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    Para Sayad, crescimento será lento e arrocho não é saída para governo

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    10/07/2014 02h00

    Medidas de arrocho devem ser descartadas em 2015, independentemente do resultado eleitoral. As mudanças necessárias não são macroeconômicas, mas de regulação. O crescimento será lento. O regime de metas precisaria sofrer ajustes, e um aumento de combustíveis deveria ser feito.

    A análise é do economista João Sayad, 68. Ministro do governo José Sarney no Plano Cruzado, secretário na gestão Marta Suplicy em São Paulo e na administração estadual tucana, ele se define hoje como um crítico de ortodoxos e heterodoxos: "Sou espírito de porco", afirma.

    Nesta entrevista, ele critica a gestão Dilma, o governo Alckmin e o candidato Aécio. Diz que não votará no PT, mas não revela seu voto nem na esfera federal nem na estadual. Classifica os juros brasileiros como uma anomalia mundial e constata que industriais viraram financistas.

    Vítima de assalto na capital paulista, Sayad declara estar com medo e avalia que a segurança é o problema número um do país.

    Raquel Cunha/Folhapress
    O economista João Sayad em sua casa no bairro de Pinheiros, em São Paulo
    O economista João Sayad em sua casa no bairro de Pinheiros, em São Paulo

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    Folha - Por que o Brasil cresce pouco?
    João Sayad Não tem uma solução óbvia no curto prazo. O remédio tradicional –corte de gastos, aperto da política monetária– não parece ser a solução. Colocar todas as fichas contra a inflação seria diminuir ainda mais o crescimento. A inflação está desagradável, mas não é a situação que gente da minha idade experimentou. Será difícil para Dilma ou qualquer candidato de oposição cumprir uma promessa de recuperação rápida de crescimento.

    Muitos dizem que independentemente do resultado da eleição, o ano que vem será de arrocho, cortes. Isso é inevitável?
    Não é óbvio que o problema seja arrocho. Uma política de juros muito mais elevados vai sobrevalorizar o câmbio com uma entrada de dinheiro que não acaba mais. Na inflação, sou um crítico sem solução para o regime de metas. O regime de metas liga o juro à inflação e o câmbio ao balanço de pagamentos. Só que o que influencia mais a inflação é o câmbio. E os juros influenciam mais o balanço de pagamentos. Se deveria inverter os remédios.

    Essa mudança não é pacifica, nem tem o resultado garantido. Vejo na condução da política macroeconômica um problema mítico, religioso. Defendo o regime de metas, mas com correções, que não deveriam ser anunciadas.

    Qual sua visão sobre o futuro?
    Tenho uma visão positiva, mas não vai ter taxa de crescimento elevada. Independentemente de quem seja eleito, o crescimento será lento. As mudanças necessárias não são macroeconômicas, são de regulação, regras de administração pública. O direito público precisa ser revisado. Na energia elétrica, foi criada uma instabilidade que precisa ser corrigida. Necessitamos de obras de infraestrutura, ser mais favoráveis a concessões.

    Emprego não é uma preocupação hoje. Inflação, câmbio e juros são. Tem uma solução fácil: está com problema na perna, amputa a perna. Seria uma grande recessão, mas essa não seria uma solução. Não há espaço político e a vantagem de trazer a inflação de 6,5% para 4,5% não compensa. Então corta [essa opção], mas precisa fazer ajustes.

    Mas essa opção pela recessão foi a defendida por Aécio, não?
    Falou e retirou. Ele fez um erro ali, não deveria ter falado. Não estamos em 1985 nem em 1990, quando o Brasil inteiro esperava um salvador, que era o Collor. Um homem da minha idade olha para traz e vê hoje o SUS, a educação. A insatisfação é legítima, mas já fizemos muito. Até agora, nota 7.

    O que a Dilma fez de errado?
    Sugiro ler a biografia de Getúlio, lembrar de FHC e de Lula. Ali estão as três lições que ela não acompanhou sobre o papel do presidente. Getúlio era ambíguo. Lula, líder dos trabalhadores, fez uma política monetária bem conservadora. FHC, no primeiro mandato, era a pessoa que mais reclamava do cambio valorizado –como se não fosse uma coisa dele.

    O presidente tem que estar acima e distante das soluções que propõe. Dilma é mais gestora. Tem um pouco de voluntarismo também.

    Qual seria o passo além?
    Não sei qual seria o passo que desse resultado no curto prazo. Um grande erro é o preço da gasolina, que está baixo. Comparado com o pico anterior, em termos reais, está 30% atrasado. A Petrobras fatura US$ 400 bilhões por ano. Se corrigisse em 30% seriam mais US$120 bilhões.

    Essa solução seria meio mágica. Repartir esse dinheiro com municípios para financiar transporte publico, corredor, metrô, essa tarifa maluca do MPL poderia aguentar mais. É o melhor pedágio urbano do mundo.

    E qual seria o impacto dessa alta na inflação?
    Esse é o grande problema. Perguntaram para o ministro do planejamento da Índia, do partido que perdeu a eleição, qual foi o maior erro do governo. Ele disse: corrigir o preço da gasolina. Não é uma solução óbvia, mas é tentadora.

    É necessário mexer no câmbio?
    É o que a indústria fala e o que a agricultura gostaria, mas gera inflação. A política do novo mandato tem que, sem anunciar, fazer uma trajetória para a política cambial que seja compatível com a inflação. E fixar a taxa de juros olhando para a taxa de juros internacional e para o balanço de pagamentos.

    O câmbio é a verdadeira âncora da inflação brasileira.

    O governo Dilma ensaiou uma política de juro mais baixo e depois recuou. Há um pacto pró-juro alto no Brasil?
    Não diria que há um pacto, mas há um hábito. Dilma acertou em reduzir os juros, mas tem custos. No começo era o fim do mundo, acho que hoje já não é. Não acredito que [a queda nos juros] seja a causa da elevação da inflação. Não temos inflação de demanda, mas de custos. [O juro] é alto porque ficou alto.

    Por que houve recuo?
    Porque a inflação subiu, não por causa dos juros apenas. [Dilma] não precisava ter feito o discurso [contra os juros]. Os juros no Brasil eram e continuam sendo uma anomalia se comparados a outros países. Reduzir os juros era e é uma proposta razoável. Hoje eles são 5% real ao ano. É melhor do que 10%. No momento, não há demanda para reduzir mais os juros. O momento é de repensar a política de metas. Não precisa nem falar.

    Basta, para horror dos ortodoxos mais jovens, operar no mercado cambial, manipular o câmbio de forma a que ele tenha um comportamento compatível com a inflação. Ver os juros ligados ao balanço de pagamentos, e o cambio ligado à inflação. Anunciar uma política de mudança no regime de metas de inflação seria um desastre.

    Desindustrialização é problema?
    É e é complicado. Uma vez dei uma palestra para um mundão de empresários. Era na época do Gustavo Franco, real sobrevalorizado. Um pouco irado, perguntei por que não reclamavam do câmbio. Cadê o clamor da indústria? Não reponderam. Mas, ao olhar para eles, entendi. Eles viraram financistas, deixaram de ser industriais. Primeiro, porque são terceira ou quarta geração de italianos, japoneses, turcos, português que trouxeram a indústria para cá. Segundo, porque se adaptaram.

    O sr. já decidiu em quem vai votar?
    Não. Não votarei no governo. Oito anos é uma dose significativa e já estamos em 12. Não votaria para ter mais de oito anos de governo FHC nem de PT.

    Mas o PSDB está aqui no governo de São Paulo há mais tempo, não?
    Estou falando do governo federal. No governo estadual, acho que vale a pena. É discutível se 20 anos é muito. No governo federal, a renovação é fundamental.

    O sr. falou das identidades entre PT e PSDB. Ambos partidos se envolveram em denúncias de corrupção. Há o mensalão e o caso do metrô em São Paulo. Quando o sr. estava na administração do PSDB em São Paulo, o sr. escreveu um artigo na Folha tratando de corrupção. Por quê?
    Quando há um movimento de corrupção, a administração se perde. Vejo nos governos federal, estadual e municipal uma série de programinhas que consomem energia e atenção da máquina. A corrupção pequena não deixa nada e isola a administração dos funcionários.

    O que o sr. viu de errado aqui no governo estadual?
    Desrespeito a leis trabalhistas que custam caro para o Estado, indiferença quanto a esse desrespeito. Essas coisinhas depois viram uma bola de neve. Há confusão na Justiça. Minha experiência recente com a Justiça é aterradora. Se eu fosse presidente, as prioridades seriam justiça e segurança.

    Como atacar o problema da segurança?
    Tem um lado crescimento, melhorias das condições sociais, presença do Estado na periferia, CEUs, fábricas de cultura. Mas a periferia é imensa. E tem o lado de polícia. Eu andava muito por aqui [no bairro, na zona Oeste de São Paulo], mas mataram dois num assalto na Alameda Franca e ando com medo. Fui assaltado há uns seis meses com uma faquinha na Rua Piauí, no carro. Ele me pôs a faca [no pescoço] e disse: "O celular ou eu te mato". É horrível. Fiquei com muito medo e não reagi. Ando de vidro fechado, com medo. [Segurança] é o problema número um do Brasil.

    Houve melhoria na distribuição de renda?
    A remuneração do capital cresce. A distribuição de renda que houve ocorreu dentro do grupo dos trabalhadores, o que é ótimo. Por conta do salário mínimo, principalmente, e do Bolsa Família, diminuiu a desigualdade.

    Mas precisa ver o que acontece com o capital. Se considerar o capital, eu não sei, ninguém sabe. Mas olhando para as lojas de luxo, barcos, helicópteros, é capaz que tenha aumentado [a concentração].

    Além de dar aulas, o que o sr. tem feito?
    Escrevi um livro sobre dinheiro e finanças. É mais sobre o debate a respeito da política macroeconômica e monetária. Sempre haverá dois lados: o conservador e o keynesiano.

    E como o sr. se define?
    Não estou em nenhum dos dois lados. Não sou ortodoxo de jeito nenhum, mas também não sou hoje um desenvolvimentista. Não se consegue mudar a cultura de nenhuma sociedade do mundo a golpes de voluntarismo. Quando eu fui heterodoxo, era contra os absurdos dos ortodoxos. Eu sou espírito de porco, crítico de ortodoxos e não ortodoxos.

    Também num artigo para a Folha, o sr. criticou a decisão do governo Alckmin de não levar adiante a implantação de um polo de cultura na região da Luz. Qual sua visão hoje desse caso?
    Temos uma visão pequena de nós mesmos. O teatro da dança, um complexo cultural é um projeto viável, superimportante, que o governo estadual não quer fazer por causa do custeio. Teria três teatros, biblioteca, escola de música. Diz que é uma obra para ricos. Não é. Não vai sair, é uma pena. Fizemos não sei quantos estádios e nenhum centro cultural. Cultura tem uma prioridade baixíssima em qualquer governo. Com o Serra, não.

    O sr. se sentiu frustrado ao deixar a secretaria da Cultura do Estado?
    Sai frustrado, principalmente por causa desse teatro [que não vai sair]. O Estado de São Paulo é muito rico, não falta dinheiro para investir. Mas o governo não tem essa prioridade para a cultura.

    O sr. já decidiu em quem vai voltar para o governo do Estado?
    Não, aqui é mais difícil ainda.

    Como o sr. avalia hoje a TV Cultura, que o sr. dirigiu?
    Ou o governo apoia com um pouco mais, ou fecha. É importante, mas precisa de um pouco mais de dinheiro.

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    JOÃO SAYAD
    * 68 anos
    * doutor em economia pela universidade de Yale
    * professor de economia da FEA-USP
    * ministro do Planejamento (1985-1987) no governo José Sarney quando da implantação do Plano Cruzado
    * secretário de finanças da cidade de São Paulo na gestão Marta Suplicy (2001-2004)
    * secretário estadual da cultura no governo José Serra (2007-2010)
    * presidente da TV Cultura entre 2010 e 2012

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