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    Leia colunas que Antônio Ermírio de Moraes escreveu para a Folha

    25/08/2014 08h34

    O empresário e presidente de honra do Grupo Votorantim, Antônio Ermírio de Moraes, 86, morreu de insuficiência cardíaca, em casa, em São Paulo, na noite de domingo (24).

    O executivo teve os diagnósticos de Alzheimer e hidrocefalia confirmados em 2006 e afastou-se da gestão do grupo em 2008.

    Durante 17 anos, Moraes escreveu uma coluna dominical para a Folha.

    Confira, abaixo, a última coluna do empresário para a Folha e, na sequência, outros textos publicados por ele no jornal.

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    Um agradável convívio

    SEMPRE ACHEI um enorme privilégio poder escrever em um jornal influente e independente e que presta tantos serviços à democracia brasileira como a Folha de S.Paulo.

    Ademais, gosto da palavra escrita. Meu professor de português do Ginásio Rio Branco, o velho Castelões, via nesse gosto uma possível carreira de escritor. Previsão errada, aliás, como fazem muitos economistas nos dias de hoje... Formei-me engenheiro e, como tal, passei a escrever mais números do que letras, até que o saudoso Octavio Frias de Oliveira abriu-me a página 2 da Folha. Era uma oferta de ouro para quem desejava debater com centenas de milhares de leitores os grandes temas nacionais. Aceitei na hora.

    Os primeiros artigos foram motivo para longas conversas com o querido Frias, nas quais íamos muito além dos temas, querendo consertar o Brasil e o mundo. Senti-me feliz na nova empreita. Mas faltava a prática. Minhas ideias não cabiam no espaço do jornal.

    Êta coisa irritante! Tive de aprender a pensar dentro da magreza da coluna. Mesmo assim, de quando em vez, protestava junto ao Frias, até que um dia ele me perguntou: por que você não escreve um livro para contar a sua vasta experiência de empresário, chefe de uma bela família e colaborador de tantas obras sociais? A pergunta me intrigou. Não sabia se era uma sugestão séria ou mera brincadeira. Fiquei com ela na cabeça. Lembrei-me do Castelões. Mas a mosca me mordeu. Pensei alguns dias e decidi: vou escrever uma peça de teatro. E acabei escrevendo três.

    Os atores amigos já tinham me falado que as ideias transformam-se em verdadeiros torpedos quando expostas num palco, com emoção, música, cenários e figurinos. Eles estão certos. Com essa moldura, elas penetram fundo e atingem a alma.

    Como aprendiz de dramaturgo e na forma de ficção, procurei passar para o público, e em especial para a juventude, a minha infinita crença nos valores da humildade, do trabalho, da educação, da ética, da liberdade, da democracia e, enfim, em tudo aquilo que meus pais me ensinaram e eu nunca esqueci.

    De maneira muito modesta, no jornal e no teatro, nas empresas e nas obras sociais, esforço-me para exercer a cidadania, fazendo propostas, criando empregos e ajudando os necessitados. Para os artigos, meus leitores me alimentam com excelentes sugestões. Sou muito grato a todos.

    Otavio Frias Filho, ao suceder seu pai no jornal, acolheu-me com a mesma amabilidade, fazendo-me sentir parte da família Frias. Gente generosa. Competente. Patriótica.
    Sou grato a todos, inclusive aos funcionários da Folha, de quem espero igual apoio na inauguração de uma nova fase, na qual pretendo escrever ocasionalmente, mas com o mesmo propósito: ajudar a construir um Brasil melhor.

    Coluna publicada em 04 de janeiro de 2009

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    O apelo de Obama

    GOSTEI DAS primeiras palavras do presidente eleito Barack H. Obama. Na noite da sua eleição, ele pediu a ajuda do povo americano para enfrentar uma quadra de sacrifícios.

    É claro que esse pedido não cabia no desenrolar da campanha eleitoral, quando os candidatos normalmente prometem apenas bons tempos. Mas, naquela noite, ele mudou seu semblante, deixou o sorriso de lado e fez esse sério pedido, antes mesmo de agradecer quem o elegeu.

    Do outro lado, o candidato derrotado, John McCain, de maneira elegante, reafirmou seu patriotismo ao pedir ao povo a mesma coisa, ressaltando ainda sua disposição de ajudar Obama em tudo o que for necessário, inclusive na fase de sacrifícios.

    Dou importância a esses apelos, porque o povo americano foi acostumado –mal acostumado– a gastar muito acima do que ganha. Foi essa sedução pelo endividamento que instigou o mercado financeiro a criar uma montanha de papéis envenenados que provocaram a bolha que explodiu com impacto no mundo inteiro.

    A superação da crise exige um outro estilo de vida, no qual cada um terá de viver com o que tem.

    Os europeus e os japoneses, assim como outros povos que sofreram as agruras das guerras, aprenderam a viver sobriamente. É isso o que se espera dos americanos, porque a crise do momento equivale a uma verdadeira guerra. Houve destruição de grandes fortunas, algumas virtuais, outras reais, e, como tal, deixarão de se transformar em investimentos por um bom tempo.

    Reduzindo-se o investimento, reduzem-se o emprego e a renda, o que gera sérios problemas sociais, para os quais o governo não pode dar as costas. Nas recessões profundas, o trabalho que é feito por uma pessoa tem de ser feito por duas –cada uma trabalhando em tempo parcial e com salário menor. É a regra da solidariedade.

    As pessoas se sacrificam para salvar a comunidade e reconstruir a economia.

    O governo brasileiro promete um cenário menos dramático. Oxalá isso ocorra! Mas não devemos desconsiderar a necessidade de fazermos o nosso próprio sacrifício. Sacrifício esse que tem de começar pelo governo, que gasta pouco com investimentos em infra-estrutura e demais com o custeio do seu quadro e com despesas (propaganda, viagens, consultorias etc.) que podem ser adiadas.

    Não há por que temer uma redução do consumo no Natal se isso vier para a preservação do emprego e para a melhoria da infra-estrutura. O tempo é de sacrifício mesmo. Mas, com isso, voltaremos a crescer.

    Coluna publicada em 09 de novembro de 2008

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    Água: para ser levado a sério

    AS MUDANÇAS climáticas tomaram conta do noticiário dos últimos meses. Relatórios da ONU e de comissões de recursos naturais trouxeram dados preocupantes. O que se considerava uma hipótese, hoje é séria ameaça ao planeta se o comportamento humano continuar o mesmo.

    Vejamos o caso da água. O Brasil é um país privilegiado. Não só possuímos uma grande quantidade de bacias hidrográficas como dispomos de um regime de chuvas que tem favorecido o trabalho e a vida nesta parte do planeta. Os últimos 24 meses, por exemplo, apresentaram resultados bastante satisfatórios na maioria das regiões do país.

    Enquanto isso, os Estados Unidos estão vivendo um verdadeiro inferno astral. Em reportagem publicada no dia 8 passado, o jornal "USA Today" anuncia uma "seca para as calendas".

    Um país que depende tanto da sua agricultura, e que usa a água de forma abundante e até excessiva, vê um terço de seu território atacado por forte seca.

    A prolongada escassez de chuvas ameaça a nação. Os Estados da Califórnia e de Nevada tiveram o mais seco mês de maio desde 1924, e junho promete ser igual, o que está obrigando os pecuaristas a vender o gado. A Flórida, um quase-paraíso das águas, tem vários lagos completamente secos. No Alabama, a cultura do milho está severamente prejudicada. O prefeito de Los Angeles já deu o alerta: pediu para a população economizar, no mínimo, 10% de água todos os dias.

    Está aí um exemplo para colocarmos as nossas barbas de molho. Até agora, foi tudo bem. As chuvas molharam bem as plantas e ajudaram a encher vários reservatórios das usinas de energia elétrica. Alguns tiveram que abrir as comportas para equilibrar o seu nível.

    Mas não se pode contar com isso eternamente. Os que ainda pensam que a água é um recurso ilimitado e eterno estão enganados. Veja o que acontece nas zonas urbanas. Nossos mananciais já deram alguns gritos de agonia. Estivemos à beira do racionamento por inúmeras vezes. E, enquanto isso, vejo pessoas lavando calçadas com esguicho, esbanjando água potável, que custa muito para ser tratada e está em vias de faltar.

    Não há atividade humana que, direta ou indiretamente, não dependa da água. E a mais essencial de todas, a produção de alimentos, é a que mais consome o precioso líquido.

    Se os dados estão reafirmando as mudanças climáticas, ainda que por trás deles haja alguns elementos de incerteza, é hora de levarmos muito a sério o uso da água. A esta altura já devíamos ter implantados nos programas escolares disciplinas específicas para informar as crianças e formar novos hábitos. É do seu comportamento que vamos ter de contar no futuro.

    Coluna publicada em 17 de junho de 2007

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    Criar empregos construtivos: prioridade nº 1

    O BRASIL não consegue crescer e combater a inflação. Ou faz uma coisa, ou faz outra. Essa tem sido a nossa trajetória nos últimos dez anos. No ano passado, comemoramos o alcance da meta de inflação (5,1%), mas tivemos de amargar um crescimento ridículo (2,3%). Para 2006, igualmente, será mais fácil controlar a inflação do que acelerar o crescimento. Se o Brasil continuar nesse ritmo, adverte um estudo da CNI, o país levará cerca de cem anos para chegar à renda da Coréia do Sul!

    O que impede os economistas de implementar modelos que resolvam os dois problemas ao mesmo tempo? Afinal, tantos países fizeram isso –e com grande sucesso. Não é preciso sair da América Latina para recolher exemplos. O do Chile é o mais eloqüente.

    Os próprios economistas, porém, estão cansados de alertar para o fato de que, sem um severo controle do déficit público, não se chega a crescimento com preços estáveis. Nesse sentido, o país progrediu pouco. Nos últimos anos, houve até retrocesso. As despesas públicas explodiram e os investimentos minguaram.

    Os dados são preocupantes. Em 2005, as despesas de custeio do governo federal chegaram a R$ 64 bilhões, enquanto os recursos alocados em investimentos ficaram em R$ 16 bilhões. Isso é um absurdo. O que o governo gastou na compra de material, pagamento de serviços de terceiros, cafezinhos e viagens foi quatro vezes mais do que investiu em rodovias, saneamento e energia elétrica ("Governo gasta com a máquina quatro vezes o que investe", "O Estado de S. Paulo", 20/03/ 2006).

    Apesar do discurso de austeridade econômica, os dados indicam que, só no ano passado, os gastos de custeio da máquina pública cresceram 29%. Assim não há bolso que agüente para pagar tributos ao governo, que, aliás, bate recordes de arrecadação todos os meses. Qualquer empresa que praticasse o expediente de gastar mais do que ganha estaria quebrada há muito tempo.

    Se há uma reforma a ser feita com a máxima urgência é a da área fiscal. Esta, a propósito, não exige mudança na Constituição Federal nem confrontos desgastantes entre os parlamentares. É o tipo da reforma que, no jargão atual, depende da chamada "vontade política".

    Um arrocho nas despesas e um aumento na eficiência nos gastos permitiriam reduzir drasticamente a relação entre a dívida pública e o PIB, que, hoje, está em torno de 52%. Um estudo da Fiesp indica que, se essa relação passasse para 25% em 2015, a taxa de crescimento do PIB brasileiro saltaria dos atuais 2,3% para 7% naquele ano, o que representaria uma média anual de 5,7%.

    Aí, sim, se poderia pensar em emprego e renda adequados para os que entram e para os que estão no mercado de trabalho. Ademais, essa seria a taxa compatível com a abundância de recursos naturais de que o Brasil dispõe e com a capacidade de trabalho da nossa gente. Para os que gostam do jargão, vou repetir: essa travessia depende só de vontade política. Criar empregos construtivos, sim. Empreguismo, não.

    Coluna publicada em 02 de abril de 2006

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    A enorme deficiência do nosso ensino

    UMA NOVA publicação do Ipea ("Radar Social", 2005) confirma o precário quadro da educação brasileira. Apesar de 97% das crianças entre 7 e 14 anos estarem na escola, os problemas são preocupantes.

    Em pleno século 21, cerca de 15 milhões de brasileiros são analfabetos. Isso é um absurdo. Ademais, as taxas de reprovação continuam muito altas: menos de 70% dos que se matriculam no ensino fundamental chegam à 8ª série. Menos de 41% dos adolescentes de 15 a 17 anos estão na série adequada à sua idade –os demais estão atrasados. Entre as crianças até 6 anos, apenas 37% vão a escolas públicas ou privadas.

    Quanto à qualidade do ensino, o quadro é desalentador. Quando se examina o domínio da linguagem, cerca de 55% dos alunos da 4ª série estão nos estágios crítico ou muito crítico por apresentarem deficiências de leitura e de interpretação de textos simples. No campo da matemática, o problema é mais grave: 57% dos alunos da 8ª série e, pasmem, 69% dos alunos da 3ª série do ensino médio também estão com enormes deficiências em função da enfermidade curricular.

    Educação é qualidade. Educação sem qualidade não é educação, é "enganação". Nesse sentido, merece aplauso o programa "São Paulo é uma Escola", recém-lançado pela prefeitura da capital. As crianças estão ficando na escola em tempo integral. Pela manhã, têm aulas, e à tarde fazem as lições de casa com a ajuda de professores. Trata-se de uma sábia estratégia, pois, se o quadro educacional é tão precário, é evidente que nele estão incluídos os pais dessas crianças que, mesmo querendo, não têm condições de ajudá-las nos deveres de casa.

    Além dessa importante complementaridade, o novo programa vai cuidar da saúde e da alimentação das crianças e, ademais, colocá-las fazendo teatro e esportes, ouvindo música, visitando museus e centros culturais.

    A capital de São Paulo possui uma rede de equipamentos públicos bastante satisfatória no campo educacional, mas a educação não se resume a prédios. A peça fundamental é o professor bem preparado e estimulado para atender as crianças. Em boa hora, o projeto da prefeitura colocou professores nos dois períodos e, em termos de equipamentos, fará convênios com igrejas, fundações, empresas, sindicatos e organizações não-governamentais não só para usar as facilidades mas, sobretudo, para envolvê-las na mesma cruzada.

    O "São Paulo é uma Escola" já funciona nos 21 Centros Educacionais Unificados (CEUs) e entrou em fase experimental em escolas tradicionais da rede municipal. Até o fim do ano, a prefeitura pretende atender cerca de 100 mil alunos e, oxalá, dentro em breve, consiga atender as 480 mil crianças do ensino fundamental.

    Esse é o tipo de esforço que merece o nosso aplauso e o apoio de toda a sociedade. Numa situação tão dramática como a brasileira, não basta pagar impostos. É preciso cobrar a utilização inteligente desses recursos e ajudar em tudo o que for possível para formarmos uma geração bem-educada para progredir na vida e alavancar o desenvolvimento deste país.

    Coluna publicada em 16 de junho de 2005

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    A verdadeira responsabilidade democrática

    VOCÊ QUE é eleitor da capital de São Paulo, já votou? Parabéns! Qualquer que tenha sido o seu candidato, você cumpriu com o seu dever. O voto é o primeiro passo para a construção de uma democracia.

    Mas, se você não votou, não deixe de votar. Mesmo que tenha planos de passeio, vote primeiro, viaje depois. Faça isso. Não podemos deixar de manifestar a nossa opinião, pois é aqui que vivemos e é aqui que sofremos. Para poder reclamar, temos a obrigação de votar.

    A colocação do dia da eleição no meio de tantos feriados precisa ser repensada. No meu entender de cidadão que está dispensado de votar (devido à idade), mas que vota por responsabilidade, os legisladores deveriam examinar bem o calendário antes de decidirem por esse ou por aquele dia, evitando que as eleições caiam no meio de feriadões.

    No caso de São Paulo, houve uma ação deliberada da prefeitura do município em espichar o mais possível o presente feriadão. O Dia do Funcionário Público (28 de outubro) foi movido de quinta-feira para sexta-feira. O dia 1º de novembro foi decretado ponto facultativo. Chegamos, assim, a cinco dias de folga: sexta, sábado, domingo, segunda e terça (2 de novembro).

    Não quero julgar a intenção desses expedientes. Penso, porém, que todos os cidadãos que acreditam na democracia, que cultivam a democracia e que desejam democracia têm a obrigação de preservar por todos os meios a sobrevivência desse sistema. Para o governante, isso não é apenas um dever democrático, mas uma responsabilidade de dirigente.

    O que se espera dos governantes é que criem todas as facilidades para que os eleitores compareçam às urnas e manifestem a sua vontade. O que não se espera é que criem dificuldades para votar ou incentivos para se ausentar. Penso que a lei deveria conceder ao Tribunal Regional Eleitoral –na sua responsabilidade de permanente vigilância em favor da boa democracia– o direito de mudar o dia da eleição em casos de calamidade pública e de solapamento das condições para o supremo exercício do voto.

    Mas deixemos isso de lado. Cada um se revela de acordo com aquilo que tem no fundo de seu coração. Para os que amam e veneram a democracia, tudo é feito para estimular o voto e apoiar o eleitor. Para os que se agarram no carreirismo político, tudo se justifica para garantir a vitória imediata.

    De qualquer maneira, hoje é dia de festa. É a festa democrática na qual o povo ordeiramente é convidado a dizer o que deseja. Espero que as eleições neste segundo turno em São Paulo e nas demais cidades do Brasil ocorram como as do primeiro turno –em paz– e com o máximo respeito a um regime que pode ter todos os defeitos do mundo, mas é ainda o melhor de todos.

    Coluna publicada em 31 de outubro de 2004

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    2004: educação, o fator decisivo

    CHEGAMOS ao fim de um ano duro. Felizmente, os futurólogos falam de tempos melhores em 2004.

    Os dados da área internacional são animadores. Os EUA parecem ter entrado numa rota de crescimento sólido na qual ganharão trabalhadores, consumidores e empresários, com aumento de investimentos e empregos.

    A virada no mercado de trabalho já começou. O país está gerando cerca de 125 mil postos de trabalho por mês, podendo chegar a 150 mil a partir de janeiro. Os mutuários de crédito imobiliário substituíram os empréstimos contraídos a 10% ou 12% ao ano por empréstimos a 4% ou 5% anuais, como consequência da taxa básica de juros, que está em 1% ao ano.

    Só esse refinanciamento liberará um colosso de recursos para o consumo. Aliás, o índice de confiança dos consumidores neste fim de ano saltou para 91,7%, subindo dez pontos percentuais em um semestre. Um recorde.

    A animação dos consumidores é propelida não só pelas baixas taxas de juros, mas também pela redução de impostos praticada pelo governo federal, em especial a do Imposto de Renda. Os americanos começam a receber de volta o que pagaram em excesso no ano passado. Isso também injeta enormes recursos no consumo doméstico.

    A desvalorização do dólar em relação ao euro está impulsionando as exportações em direção à Europa, o que, evidentemente, ativa ainda mais a economia americana. E, no médio prazo, acabará ativando também a economia européia, pelo efeito que terá na aceleração das reformas previdenciária, trabalhista e tributária que estão em curso, elevando a eficiência da Europa. O mesmo poderá ocorrer com o Japão.

    Em suma, o cenário internacional desponta como risonho e franco para 2004. Infelizmente, isso não é sinônimo de prosperidade generalizada. O boom americano e as boas perspectivas da Europa e do Japão acontecem em um mundo onde os 20% mais ricos detêm nada mais, nada menos do que 82,7% da renda, e os 20% mais pobres, mísero 1,4%. É uma selvageria, que atinge o Brasil em cheio. Aqui, os 20% mais ricos têm 64,1% da renda e os 20% mais pobres, 2,2%. Isso conspira contra o crescimento sustentado.

    A desigualdade está sendo brutalizada pelo avanço da globalização. O que fazer? Nesse campo, temos de ser realistas e, em lugar de simplesmente protestar contra ela, observar e fazer o que outros países –por exemplo, as nações do Sudeste Asiático– fizeram para tirar vantagem desse processo. A educação foi a pedra fundamental.

    Precisamos saltar rapidamente dos 4,5 anos de escola –que é a média de educação da força de trabalho do Brasil– para gradativamente chegarmos, em dez anos, à média dos Tigres Asiáticos. Só assim poderemos acompanhar as novas tecnologias e métodos de produção e tirar vantagem deles para, com isso, participar do espetáculo do crescimento mundial.

    Com esse sonho em mente, torcendo para que o nosso país considere a educação a principal prioridade desta nação, desejo a todos os meus leitores um Brasil mais responsável e próspero para 2004.

    Coluna publicada em 28 de dezembro de 2003

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    Nas barbas dos vereadores

    COITADO do Zeppelin. Caiu num buraco no centro da capital de São Paulo e ali morreu. Não é para menos. A caverna tinha cinco metros de diâmetro e cinco de profundidade. É uma herança que vem de longe. Um funcionário da prefeitura, que se diz conhecedor de todos os buracos da cidade (deve ser um homem-enciclopédia), garante que o "túmulo" foi aberto no tempo do prefeito anterior, ou seja, está lá há mais de um ano, bem embaixo do prédio da Câmara Municipal, nas barbas dos 55 vereadores da cidade ("Jornal da Tarde", 6/2).

    O Zeppelin era morador de rua, como milhares de outros que vivem sob os viadutos, onde dormem, cozinham e lavam roupa. Segundo testemunhas, o pobre homem morreu quando puxava umas tábuas para fechar o buraco e, com isso, proteger a vida dos pedestres desavisados. Foi por causa da sua preocupação com o próximo que, ao dar um passo em falso, a calçada cedeu, e ele caiu no buraco.

    Tudo aconteceu na madrugada da última terça-feira. Ninguém sabe o nome dele. Tinha cerca de 40 anos bem sofridos. Vagava pelas ruas do centro, catando papel e vendendo o que podia. Os que o conheciam nunca o viram cometendo atos de agressão, violência ou vandalismo. Perto de onde morreu, ele mesmo havia desenhado uma pomba branca sob a qual escreveu a palavra "paz".

    O Zeppelin era muito querido entre os demais moradores de rua. Tanto que um dos seus amigos se apressou em colocar uma cruz de madeira no local do infortúnio. Ali jaz o Zeppelin, morto pelo descaso governamental em uma cidade que tem o recorde de buracos por metro quadrado –e de todos os tamanhos e formas: trapezoidais, retangulares, esféricos e até crateras.

    Além de tantos buracos, vêem-se a escalada das pichações que emporcalham as paredes e pontes, as grades arrebentadas nas divisórias das avenidas, os camelôs que dominam os melhores pontos-de-venda, a sujeira jogada por todos os cantos do centro, as roupas íntimas estendidas em praças públicas, os banhos que são tomados em chafarizes de ornamentação. Enfim, um abandono que só aumenta à medida que o tempo avança.

    Sem nenhuma conotação política –e sim como observação de um paulistano–, não foi isso que os novos administradores, inclusive os vereadores, prometeram ao povo? Todos garantiram tornar a cidade limpa, com os jardins bem arrumados, os camelôs afastados da concorrência desleal aos comerciantes-contribuintes e assim por diante –cenários que os mesmos administradores devem observar com frequência nas repetidas visitas que fazem às cidades civilizadas do mundo.

    Passei pelo buraco ainda ontem. Foi cercado por um tapume vermelho. Esperaram o Zeppelin morrer para tomar uma providência tão corriqueira. Pobre Zeppelin. Pobres munícipes.

    Coluna publicada em 10 de fevereiro de 2002

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    Turismo e educação

    PASSEI QUATRO fins-de-semana no Nordeste. Comecei por Fortaleza, depois Natal, em seguida, Recife e Salvador.

    Nada melhor para mudar o catastrofismo de muitas pessoas do que viajar por aquelas paragens. É ali que se vê o quanto este país tem de peculiar e de promissor. No caso do Nordeste, o que mais salta aos olhos é a sua enorme vantagem comparativa no campo do turismo. São belezas muito especiais, tanto naturais como culturais.

    Notei um grande avanço no turismo nas localidades que visitei. Turista não gosta de sujeira, de mau cheiro, de lixo espalhado nem, muito menos, de ruas esburacadas e de praças abandonadas. Pois bem. Tudo isso está sendo bem equacionado nas cidades mencionadas. Parabéns às autoridades que vêm mantendo as ruas e praças bem tratadas.

    Aliás, o "Estado de S. Paulo" publicou, recentemente, extensa reportagem na qual alemães, americanos, italianos, portugueses, holandeses, escandinavos e outros começam a notar a melhoria do saneamento, dos hotéis e da infra-estrutura das zonas hoteleiras do Nordeste. Isso é animador, pois a divulgação na base do boca-a-boca também é importante para atrair turistas estrangeiros para o Brasil.

    O turismo nacional já deu uma guinada positiva. Em 1996, a proporção era de 60% de visitantes estrangeiros para 40% de brasileiros. Hoje em dia, essa proporção inverteu-se. Os brasileiros estão descobrindo as belezas do seu próprio país para descansar e para se divertir.

    Mas estamos muito longe das condições ideais para ter uma indústria de grande porte no campo do turismo. Educação é uma restrição séria; segurança é outra; os preços de hotéis e passagens são inacessíveis para muita gente.

    As grandes cadeias de hotéis descobriram que o seu maior potencial de crescimento está no Brasil, pois, tanto os Estados Unidos como a Europa e a Ásia atingiram uma saturação e até mesmo uma estagnação dos negócios de hotelaria. Esses mesmos investidores levantam a pouca educação e a baixa qualificação da mão-de-obra como sério obstáculo.

    Na reportagem citada, muitos administradores de hotéis dizem que recrutam rapazes e moças que perguntam por que é preciso usar o pires com a xícara. Na maioria dos casos, o problema é de educação básica, o que impõe treinamentos em matéria de higiene pessoal –sem falar nos padrões comportamentais que são esperados pelos hóspedes, incluindo, aqui, o domínio de uma língua estrangeira e bons conhecimentos da geografia e da história locais.

    Os investimentos em educação e qualificação nesse campo são críticos. O que é feito pelas escolas atuais ainda é muito pouco para as necessidades e para a potencialidade do setor. Afinal o turismo é uma grande fonte de empregos. No Brasil, apenas 2% da força de trabalho é ocupada nesse setor. Temos tudo para atingir, e até ultrapassar, os 10%, que é a média mundial. Educar é o mais urgente primeiro passo.

    Coluna publicada em 08 de abril de 2001

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    A luta contra a mediocridade

    EM MATÉRIA de educação, o Brasil conseguiu vencer a batalha da quantidade ao matricular 96% das crianças na escola.

    Nos últimos cinco anos, o número de alunos do ensino fundamental saltou de 32 milhões para 36 milhões. No ensino médio, o salto foi de 5 milhões para quase 8 milhões.

    Mas, ao lado disso, constatou-se uma grave deterioração da qualidade do ensino em todo o país, o que atingiu as escolas públicas e privadas.

    Segundo pesquisas recentes, os nossos alunos estão chegando à 8ª série com conhecimentos de 4ª série. No ensino médio, o problema é igualmente grave. Grandes parcelas dos nossos estudantes não sabem calcular médias aritméticas, ignoram como tirar percentagens, são incapazes de identificar o argumento de um texto e até mesmo de compreender o que lêem. Em suma, o ensino piorou.

    Em recente avaliação, realizada através de uma bateria de testes, os alunos obtiveram uma média de apenas 280 pontos em matemática, dentro de uma escala que vai de 0 a 475 pontos. Em português, a média não passou de 266, em uma escala de 0 a 400 pontos. O pior é que essas médias estão caindo a cada ano que passa ("Dados do Sistema de Avaliação da Educação, Brasília: Ministério da Educação, 2000").

    Isso é muito grave. Além das necessidades geradas pela vida moderna na construção da democracia, dos bons hábitos, do respeito humano e da cidadania, é impossível ignorar o rigor das novas exigências do mercado de trabalho. Atualmente, o que vale é o saber.

    Nos dias atuais, os bens e os serviços são hospedeiros de grande quantidade de conhecimentos.

    Tomem o caso do comércio internacional. Nesse campo, o Brasil importa bens e serviços de alta densidade de conhecimentos e exporta bens e serviços que carregam pouco saber. Os primeiros custam muito, os segundos, pouco. Essa é a realidade.

    Nenhum país pode crescer, prosperar, gerar empregos e melhorar a renda importando sabedoria e exportando mediocridade. O mundo moderno exige não apenas anos de escola, mas, sobretudo, anos de boa escola, durante os quais as pessoas se capacitem de forma efetiva para dominar o mundo das coisas e das idéias.

    Os resultados das pesquisas indicadas devem ser levados muito a sério. A matéria extravasa a competência do poder público. É bem provável que, para o governo, além de manter as escolas públicas, fique o importante papel de liderar uma grande mobilização de toda a sociedade para o país atuar, de forma convergente e continuada, em favor da melhoria da qualidade da educação.

    Com a crescente globalização e a elevação dos requisitos profissionais, esse é um desafio dos mais urgentes –é uma questão de vida ou morte.

    Coluna publicada em 3 de dezembro de 2000

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