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    Medo de agir é a maior limitação da economia brasileira, diz consultor

    MARIANA BARBOSA
    DE SÃO PAULO

    20/04/2014 03h00

    O brasileiro é cheio de ideias, mas, na hora de partir para a ação, fica paralisado esperando algum tipo de autorização de alguma autoridade. A descrição é de um dos maiores consultores em inovação do Vale do Silício, Victor W. Hwang, 42.

    Entusiasta do Brasil, Hwang diz que o país precisa vencer uma cultura de medo e canalizar a veia criativa, manifestada nas artes, na música e no design, para o empreendedorismo.

    "O iPhone é uma máquina ou uma obra de arte? Conseguir aplicar o espírito artístico nos negócios é matador."

    Hwang vem ao Brasil na próxima semana para a 14a. Conferência da Anpei (Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras), nos dias 28 e 29 de abril, no ExpoCenter Norte. Ele falou à Folha por telefone.

    Divulgação
    Victor W. Hwang, consultor em inovação do Vale do Silício, que vem ao Brasil
    Victor W. Hwang, consultor em inovação do Vale do Silício, que vem ao Brasil

    *

    FOLHA - Como o sr. vê o ambiente de inovação no Brasil?
    VICTOR W. HWANG - Sou um entusiasta do Brasil. O país é incrível no campo da música, das artes e do design. É preciso aplicar essas habilidades nos negócios.

    Especialmente nas indústrias criativas?
    Criar uma empresa do zero é um processo criativo. É preciso o mesmo tipo de pensamento criativo das artes para ser bem-sucedido como empreendedor. E os brasileiros deveriam se perguntar por que não usar esse espírito criativo para empreender.

    Talvez haja um certo preconceito da comunidade artística com o mundo empresarial...
    Acho que sim. Alguns acham que o mundo dos negócios é demoníaco. Mas isso está mudando. Veja a Apple. O iPhone é uma máquina ou uma obra de arte? Conseguir aplicar o espírito artístico nos negócios é matador.

    Como construir um ambiente propício para a inovação?
    Não é algo que vem de uma autoridade falando o que fazer. Tudo se dá no nível do comportamento individual ou da cultura. No Vale do Silício, impera uma cultura baseada em formação de equipes que fomenta o espírito criativo e alavanca negócios. É comum você tomar café com alguém de manhã e, à tarde, fechar contrato. Muitos acham estranho. É que na maior parte do mundo, incluindo o Brasil, as pessoas não acreditam umas nas outras.

    E como transformar a criatividade brasileira em inovação nos negócios, com todos os entraves em termos de burocracia, impostos?
    Os brasileiros precisam parar de ter medo. Algo que notei no país é que há muitas ideias criativas. Todo mundo tem ideias sobre como fazer coisas melhores, seja na empresa, na comunidade ou em relação ao país. O problema é quando chega a hora de partir para a ação. As pessoas têm a tendência de esperar permissão ou orientação, têm medo de dar um telefonema, marcar uma reunião, arriscar. Acho que o medo é a maior limitação para a economia brasileira.

    Esse medo é algo particular do Brasil?
    Cada um tem a sua particularidade. No Brasil, o respeito e o medo das autoridades limitam a inovação. Se você pensa no Vale do Silício há 150 anos, não tinha autoridade, governo, estrutura social. Foi preciso criar uma comunidade do nada. Quando você cria uma comunidade a partir de indivíduos, desenvolve sistemas baseados em leis informais. No Vale, as leis não escritas dizem para confiar em alguém com um aperto de mão, para dar uma chance sem esperar retribuição. Esse tipo de comportamento tem um efeito muito poderoso. Ao compartilhar, ao ajudar os outros, você acelera o sistema. Você não espera pela permissão de um líder. Você faz.

    O que é algo muito americano: faça você mesmo.
    Ideias não valem nada. Você pode ter ideias geniais, de grandes invenções e tecnologias, mas isso não vale nada se elas não se transformam em algo real. Vejo esse problema no Brasil e em outros lugares. As pessoas investem em ideias e tecnologias, mas não em fazer as pessoas partirem para a ação. No Brasil, é um problema muito maior do que a falta de ideias.
    Sem dúvida, é um problema invisível. Fazer uma universidade ou um parque tecnológico é fácil.
    Mas estamos falando em um medo que está no coração das pessoas e que as impede de agir.

    Como fazer para estimular a ação?
    Você pode fazer cem incubadoras. Mas, se fizer da forma errada, não vai ajudar ninguém e vai só gastar dinheiro. O importante é dar oportunidade para as pessoas praticarem, não apenas conversar sobre problemas. Numa sala de aula, você está ensinando as pessoas a fazer uma prova ou a solucionar problemas reais? Você pode levar os estudantes para as comunidades para que desenvolvam soluções para problemas reais. A prática é muito mais importante do que estudar ou pensar sobre os problemas. No mundo da inovação e do empreendedorismo, você aprende fazendo. Não na sala de aula.

    A prática pode ser ensinada nas escolas?
    Sim, a gente ensina muita coisa prática nas escolas: música, a ser um bom cidadão. É a mesma coisa. Se você quer que as pessoas sejam inovadoras, tem que ensiná-las a pensar de forma inovadora.

    O que é pensar de forma inovadora?
    As pessoas não sabem o que significa ser inovador. Inovação é a prática de conectar pessoas, de escutá-las e entender suas necessidades. E se unir a outras pessoas para solucionar problemas. Esse processo de inovação é algo que pode ser ensinado. Você pode ensinar todos esses elementos às pessoas.

    Não se faz inovação sozinho?
    Não existe nenhuma empresa relevante de uma pessoa só. Tudo acontece em equipe. A montagem da equipe é a parte mais difícil quando se cria uma empresa.

    Em seu livro, o sr. compara o Vale do Silício a uma floresta tropical. O que a natureza pode nos ensinar sobre inovação?
    O conceito de floresta tropical tem a ver com o fato de que o ser humano é um animal biológico. As pessoas pensam em uma empresa mais como uma fazenda. Você sabe o que você quer plantar e colher e faz isso da forma mais eficiente e barata possível. O Vale do Silício está mais para uma floresta tropical. Não se sabe onde as coisas serão plantadas e você simplesmente vê elas crescerem. Se você encontra uma erva daninha em uma fazenda, você a mata. Mas o que é uma erva daninha na floresta? Toda planta pode ser a planta mais valiosa da floresta.
    O processo de inovação é sobre como identificar pequenas ervas enquanto elas crescem e ajudá-las a florescer. Você nunca pode saber de antemão quais serão as mais bem-sucedidas. Veja o Twitter há alguns anos, eles eram culturas agrícolas que alguém planejou ou ervas daninhas? Ervas daninhas, totalmente inesperadas. Até mesmo quem estava criando não sabia aonde ia dar. Não se pode prever o futuro das companhias.

    Isso faz lembrar a política industrial do governo brasileiro, que selecionou "campeões nacionais" em determinadas áreas, com empréstimos baratos para aquisições, mas o resultado não foi muito satisfatório.
    Se você insiste em tentar repetir os sucessos do passado, você não cria nada novo e restringe as possibilidades futuras. É uma forma diferente de ver a economia. Todas as ideias, no começo, têm chance de florescer. Seu trabalho, quando você cria um ecossistema para fomentar a inovação não é dizer quem vai vencer e quem não vai. É dizer que toda ideia é uma boa ideia. Você não tem que dar as respostas, mas ajudar quem está procurando respostas a solucioná-las de uma forma melhor.

    Qual o maior erro cometido pelos governos na tentativa de fomentar a inovação?
    O mais comum é achar que se você chamar uma pessoa criativa e inovadora, os outros poderão copiar e se tornar inovadores. É de cima para baixo, muito controlado. O que o modelo da floresta tropical nos mostra é que o grande valor está em não controlar, em deixar a vida selvagem florescer. É muito tentador para os líderes, seja dentro de uma empresa ou o chefe de governo, dar as respostas para as pessoas. Geralmente, elas não são tão boas quanto as que você teria se deixasse as pessoas buscarem as respostas espontaneamente. Todo mundo falou para o Mark Zuckerberg que a ideia era ruim. Não existe um único presidente de empresa que teria dado as instruções certas para ele.

    Como fomentar uma mudança de comportamento para que haja mais colaboração e, consequentemente, inovação?
    As pessoas mudam de comportamento o todo o tempo. O desafio é criar uma cultura que leve as pessoas a mudar de comportamento. Pense em uma incubadora. A boa incubadora ajuda as pessoas a fazerem conexões, permite que as pessoas ajudem umas as outras, permite troca. Em uma incubadora ruim, as pessoas ficam o dia todo sem falar umas com as outras, não tem confiança. Não é o que você constrói, mas como você constrói.

    É preciso criar um ambiente que facilite a troca de experiências?
    É preciso dar poder aos indivíduos para que eles sejam estimulados a solucionar grandes problemas. A verdade é que é muito solitário ser um empreendedor. Então é preciso criar um ambiente mais agradável para que esse empreendedor se sinta menos solitário.

    *Muitas empresas perdem o caráter inovador quando crescem demais. O sr. acredita que Google, Amazon e Facebook seguirão inovando? *
    O ambiente de trabalho é importante. A arquitetura dos escritórios, as regras, as ideias. Também é fundamental se cercar de pessoas que agem, que arriscam.
    Muitas empresas estão comprando outras não pelos produtos ou pelo faturamento, mas pela equipe. É o que chamamos de ªacqu-hireº (mistura de aquisição e contratação, nos termos em inglês). É uma forma de renovar.
    Há 20 anos, o Vale do Silício estava focado em inovação tecnológica. Há dez anos, o foco passou a ser inovação no modelo de negócio. Hoje, isso ficou velho. As pessoas estão focadas em inovação cultural. Se você conseguir mudar a cultura, o modelo de negócio e os produtos vão acontecer automaticamente.
    É uma mudança enorme em termos de liderança. A maior parte do mundo está focada em inovação tecnológica e de modelo de negócios. No Vale, eles sabem que a cultura é o mais importante. Se a cultura se desintegra, a companhia se desintegra.

    É isso o que vai garantir a longevidade das empresas do Vale?
    Sim. Inovação técnica e de modelo de negócios é temporária. Você pode ganhar a liderança por um ano, mas depois, todos vão te copiar. Se você tem a cultura certa, os concorrentes podem te copiar. Mas quando fizerem isso, você já estará à frente.

    A cultura da Apple está dando sinais de fraqueza?
    No Vale, todo mundo se pergunta: será que acabou? O grau de inovação não é como costumava ser.

    A Samsung tem crescido muito e ganhado uma fatia importante de mercado.
    Com ideias amplamente copiadas da Apple. E a Apple ainda é a mais valiosa. Samsung é uma empresa muito grande e nem todas as divisões são inovadoras. Não está claro se vão tomar a dianteira por muito tempo.

    Falta liderança na Apple?
    Liderança importa muito. Não porque os líderes tomam as decisões certas, mas por servirem de modelos inspiradores. É muito diferente do conceito de líder que toma todas as decisões e sabe todas as respostas. A boa liderança ajuda outras pessoas a desenvolver boas ideias. Tem habilidade para construir uma equipe confiante e apaixonada. Esse tipo de liderança será a chave do sucesso para todos os negócios do futuro.

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