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    Sindicalista dos EUA vira filme e ganha dia nacional de homenagem de Obama

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    23/04/2014 03h00

    Décadas antes de a campanha presidencial de Obama ter transformado o "Yes we can" em bordão vencedor, o slogan já mobilizava milhares de trabalhadores rurais nos Estados Unidos, na versão em espanhol: "Sí se puede".

    Essa era uma das palavras de ordem dos grevistas que, nas décadas de 1960 e 1970, buscavam mostrar que era possível conquistar melhores condições de trabalho _viviam um regime de quase escravidão nas plantações de uva.

    À frente do movimento estava Cesar Chavez, figura carismática e determinada, que se transformou em herói dos trabalhadores e símbolo do pacifismo combativo.

    Hoje, 21 anos depois de sua morte, continua sendo celebrado pelo movimento sindical norte-americano e até pelo governo: no final de março o presidente dos Estados Unidos comandou solenidade em que instituiu o dia nacional de Cesar Chavez, já existente em alguns Estados do país.

    Na cerimônia realizada na Casa Branca, Barack Obama recebeu a neta do líder sindical, Julie Chavez Rodriguez, 35, que cresceu fazendo panfletagens com o avô e hoje trabalha no governo federal no serviço de apoio aos imigrantes. Como parte do evento, foi exibido em sessão privada "Cesar Chavez", filme recém-lançado nos Estados Unidos.

    Trata-se de um documentário dramatizado, em que atores interpretam os personagens reais; para aumentar a veracidade, há clipes de reportagens de TV da época e trechos de depoimentos dos envolvidos nas greves e na perseguição aos grevistas.

    O filme é uma lição de história. E serve como uma espécie de benchmark dos conflitos trabalhistas, mostrando de forma didática as ações de cada envolvido no processo: os trabalhadores e seus líderes, os latifundiários, a força policial, as autoridades governamentais.

    Expõe as atrozes condições de vida dos boias-frias da época, que Obama relembrou em seu discurso. "Eles realizavam trabalho exaustivo, em condições deploráveis, em troca de pagamento insignificante.

    Eram expostos a pesticidas perigosos e não recebiam a proteção mais básica, como salário mínimo, atendimento de saúde e acesso à água potável."

    Contra tudo isso, Chavez começou a organizar os trabalhadores. Foi um dos fundadores do sindicato dos trabalhadores rurais, considerado uma afronta aos proprietários das plantações: afinal, não era permitido e não era aceitável que seus empregados tivessem direito de associação.

    Em apoio a grevistas, Chavez liderou em 1966 uma longa marcha trabalhista. A jornada começou com um punhado de militantes em Delano, Califórnia, e foi recebendo apoios ao longo do caminho de quase 400 quilômetros até Sacramento, capital do Estado. Na chegada, a caminhada já contava com cerca de 10 mil pessoas.

    Tratada em tons épicos no docudrama, a marcha não foi suficiente para garantir a vitória dos trabalhadores. Chavez, que defendia com a própria vida a necessidade de enfrentamento pacífico –chegou a fazer greve de fome para unificar a militância em torno da proposta de não violência–, então chamou a população norte-americana para apoiar os grevistas.

    Convocou um boicote nacional contra os produtores de uvas. Que ninguém mais comprasse a fruta produzida nas fazendas que não respeitavam os direitos básicos dos trabalhadores. O boicote conquistou 17 milhões de apoiadores em todo o país.

    O registro desse processo é talvez a sequência mais exemplar do docudrama. O líder dos latifundários, interpretado de forma magistral por John Malkovich _que também é um dos produtores do filme, ao lado de Gael García Bernal (ator em "Diários de Motocicleta"), espuma de ódio e exige a intervenção do Estado.

    Richard Nixon, então presidente dos Estados Unidos, responde na lata: dá apoio à exportação e garante que as Forças Armadas comprarão o que não for vendido ao estrangeiro. Ao mesmo tempo, a violência policial se abate contra grevistas e piqueteiros.

    À internacionalização da venda, os ativistas respondem com a internacionalização do boicote. Chavez viaja à Europa e obtém apoio de sindicatos britânicos. Foi a gota d'água. Depois de anos de greve, os trabalhadores acabam vitoriosos.

    Além de registrar as campanhas trabalhistas, o filme acompanha os dramas pessoais de Chavez e seus conflitos familiares. Para alguns estudiosos da trajetória do ativista, fica muito aquém da verdade; outros reclamam da edulcoração das relações entre trabalhadores filipinos e mexicanos, que teriam sido muito mais beligerantes do que demonstradas na fita.

    De fato, o docudrama dirigido por Diego Luna e coproduzido por Gael García Bernal deixa de registrar todas as nuances e contradições da carreira do líder sindical. Nem se propõe a isso: é claramente uma peça de propaganda, determinada a trazer a vida e as propostas de Chavez para os holofotes da mídia.

    Deu resultado, a julgar pelo comentário do presidente norte-americano antes da sessão privada de "Cesar Chavez": "Nada melhor do que ver um filme inspirador, e eu realmente estou interessado em ver a biografia de um dos meus heróis, um das pessoas que me inspiraram a fazer o trabalho que estou fazendo hoje".

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