e analisado pelos indicadores.

    Considerando o cenário de todos os emergentes, cogita-se adiar esse lançamento do índice?

    Não. Independe do cenário. Até porque esse índice é para espelhar exatamente a relevância do mercado de capitais de cada país. Numa situação ou em outra, ele tem que mostrar essa relevância.

    E os planos de permitir que estrangeiros comprassem ações brasileiras em qualquer país, diretamente?

    Esse é o projeto Brasil Easy Invest. É um filho de que estamos cuidando com muito carinho: levar para todos os investidores do mundo as ações listadas na Bolsa do Brasil. Em qualquer plataforma, até mesmo pela internet, o estrangeiro poderia comprar, num clique, ações de empresas listadas aqui.

    Mas encontrou algumas restrições de regulação, porque os bancos têm que ser sediados aqui no Brasil, brasileiros ou não, porque a custódia do papel é feita no Brasil. Para isso, será preciso adaptar legislações locais. E, por isso, está sem prazo. Teremos que falar com reguladores nas principais capitais capitais do mundo. Nos Estados Unidos ou na Inglaterra, isso se resolve em cinco segundos. Mas na Ásia, na América do Sul, há mais dificuldade.

    Veja que o Mila [Mercado Integrado Latino-Americano], a integração das Bolsas do Peru, do Chile e da Colômbia, acabou não decolando. O que impediu o desenvolvimento? A regulação. Essa harmonia da regulamentação entre os países é uma dificuldade muito grande.

    Há dois anos, havia uma expectativa forte de que Bolsas estrangeiras, como Bats, DirectActs, ATS, viessem operar no Brasil. Por que isso não aconteceu?

    Então, também estou surpreso! [risos] Estou esperando e eles não aparecem.

    Agora falando sério: a concorrência para plataformas de negociação vai vir, mesmo. É questão de tempo, um ou dois anos. Porque plataforma de negociação, principalmente para o mercado à vista de ações, é commodity.

    Se vai ter sucesso, não sei. Mas nós aqui não estamos de braços cruzados.

    E se tem uma coisa que me deixa irritado é dizer que a Bolsa é um monopólio.

    Somos dominantes, sim, e bato no peito. E vamos continuar dominantes. Mas monopólio não busca eficiência, inovação, fica de braços cruzados.

    A legislação já permite, desde julho de 2007, a vinda de concorrentes, mas ninguém quer vir pra cá fazer uma Bolsa vertical integrada, um sistema integrado, com clearing, sistema de risco, salvaguardas regulação etc., para isso ninguém quer vir.

    E o mercado de debêntures, por que também não aconteceu?

    Vai crescer muito o financiamento através de papel privado.

    Mas vai decolar, mesmo?

    Vai, está demorando, mas tem um potencial espetacular. E é também uma forma de as companhias que querem buscar financiamento através de ações mais para a frente, fazerem uma etapa intermediária, com financiamento por dívida.

    Mas e o mercado secundário, que não se desenvolve?

    Mas ele não pode chegar antes. Tem que chegar junto ou depois. É preciso haver mais liquidez para que ele venha, pois precisa de controles, plataforma de negociação, e isso custa dinheiro. Para alguém decidir montar um grande mercado secundário, precisa ter uma base já formada. Se não fica o carro na frente dos bois.

    Mas é um grande segmento, é inclusive uma alavanca para o mercado de ações, pois muitas empresas que ainda não estão prontas para abrir capital podem buscar no financiamento de dívida privada sua expansão, seu crescimento, até amadurecer para entrar na Bolsa.

    Porque quando ele abre capital, não é apenas uma decisão de se financiar em ações. É uma decisão mais importante, de ter sócios. Na dívida privada, ele não tem sócios, mas credores. Quando ele tem sócios, todo o sistema de governança da empresa tem que ser diferente, ele tem que ter transparência.

    Falando em governança, como evoluiu a governança das empresas listadas desde 2002?

    Nos últimos três anos, o primeiro episódio que chamou a atenção foi o que ficou conhecido como "bolha do alicate", por envolver a Mundial (saiba mais neste link). A partir dali começamos a repensar a nova metodologia do Ibovespa. Ele tinha tinha 45 anos. E a bolha do alicate mostrou que o conceito de liquidez tinha seus problemas.

    A evolução das regras de governança está num momento de aperfeiçoamento. Soltamos nosso novo regulamento de emissores.

    É inegável que o Brasil ainda tem muito a crescer e muita a fazer nessa área. Um exemplo: o comitê de auditoria. Gostaria de ver no mercado brasileiro, principalmente nas empresas listadas, um comitê de auditoria estatutário, não um comitê conselho fiscal ou um comitê de auditoria que não seja estatutário.

    O valor que esse comitê traz para a companhia é enorme, não só para o conselho, mas para a direção da companhia. Ele tem uma dimensão de fazer com que a companhia se previna. O conselho fiscal chega pós-morte, olha pelo retrovisor, o que não agrega valor.

    Tanto que, quando a CVM estudou o rodízio dos auditores independentes, ela decidiu, com base no modelo da Bolsa, que empresas com comitê de auditoria estatutário podem fazer o rodízio de dez em dez anos, e não de cinco em cinco anos.

    Ele dá uma dimensão de como está a empresa ao conselho. E, em dias de hoje, a gente percebe a responsabilidade de um conselheiro num conselho de uma companhia, principalmente de uma listada em Bolsa, que tem compromissos e requer uma transparência adicional.

    É um mercado em evolução.

    Participamos também do projeto CAF, Comitê de Aquisições e Fusões, mais um fórum que tem o foco de proteger os minoritários. Estamos numa situação completamente diferente do passado, mas ainda temos muito a fazer.

    De zero a dez, como estávamos em governança em 2002 e como estamos hoje?

    Estávamos no zero em 2002. Em 2007, no pico dos mercados, estávamos com nota seis, e hoje acho que estamos na nota oito.

    Mas precisamos chegar na nota dez.

    Folhainvest

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