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    Cuba incentiva cooperativas para criar empregos sem fomentar o capitalismo

    DA REUTERS, EM HAVANA

    24/04/2014 03h00

    As lentas e cautelosas reformas de Cuba para reanimar a economia estatal do país ganharam vida subitamente em empresas como o Karabali, um clube noturno de Havana controlado por uma cooperativa de 21 integrantes.

    O governo comunista arrendou o Karabali aos funcionários da casa apenas seis meses atrás, e o local, no passado sonolento, agora vive lotado, com mais 100 fregueses ocupando as mesas da meia-noite ao nascer do dia, a despeito da competição de dezenas de casas noturnas estatais e privadas na cidade.

    Na movimentada rua 23, no bairro de Vedado, luzes multicoloridas atraem para o Karabali um público jovem e quase inteiramente cubano para ver música ao vivo nos finais de semana.

    Mesmo na quarta-feira, quando a casa funciona só com música gravada, a animação é grande e os fregueses rebolam no palco ao som da rumba.

    Um sentimento de propriedade substituiu a apatia que aflige muitas empresas estatais, e os membros da cooperativa estão otimistas. Há muito entusiasmo quanto ao lugar, os salários triplicaram e eles recebem uma parcela dos lucros.

    "Agora temos uma sensação mais forte de que a casa nos pertence", diz Heydell Alom, 38, bartender do Karabali há 11 anos. "Aqui ninguém rouba. O lugar pertence a todos. Ganhamos dependendo daquilo que podemos realizar, e não temos quaisquer problemas com o governo".

    As autoridades cubanas estão transformando mais e mais empresas estatais em cooperativas, e oferecendo incentivos para que pequenas empresas privadas sigam o mesmo caminho. Cerca de 450 foram criadas nos últimos 12 meses, e os planos preveem que outros milhares surjam.

    A iniciativa é uma das reformas de abertura de mercado ordenadas pelo presidente Raúl Castro, que assumiu no lugar de seu adoentado irmão Fidel em 2008.

    Raúl Castro afirma que suas reformas têm por objetivo reforçar o socialismo em Cuba, mas elas levaram ao surgimento de milhares de empresas privadas de 2010 para cá, variando de restaurantes a oficinas de conserto de eletrônicos e pequenas lojas.

    Menos conhecidas e menos comuns são as cooperativas, mas elas fazem parte do esforço de equilibrismo político do governo, que precisa transferir centenas de milhares de trabalhadores para fora das folhas de pagamento do Estado mas também deseja retardar a ascensão do capitalismo.

    De muitas formas o Estado prefere cooperativas, nas quais cada trabalhador tem uma parcela do negócio, a empresas privadas, nas quais os proprietários ficam com os lucros do trabalho de seus empregados.

    Como é típico nas reformas cubanas, o esforço para estabelecer mais cooperativas começou em forma de experiência, que será expandida se for considerada bem sucedida.

    Os partidários do esforço o veem como maneira de permitir a livre empresa, da mesma forma que outros governos comunistas fizeram, mas limitar o avanço inevitável na disparidade de renda.

    "O modelo é diferente do adotado na China e Vietnã", disse um economista cubano especializado em cooperativas. "Temos a vantagem de poder aprender com as experiências deles".

    Nenhum outro país tentou converter empresas estatais em cooperativas em escala tão grande, diz o economista, que pediu que seu nome não fosse revelado porque está proibido de falar a jornalistas sem permissão.

    As cooperativas incluem restaurantes, cafés, empresas de atacado e mercados de frutas e legumes, fábricas de roupas e móveis, companhias de ônibus e lava rápidos, operações de reciclagem, funilarias e escritórios de contabilidade, salões de beleza, casas noturnas e até mesmo lojas que comercializam aves exóticas.

    Elas operam das independentemente das entidades e empresas estatais e definem seus preços com base no mercado, na maioria dos casos.

    Algumas prosperaram. Outras ainda não conseguiram captar o que significa concorrer no mercado.

    MENOS QUE DIVINO

    O restaurante Divina Pastora desfruta de um endereço privilegiado por sob o histórico castelo Moro, uma atração turística que oferece vista espetacular da capital cubana, do outro lado da baía de Havana.

    Ainda que o lugar lote no almoço com os ônibus de turistas que visitam o castelo, à noite o assunto é outro. Apesar do clima excelente, o lugar estava quase vazio em uma recente noite de sábado.

    Ninguém da cooperativa havia sugerido um plano para atrair fregueses de jantar ou de final de noite, o que permitiria melhorar os lucros, disse uma das integrantes, uma jovem que estava servindo às mesas.

    O restaurante é uma antiga empresa estatal que fechou no ano passado e foi reaberto como cooperativa, mas a nova equipe não teve a oportunidade de selecionar seu líder.

    "Como é que podemos eleger o administrador quando foi ele que nos contratou?", questiona a jovem, que não quis dizer seu nome e não parecia saber se o administrador era novo ou se era o único remanescente da antiga equipe do restaurante quando este ainda era uma empresa estatal.

    O Karabali, do lado oposto da baía de Havana, é claramente um sucesso, no entanto.

    O local do clube é privilegiado, em um bairro ao qual milhares de jovens acorrem para se divertir do começo da noite até a madrugada, caminhando pela rua 23 da famosa sorveteria Copelia e do antigo hotel Hilton até a esplanada à beira-mar.

    Os 21 membros da cooperativa planejam reformar o Karabali, começando pela sala de refeições, que o governo deixou em ruínas.

    "Depois de concluir essa reforma, pretendemos investir nosso dinheiro em outras melhorias", disse o bartender Alom.

    Cada membro da cooperativa ganha 750 pesos (US$ 31) ao mês, três vezes mais que os 250 pesos que recebiam quando a empresa era estatal. Também dividem os lucros da casa a cada três meses.

    "Estamos livres da regulamentação que pesa sobre as estatais", disse o contador da cooperativa, Ariel Rodriguez. "Sentimos que o lugar é nosso. Nenhum extraterrestre nos diz o que é bom ou ruim, que artista devemos contratar ou quem cuidará de nossos reparos e reformas".

    CONTRADIÇÕES

    A maioria das cooperativas que a Reuters visitou fica entre os extremos representados pelo Divina Pastora e pelo Karabali.

    A cooperativa Bella Bella 2 de Belleza, antes um conhecido salão estatal de beleza em Vedado, ressurgiu em forma de cooperativa e concorre com as empresas privadas ao atender a uma clientela menos afluente.

    "Definimos preços mais altos do que quando éramos uma estatal mas menores que os preços da rua (nas empresas privadas)", diz a cabeleireira Sandra Menendez, que hoje ganha sete mil pesos (US$ 292) ao mês, ante 400 pesos (US$ 17) mais gorjetas quando trabalhava para o Estado.

    Mas outros integrantes da cooperativa de 17 membros se queixam de um ex-administrador mandão que se tornou presidente da cooperativa, e de seus salários.

    "Temos alguns benefícios, mas o salário é mais ou menos igual ao que era antes de o salão se tornar cooperativa", diz Danisley Napoles, manicure cujo trabalho é menos especializado que o de um cabeleireiro e propicia ganho menor.

    A lei que rege as cooperativas permite número ilimitado de membros e o uso de funcionários temporários contratados por três meses. Os membros elegem seus dirigentes e também participam de decisões que variam das escalas salariais a investimentos.

    "As cooperativas têm prioridade diante das pequenas empresas privadas porque são uma forma mais social de produção e distribuição", diz Marino Murillo, comandante da comissão do Partido Comunista encarregada de reformular a economia em estilo soviético que Cuba operava, à Assembleia Nacional, em dezembro.

    Murillo disse que elas pagavam menos impostos e tinham acesso ao sistema de vendas por atacado do estado, enquanto as empresas privadas tinham de comprar seus suprimentos em mercados de varejo e de outras fontes.

    Ainda assim, cabe ao governo decidir se uma empresa estatal será ou não transformada em cooperativa, e os funcionários das companhias não têm voto. Podem aceitar a proposta ou optar pela demissão.

    Essa abordagem de mão pesada, a falta de treinamento adequado e o ambiente desfavorável para os negócios em Cuba pesam sobre as cooperativas, e seu sucesso ou fracasso depende em larga medida de o quanto seus líderes e membros estejam preparados.

    Um programa de TV estatal chamado "Cultura das Cooperativas" é exibido aos domingos, e seu foco é a história, as leis e a gestão das cooperativas. O economista cubano especializado em cooperativas diz que o programa é um bom começo para o treinamento das cooperativas, mas que o governo precisa fazer mais para ajudá-las a obter sucesso, em lugar de se apressar a criá-las sem o devido apoio.

    "Eles deveriam aplicar os freios por algum tempo, avançar devagar e enfatizar mais a qualidade que a quantidade", disse ele. "E acima de tudo, melhorar o treinamento".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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