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    Pesquisa expõe contradições econômicas e sociais da favela

    JOANA CUNHA
    DE DE SÃO PAULO

    23/08/2014 02h00

    "A favela é o lugar onde o Estado não se instalou." "67% dos habitantes da favela são negros." "Nas favelas brasileiras, 47% das famílias já têm TV de tela plana." "Metade dos habitantes ouvem samba ou pagode."

    Essas são algumas das constatações do primeiro livro sobre as favelas do país baseado em estatísticas do Data Favela, braço do instituto Data Popular sobre o tema. Os capítulos descrevem singularidades do cotidiano destes locais, que os autores consideram "um território pouco explorado da cidadania".

    Em "Um País Chamado Favela", de Renato Meirelles e Celso Athayde, há dois tipos de homem: o do asfalto e o da favela, dicotomia sugerida no texto de apresentação do rapper MV Bill e endossada em declarações de Luciano Huck, que completa a atmosfera pop da abertura do livro.

    Os próprios autores são um homem do asfalto –Meirelles, presidente do Data Popular– e um da favela –o ativista Athayde– que superam suas diferenças culturais para exaltarem as relações pessoais e a solidariedade das favelas, argumentando que "o asfalto, muitas vezes afogado em interesses mesquinhos, precisa importar saberes e valores da favela".

    RADIOGRAFIA

    A obra, porém, não se limita a homenagear manifestações de cultura e ativismo, apesar de ser esse o tom que prevalece. Promete e entrega a radiografia completa de uma parte da população que foi introduzida ao mercado consumidor na última década, atraindo a atenção de fabricantes e publicitários.

    Os 11,7 milhões de habitantes das favelas movimentam R$ 63 bilhões por ano.

    Após entrevistar 2.000 pessoas em mais de 60 favelas brasileiras, os pesquisadores concluíram que a média salarial de seu morador subiu de R$ 603 em 2003 para R$ 1.068 no fim de 2013. Para o Brasil, o avanço da renda foi menos acelerado, de R$ 1.172 para R$ 1.616.

    O nível de bancarização (41%) deles, porém, ainda é inferior ao total do país (53%).

    Uma das consequências disso é que eles têm menos dívidas de financiamento, compra a prazo ou empréstimos. Só 35% carregam na carteira pelo menos um cartão de crédito próprio, ante 49% no Brasil como um todo.

    Aproximadamente 53% dos moradores de favela já passaram fome alguma vez na vida. Em 2013, 76% consideravam que a vida melhorou, mas tal superação não é atribuída ao governo.

    Conforme o estudo, 42% relatam que o salto se deve ao esforço pessoal. Outros 54% atribuem a dádiva divina e apoio familiar.

    A realidade, aponta o livro, é que a mudança se deve ao trabalho dos moradores destes núcleos urbanos, em que 49% já têm carteira assinada no emprego privado. E o empreendedorismo brota como alternativa para movimentar e manter o recurso dentro da comunidade, desenvolvendo a economia local.

    Cerca de 20% dos brasileiros que vivem aí se sustentam do que alavancam em pequenos negócios.

    Além de projetos de albergues para turistas interessados nas paisagens dos morros ou o desenvolvimento de centros comerciais erguidos a partir do talento empreendedor de um ex-camelô, o livro cita o avanço de cabeleireiros e padarias locais.

    Mas as agruras estruturais de segurança e saneamento atravancam o desenvolvimento. Mais de 70% dos moradores ainda precisam se deslocar até outro bairro para comprar calçados, roupas e eletrônicos.

    Os autores ainda se deparam com uma longa estrada para quebrar o estereótipo que eles acusam ser imaginado pelo homem do asfalto: "O receituário de estigmatização do conjunto dos pês: pretos, pobres, proletários privados da propriedade".

    Mas, além da extensa pesquisa, o livro contribui, sobretudo, pelo esforço em traduzir a visão humana da favela, ao rejeitar a abordagem mais comum entre institutos de pesquisa que as conceituam como "aglomerações urbanas subnormais".

    UM PAÍS CHAMADO FAVELA
    AUTORES Renato Meirelles e Celso Athayde
    EDITORA Gente
    QUANTO R$ 29,90 (168 págs.)
    CLASSIFICAÇÃO bom

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