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    Análise: Falta ousadia com a China

    MARCOS CARAMURU
    COLUNISTA DA FOLHA

    01/09/2014 02h00

    O Brasil acumula há vários anos um confortável superavit comercial com a China. Nossas exportações de commodities superam regularmente o valor das máquinas e equipamentos que dominam nossas importações.

    Segundo a Alfândega chinesa, de janeiro a julho, as exportações do país ao Brasil caíram 2,9% (para o resto do mundo, houve crescimento de 3%) e as importações aumentaram 7% (houve avanço de 1% do resto do mundo).

    O baixo investimento na economia brasileira explica a redução das vendas. Os processos antidumping, o último deles sobretaxando o porcelanato, também pesam.

    Ao mesmo tempo, o excepcional desempenho da soja ajuda a justificar o saldo. No primeiro semestre de 2014, 89% da soja importada pela China veio do Brasil, resultado ainda melhor do que o recorde registrado de janeiro a dezembro de 2013, quando o volume foi de cerca de 50%.

    Há explicações para o sucesso comercial dos produtos industriais chineses: custos de produção baixos, qualidade crescente, acesso a financiamento, estrutura tributária simples, boa logística.

    Muitos traders e empresas brasileiras viram as oportunidades e se instalaram na China apenas para importar ou passaram a manufaturar seus produtos em fábricas chinesas. Poucos investiram em produção própria. O Brasil avançou no país mais para comprar que para vender.

    Como o custo de produção chinês está subindo e o yuan inevitavelmente apreciará, alguma alteração de cenário haverá. Mas a margem de ganho de quem importa ou intermedeia importações tende a ser grande e aguenta cortes. Além disso, como não há perspectiva de redução do custo Brasil, comprar na China continuará bom negócio.

    Do lado de nossas exportações, há fatores a nosso favor. A China vai consumir crescentemente alimentos -até 2020, o país planeja urbanizar 100 milhões de pessoas.

    Os chineses não planejam autossuficiência em soja, apenas em trigo, arroz e milho. Portanto, o espaço da soja brasileira está garantido.

    As vendas de minério de ferro poderão sofrer impacto em preço e quantidade. Minério de ferro tem tarifa de importação de 2%.

    AUSTRÁLIA

    Os chineses negociam um acordo de livre-comércio com nosso maior concorrente, a Austrália. Ambos têm indicado que querem chegar a um entendimento até o fim do ano. Se o acordo isentará o minério australiano de tarifas e afetará as vendas brasileiras, é tema a acompanhar.

    As exportações brasileiras de carnes também eventualmente poderão sofrer algum impacto se o acordo Austrália-China chegar a bom termo. Frango estará a salvo.

    As vendas de carne bovina, não necessariamente -embora a expansão do consumo, por si só, garanta espaço ao produto brasileiro.

    A carne bovina brasileira entra majoritariamente na China por Hong Kong, sem tarifa nem exigências sanitárias. Tudo leva a crer que esse canal perdurará por anos. Não para sempre, contudo.

    Os chineses estão consolidando o setor de abate, frigoríficos e produção de alimentos industrializados. Devem levar mais alguns anos. Aí, poderão alterar o quadro de hoje, em que há tanta diferença no tratamento da carne importada para a China continental e da que entra pelo mercado de Hong Kong.

    Em 2013, a China registrou US$ 101 bilhões de investimentos diretos no exterior. Está à cata de quem produz o que os consumidores chineses querem comprar.

    Os investidores costumam ser agressivos se veem oportunidades. Quando a Nova Zelândia assinou um acordo com a China, os investimentos chineses na indústria leiteira neozelandesa ampliaram-se consideravelmente.

    A perspectiva é que cresçam as apostas na Austrália. Instituições financeiras de peso, como a China Investment Corporation (fundo soberano), já indicaram que entrarão no setor de alimentos.

    A grande pergunta, contudo, não está nos itens que já conquistaram o mercado chinês e sim nos que ainda não chegaram lá. Por que nossa pauta é tão reduzida? O que falta para entrarmos mais?

    Creio que faltam interesse, ousadia e estratégia.

    O interesse em exportar para a China ainda é limitado entre nós. Em muitos segmentos, o país ainda é um desconhecido, até porque, com exceção do minério de ferro, as commodities entram pela mão de traders estrangeiros, sem contato direto entre produtor e comprador.

    É possível entrar em um país com o excedente de produção ou vendendo pequenas quantidades a um atacadista ou distribuidor local. Mas, na China, isso está longe de conquistar terreno.

    Para estar lá -e para negociar com os distribuidores- é preciso desenvolver "branding", programar o ingresso nos grandes centros, nas cidades médias e produzir numa escala compatível com o tamanho do mercado, o que, para muitas empresas, é um desafio intransponível.

    A melhor estratégia é eleger produtos que a China tem perspectiva de importar no longo prazo (como alimentos processados) e formar parcerias com investidores chineses. Mas é possível chegar sem a mão de um local. Muitos estrangeiros, e raros brasileiros, fazem isso.

    O requisito básico é acreditar que no mercado chinês estarão algumas das oportunidades verdadeiramente interessantes que se podem apresentar para nós no contexto mundial. A questão é que essa convicção, forte na maioria dos países, está longe de ser consenso no Brasil.

    MARCOS CARAMURU DE PAIVA, diplomata, é sócio-gestor da KEMU Consultoria e vive no Leste Asiático, onde foi cônsul-geral do Brasil em Xangai e embaixador na Malásia

    Editoria de Arte/Folhapress

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