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    Análise: O investimento pode salvar a Europa?

    JEAN PISANI-FERRY
    ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE, EM PARIS

    30/07/2014 15h53

    O crescimento econômico da Europa continua decepcionante.

    Virtualmente todos os países membros da União Europeia devem apresentar avanço em sua produção em 2014; mas, de acordo com as mais recentes projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento médio da zona do euro mal excederá 1%.

    E, embora a economia britânica exiba forte ímpeto, o Produto Interno Bruto (PIB) da União Europeia só agora recuperou o patamar que detinha antes da crise. Em termos de renda per capita, a União continua mais pobre do que era sete anos atrás.

    Nesse contexto, uma nova meta política emergiu: o investimento. O primeiro-ministro italiano Matteo Renzi, que detém a presidência rotativa da União Europeia neste semestre, vem pressionando por ela, e Jean-Claude Juncker, presidente eleito da Comissão Europeia, definiu o investimento como sua "primeira prioridade".

    O objetivo dele para os próximos três anos é de mobilizar 100 bilhões de euros (US$ 134 bilhões) adicionais ao ano (o equivalente a 0,75% do PIB da União Europeia) para investimento público e privado.

    O investimento decerto é um tema politicamente atraente. Pode unir os keynesianos e os defensores do supply-side; os proponentes dos gastos públicos e os defensores da iniciativa privada encontram causa comum. E as taxas de juros de longo prazo historicamente baixas sem dúvida oferecem uma oportunidade excepcionalmente favorável de financiamento de novos empreendimentos.

    Mas isso não significa automaticamente que os governos devam despejar dinheiro em projetos públicos de infraestrutura ou fomentar o investimento privado por meio de incentivos adicionais, em meio a condições de mercado já bastante auspiciosas. Em um momento no qual a renda privada encolheu, os recursos públicos são escassos e a carga da dívida é pesada, quaisquer planos para estimular os investimentos merecem escrutínio cuidadoso.

    Até mesmo projetos aparentemente objetivos podem fracassar seriamente; alguns anos atrás, os bem intencionados esforços europeus para estimular a produção de energia de fontes renováveis resultaram em uma bolha da energia solar de proporções macroeconômicas.

    Embora reduzir as emissões dos gases causadores do efeito estufa seja necessário, a atual geração de sistemas relativamente ineficientes de produção de energia renovável não deveria ser colocada em operação à custa do desenvolvimento de tecnologias com melhor custo/benefício.

    CAUSAS

    É por isso que é essencial determinar, antes de qualquer novo esforço de estímulo ao investimento, se o crescimento lento da Europa não acontece como reflexo de uma formação de capital anormalmente baixa. Os dados sugerem que sim: de 2007 a 2013, o investimento caiu em 18% na União Europeia, comparado a uma queda de apenas 6% nos Estados Unidos.

    No sul da Europa, o investimento literalmente desabou; mesmo na Alemanha, só este ano ele voltará ao nível que tinha antes da crise.

    Mas essa observação dificilmente basta, porque o investimento excessivo em imóveis, antes da crise, tornava inevitáveis um ajuste e redução acentuados. A construção irresponsável de condomínios sem compradores para os apartamentos e de aeroportos sem passageiros para os voos tinha de parar.

    Em termos mais gerais, o investimento tende a acompanhar o crescimento econômico: as companhias ampliam sua capacidade apenas se existir demanda por seus produtos. Uma recessão quase sempre implica queda desproporcional no investimento.

    Por essas razões, determinar se o baixo investimento é causa ou consequência do baixo crescimento não é tão fácil quanto pode parecer. Levando os fatores de causa e consequência em conta, o instituto de economia alemão DIW calcula que a lacuna de investimento é real, e a estima em cerca de 2% do PIB, ou 200 bilhões de euros, para a zona do euro.

    O número é significativo, o que sugere que pode haver argumentos em favor de ação política.

    OBSTÁCULOS

    Isso traz a questão seguinte: o que vêm bloqueando o investimento, e o que se pode fazer para remover esses obstáculos?

    Parte da resposta envolve regulamentação. Por exemplo, o investimento na produção de energia eficiente e na sua conservação vem sendo prejudicado pela incerteza generalizada quanto ao percurso futuro da política do clima. Um acordo europeu sobre como estabilizar o preço do carbono poderia ajudar a catalisar projetos privados.

    No nível nacional, esquemas estáveis e bem concebidos para aumentar a eficiência dos sistemas de aquecimento residencial também seriam úteis. Em termos mais amplos, clareza e previsibilidade na regulamentação são essenciais para o investimento privado.

    A resposta também é em parte financeira. Na Europa, o boom de investimento em imóveis anterior à crise foi alimentado por fluxos irresponsáveis de crédito do norte para o sul da Europa. Depois disso veio um racionamento de crédito, quando os bancos começaram a reduzir seus balanços sobrecarregados e foram desencorajados de realizar operações de risco.

    Além disso, o dinheiro fluiu de volta da periferia em crise para o norte da Europa. Como resultado, o crédito para, digamos, uma pequena companhia espanhola não é fácil nem tampouco abundante.

    AÇÃO IMEDIATA

    Isso pede ação imediata. Transferir os atuais portfólios de empréstimos a investidores não bancários, como sugerem muitos, é uma solução que deveria ser encorajada. Para além de soluções provisórias e de curto prazo, a prioridade deveria ser encorajar a retomada dos fluxos de poupança em toda a Europa, mas dessa vez na forma de capital acionário e não de depósitos e empréstimos bancários.

    Para isso, a Europa necessita de uma estrutura regulatória e tributária adequada. As instituições oficiais também precisam se envolver de maneira adequada. Estranhamente, o Banco de Investimento Europeu, o braço financeiro da União Europeia, só tem autorização para oferecer garantias de empréstimos, e não para realizar investimento de capital. É preciso encontrar substitutos.

    Existem, por fim, alguns campos nos quais governos nacionais poderiam agir diretamente. A infraestrutura é um exemplo, desde que o atual interesse por projetos de investimento não seja usado como desculpa para reanimar o amor europeu pelos elefantes brancos.

    Isso bastará? É difícil saber. A União Europeia enfrente a necessidade de encontrar um delicado equilíbrio entre a necessidade de fomentar investimentos e a necessidade de manter a cautela, especialmente quanto ao dinheiro público. Juncker, de sua parte, precisará exibir tanto firme resolução quanto julgamento sólido.

    JEAN PISANI-FERRY é professor da Escola Hertie de Governo, em Berlim, e comissário geral de Planejamento Político do governo francês. Foi diretor do Bruegel, instituto de pesquisa econômica sediado em Bruxelas.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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