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    Plano do governo federal de 10 mil km de novas ferrovias descarrila

    DIMMI AMORA
    VALDO CRUZ
    DE BRASÍLIA

    30/03/2014 02h00

    Descarrilou o plano do Palácio do Planalto de construir 10 mil quilômetros de ferrovias em cinco anos.

    Lançado em agosto de 2012 com a ousada meta de fazer 12 novas ligações ferroviárias integrando praticamente todo o país, ao custo estimado de R$ 91 bilhões, o plano não terá nem sequer uma obra de ferrovia iniciada até o fim do governo da presidente Dilma Rousseff.

    Havia apenas uma ferrovia com chance de ser concedida neste ano, entre Mato Grosso e Goiás.

    Mas uma disputa empresarial entre gigantes da soja e da construção civil deve emperrar o negócio.

    O plano de concessão de ferrovias previa um novo sistema, em que a vencedora era remunerada pela obra e pelo serviço prestado.

    Caso a quantidade de clientes fosse insuficiente para pagar essas despesas, o governo compensaria.

    Por outro lado, se houvesse muitos clientes, o governo ficaria com o excedente.

    As grandes construtoras do país não gostaram do modelo porque, na prática, elas deixariam de ser concessionárias e voltariam a ser apenas construtoras.

    O governo tirou delas o risco de perder dinheiro, mas também de ganhar, caso o negócio desse certo.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Por esse motivo, na visão de um conhecedor do mercado, as ferrovias acabaram ficando sem "padrinho" para ajudá-las a vencer a burocracia estatal.

    INTERESSE

    No pacote do governo, havia um trecho ferroviário que gerou interesse inicial do mercado: a via que ligava Lucas do Rio Verde (MT) a Uruaçu (GO), onde a ferrovia nova se encontraria com a Norte-Sul.

    Pelo menos três grandes grupos privados começaram a analisar as possibilidades do trecho.

    O governo, que não fez um estudo aprofundado sobre essa ferrovia, imaginava que ela seria um caminho mais rápido e barato para escoar a gigantesca produção de soja de Mato Grosso que hoje desce mais de 2.000 quilômetros de caminhão até os portos do Sul e do Sudeste, elevando os custos de exportação.

    Mas as grandes companhias vendedoras de soja do país (Bunge, Cargill, Amaggi e Dreyfus) se aliaram à companhia de logística EDPL (Estação da Luz Participações) para um estudo próprio, iniciado em 2013, que concluiu que essa ferrovia não trazia melhora significativa aos custos de transporte.

    O grupo passou então a estudar uma alternativa também ferroviária: levar a soja de Mato Grosso direto para o Pará e, de lá, por via marítima, até a Ásia e a Europa.

    Segundo o estudo encomendado, essa solução reduziria os custos em mais de 30% e teria potencial, aliada a outras ferrovias, para levar quase toda a soja produzida na região por trem.

    RODOVIA

    Antes que o grupo pudesse apresentar a solução ao governo, o Ministério dos Transportes anunciou, em janeiro deste ano, a abertura de estudos para duplicar quatro novas rodovias, entre elas a estrada que vai de Mato Grosso ao Pará, a BR-163.

    Até 2013, nenhum desses trechos era cogitado pelos órgãos técnicos do governo como passíveis de concessão.

    Três deles são complementações de estradas concedidas, no ano passado, para os grupos Odebrecht e Triunfo. Caso os novos trechos venham a ser duplicados, a rentabilidade das concessões existentes será melhorada.

    Após o anúncio do governo, as vendedoras de soja decidiram contra-atacar e pediram oficialmente ao Ministério dos Transportes que estudasse a possibilidade de construção da ferrovia no local onde se pretende duplicar a BR-163 no Pará.

    Os estudos para rodovia e ferrovia serão feitos, mas dificilmente se encontrará viabilidade para as duas construções ao mesmo tempo.

    Para um interlocutor do governo, como o projeto original de criar um sistema logístico nacional foi perdido com o fracasso do programa, vão restar brigas por trechos mais lucrativos, como a que está ocorrendo pelo caminho da soja para o Pará.

    OUTRO LADO

    O Ministério dos Transportes informou à Folha que o governo está "ultimando aspectos fundamentais" para a concessão da ferrovia entre Mato Grosso e Goiás.

    Entre esses aspectos estariam fatores como regras de financiamento e garantias.

    Mas, de acordo com o ministério, a concessão só será feita "com a sinalização de que haverá concorrência nessa licitação".

    Em relação aos outros projetos de ferrovias lançados em 2012, o governo disse que vai reestudar todos.

    Qualquer empresa agora poderá fazer esse trabalho que antes foi realizado pela Vale em 2012 e 2013.

    Em relação aos novos trechos rodoviários em estudo, o ministério informa que tomou a decisão "incentivado pelo sucesso dos leilões de concessão rodoviária em 2013 (...) e considerando o interesse dos potenciais concessionários pela continuidade do processo". Só para a BR-163, dois trechos foram concedidos no ano passado, um em Mato Grosso e outro em Mato Grosso do Sul, em disputas vencidas por Odebrecht e CCR, respectivamente.

    De acordo com o Ministério dos Transportes, os projetos de rodovia têm elevado impacto sobre a logística nacional e, no caso da BR-163 (PA), existe "a necessidade
    de duplicação tempestiva da rodovia em prazo relativamente curto, sob pena de saturação".

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