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    Segundo banqueiro mais rico, Safra troca iate por discrição e banana

    SAMANTHA PEARSON
    DO "FINANCIAL TIMES"

    20/08/2014 02h00

    Alguns bilionários brasileiros são conhecidos por seus elegantes iates, outros por suas jovens mulheres com silicone e pelo seu estilo de vida extravagante. A marca registrada de Joseph Safra, no entanto, sempre foi o silêncio.

    Joseph, 75, judeu sefardita que chegou ao Brasil do Líbano como imigrante quando tinha pouco mais de 20 anos, é o segundo mais rico banqueiro do mundo, com fortuna de perto de US$ 16 bilhões, mas seu nome é muito pouco mencionado em seu país adotivo. E é assim que ele prefere.

    Como financista de confiança das caravanas de camelos, na era do Império Otomano, e guardiã dos segredos dos muitos ricos, de Genebra a São Paulo, hoje, a família Safra vem fazendo história discretamente no ramo bancário privado há mais de um século.

    Por isso, a decisão dele de bancar uma tentativa de tomada de controle acionário de US$ 1,25 bilhão, na semana passada, apanhou de surpresa o mundo dos negócios.

    O alvo era a Chiquita, uma produtora de bananas sediada nos EUA. As transações dos Safra costumam apanhar todo mundo de surpresa, exceto alguns confidentes bem informados, conhecidos por escapar aos observadores indiscretos ao se comunicarem por meio de mensagens grafadas em uma antiga escrita do Oriente Médio.

    Mastrangelo Reino - 4.mai.11/Folhapress
    O bilionário brasileiro Joseph Safra, 75, que, em parceria com a Cutrale, fez oferta pela empresa de Chiquita
    O bilionário brasileiro Joseph Safra, 75, que, em parceria com a Cutrale, fez uma oferta pela Chiquita

    Quando a Chiquita e a Fyffes, da Irlanda, estavam a ponto de concluir uma fusão avaliada em US$ 1 bilhão, Joseph e a família Cutrale, os maiores produtores de laranja brasileiros, chegaram com uma oferta de aquisição da companhia norte-americana por US$ 610,5 milhões em dinheiro e mais o valor das dívidas da companhia, que eles assumiriam.

    A Chiquita rejeitou a proposta na quinta-feira, mas o soberano do império Safra não deve se deixar dissuadir com facilidade.

    A oferta capturou a imaginação do mundo dos negócios, para o qual as bananas há muito são fonte de fascínio. Como a família Safra, a fruta mais cultivada do planeta foi afetada por guerras, disputas de comércio internacional e escândalos.

    De fato, Joseph nem sempre conseguiu se manter distanciado das intrigas do mundo do poder e do dinheiro. Ficou incomodado quando o nome Safra foi vinculado ao investimento de dinheiro de clientes no esquema de pirâmide de US$ 65 bilhões comandado por Bernard Madoff, que desabou em 2009.

    Uma década antes, sua família teve de enfrentar um perturbador mistério quando o irmão dele, Edmond, foi morto em um misterioso incêndio criminoso em sua cobertura em Monte Carlo.

    O império bancário dos Safra foi criado na Síria pelo tio-avô de Joseph, Ezra, que financiava o comércio entre o Ocidente e o Oriente. Nos anos 20, o pai de Joseph, Jacob, abriu um banco no vizinho Líbano, instilando uma filosofia de cautela que vem tipificando as operações dos Safra desde então.

    Mesmo a oferta pela Chiquita, aparentemente uma jogada audaciosa, foi analisada extensamente e lançada em momento cuidadosamente calculado. Os Cutrale, amigos próximos dos Safra, estavam havia muito interessados em uma aquisição, mas só decidiram agir quando um tribunal dos Estados Unidos pôs fim a um processo relacionado a transações entre a Chiquita e uma milícia de direita na Colômbia, de acordo com pessoas conhecedoras da transação.

    A cautela que caracteriza os Safra não foi exibida pela família nos anos imediatamente posteriores à Segunda Guerra Mundial. Com o surgimento do Estado de Israel e a perseguição aos judeus de Beirute, Jacob buscou refúgio no Brasil.

    "Meu pai achava que a Terceira Guerra Mundial não demoraria a começar", disse Joseph certa vez.

    O irmão dele, Edmond, sete anos mais velho, rapidamente avançou, estabelecendo bancos em Genebra e em Nova York. Os Safra pareciam dotados do toque de Midas. Como eles gostavam de apontar, seu sobrenome em árabe quer dizer "amarelo" e, em uma interpretação otimista, "ouro".

    Mas a história de Edmond terminou abruptamente quando ele morreu asfixiado no banheiro de seu apartamento. Embora sua enfermeira norte-americana tenha sido condenada, em 2002, por iniciar o incêndio fatal, nem mesmo os amigos da família pareciam convencidos de sua culpa. Todo mundo, da máfia russa a extremistas islâmicos, tornou-se alvo de suspeitas.

    Na capital dos negócios brasileira, é sabido que Joseph, compreensivelmente, passou a se preocupar ainda mais com a segurança. Mas hoje em dia sua família emprega brasileiros, e não mais antigos agentes do Mossad, como guarda-costas, declarou em uma rara entrevista.

    Tendo optado por fazer fortuna no Brasil, hoje ele é a segunda pessoa mais rica do país. Seu conservadorismo fez de Joseph alvo de piadas da parte de banqueiros mais audaciosos; ele é a espécie de financista que só empresta a pessoas que não precisam de dinheiro, disse desdenhosamente um desses rivais em entrevista. O grupo de investimento Safra tem mais de US$ 200 bilhões sob administração, de imóveis e bancos a telecomunicações, e, se seus planos derem frutos, bananas.

    É uma fortuna que ele está transferindo aos filhos (ele e a mulher, Vicky, têm três filhos e uma filha). Joseph planejava se aposentar alguns anos atrás –mas eclodiu a crise financeira mundial e com ela alegações de que alguns clientes do grupo Safra haviam sido enredados na teia fraudulenta de Madoff. Seguiram-se descrença, raiva e processos judiciais.

    CORINTHIANS

    Depois de meio século no Brasil, José, como ele gosta de ser chamado, é ávido entusiasta do futebol, torcedor do Corinthians. Tão cauteloso em sua vida pessoal quanto nos seus negócios, Safra nada regularmente em sua propriedade no bairro do Morumbi para manter a boa forma cardíaca.

    "Se eu pudesse voltar no tempo, não teria construído uma casa tão grande", disse certa vez, dizendo se sentir culpado por viver em um palácio enquanto tantas famílias sofrem pobreza.

    Joseph prefere não gastar seu dinheiro para sua diversão pessoal. De acordo com a revista "Época", se o casamento de um de seus executivos enfrenta problemas, ele ocasionalmente compra joias para a mulher do subordinado para se desculpar por manter o marido no escritório por tantas horas.

    O banqueiro também bancou a construção de uma luxuosa sinagoga em São Paulo e doou esculturas de Rodin a uma das galerias públicas de arte da cidade. Seu presente mais extravagante, porém, talvez tenha sido o manuscrito original da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, que ele doou ao Museu de Israel em Jerusalém.

    Ele nunca demonstrou o mesmo interesse de seus colegas bilionários por iates. Para ele, o império bancário Safra é a única embarcação que interessa e deve ser conduzida com cuidado, e não por prazer. O conselho de seu pai se tornou o lema do grupo: "Se você escolhe navegar os mares das finanças, construa um banco como construiria um barco, com a força para navegar em segurança em meio às maiores tormentas".

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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