• Mercado

    Saturday, 18-May-2024 04:28:47 -03

    Brasil precisa entender que sem dor não há ganho, diz economista

    ÉRICA FRAGA
    DE SÃO PAULO

    04/05/2014 02h00

    Os chineses se deram conta de que, sem dor, não há ganho e que, portanto, é preciso reformar sua economia. Segundo o economista Stephen Jen, no Brasil, ainda falta essa percepção.

    Para ele, que é sócio da empresa de investimentos SLJ Macro Partners, essa mudança de mentalidade é vital:

    "Você tem de sentir a dor e reformar ao mesmo tempo. Não dá para passar por uma desaceleração econômica sem mudar o comportamento das pessoas e do governo", afirma Jen, que já atuou como economista do FMI.

    *

    Folha - Apesar da fraqueza da economia, o Brasil continua atraindo muito capital de fora. A que se deve isso?
    Stephen Jen - As taxas de juros tanto nos EUA como na Europa estão extremamente baixas. Isso vai mudar conforme continuar aumentando a confiança na recuperação dessas economias. Com isso, as moedas de mercados emergentes voltarão a ficar sob pressão.

    Mas esse tipo de tumulto nos mercados emergentes é muito diferente das crises típicas que ocorreram nesses países no passado. Não são, portanto, crises. São ajustes. Não é que as pessoas que tenham medo de que algo drástico ocorrerá.

    O senhor ainda acha que a situação dos mercados emergentes é comparável à dos países periféricos europeus?
    Sim. Em ambos os casos, ocorreram muito mais transferências do que investimentos necessários em infraestrutura. Em ambos os casos, vimos enorme volume de entrada de capitais. No caso dos países periféricos da Europa, isso teve mais a ver com o processo de convergência [da União Europeia]. Mas, no caso dos países emergentes, foi mais resultado da reação da política monetária que se tornou muito frouxa desde a crise econômica global.

    Apesar das causas diferentes, os resultados foram os mesmos. Volumosas entradas de recursos que levaram a um longo ciclo de expansão do crédito. Isso provocou alocações ineficientes de recursos e grandes déficits em conta corrente.

    Como esses problemas podem ser resolvidos no Brasil?
    Não há saída fácil. A economia tem um potencial enorme, as pessoas têm um potencial enorme, mas o país não consegue atingir esse potencial. Parte disso é fruto da política, parte disso são escolhas coletivas.

    Deveriam haver menos transferências e os que falham deveriam poder fraquejar em sua área de atividade econômica.

    O senhor quer dizer que deveria haver mais competição?
    Eu não queria dizer isso. É um assunto sensível para algumas pessoas. É uma escolha coletiva se o país quer estar do lado esquerdo do espectro político-econômico ou do lado direito do centro. Não sou eu que devo opinar.

    Mas é óbvio que é necessário aumentar os investimentos em infraestrutura física no país. É um país grande, muito populoso. É preciso que o custo das transações seja barato e eficiente.

    A outra questão óbvia é a necessidade de se investir em educação. Há outros países numa situação parecida com a do Brasil, de não estar perto de atingir seu potencial. A China, entre todos os países, é o que embarcou em reformas mais significativas.

    Para onde caminha o modelo econômico chinês?
    Eles tomaram uma decisão explícita de deixar as forças do mercado atuarem mais. Antes, era a mão visível fazendo o trabalho e isso levou a más alocações de recursos.

    Acho que a nova administração demonstra que quer confiar mais no mercado.

    Isso requer liberalização do mercado financeiro, do mercado de câmbio.

    A China será bem sucedida?
    Há pessoas muito preocupadas com a China, acham que os problemas herdados -como no setor imobiliário e o sistema bancário paralelo- são tão grandes que uma crise é inevitável.

    Uma outra corrente, à qual eu pertenço, tem uma visão mais construtiva.

    Os problemas são, sim, intimidadores. É um cenário em que sem dor não haverá ganho, mas o mais importante é que as pessoas na China entendem isso. Acho que há cinco anos a opinião geral, entre a população chinesa, era que reformas eram uma boa ideia, mas não urgentes. Agora há consenso sobre a necessidade de reformas.

    A população e o governo estão em sintonia em relação a isso. E acho que esse é um aspecto muito poderoso.

    Falta no Brasil esse tipo de consenso?
    O Brasil é um país grande e eu não sei qual é o sentimento geral da população. Mas parece haver muita frustração porque o país está mais rico, mas as pessoas não se sentem mais ricas. É uma combinação muito estranha.

    Basta sair do aeroporto no Brasil para se dar conta, visualmente, que não se trata de um país com a quantidade de infraestrutura necessária para alcançar um aumento do bem estar.

    Há problemas em diferentes níveis que terão consequências de longo prazo sobre o potencial da economia.

    O Brasil se encontra preso numa armadilha de baixo crescimento?
    Há muitas reformas a serem feitas. Acho que os chineses se deram conta disso: sem dor, não há ganho. Você tem a dor por uma razão. Você tem de sentir a dor e reformar ao mesmo tempo. Não dá só para passar por uma desaceleração econômica e aceitar a recessão sem mudar o comportamento das pessoas e do governo.

    O que quer que o Brasil faça terá de envolver lidar com o estímulo monetário, a situação fiscal e a necessidade de reformas estruturais.

    É vital que o Banco Central controle a inflação, que o governo controle seus gastos da forma mais prudente possível. É absolutamente necessário para o Brasil reformar sua economia.

    O mundo está mais competitivo e globalizado. Um país não pode crescer sozinho. Tem de estar exposto à economia global de uma forma que vá além das exportações de commodities.

    O Brasil precisa de medidas que levem a mais inovações, criar espaço para que o talento aflore. Isso requer mais investimento em educação, infraestrutura, direitos democráticos e uma liderança forte.

    Jin Lee/Bloomberg
    O economista e analista de emergentes Stephen Jen
    O economista e analista de emergentes Stephen Jen
    Folhainvest

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024