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    Análise: Tripé da economia precisa de uma reforma

    BRÁULIO BORGES
    DE ESPECIAL PARA A FOLHA

    02/09/2014 01h30

    Diante dos resultados econômicos ruins nos últimos anos, tem sido cada vez mais frequente o clamor por um "resgate" do chamado tripé de política macroeconômica, introduzido em 1999 e consubstanciado no sistema de metas de inflação, no regime de câmbio flutuante e em uma política fiscal compatível com a sustentabilidade da dívida pública.

    "Resgate", porque esse tripé teria sido excessivamente flexibilizado nos últimos anos -a inflação ficou sistematicamente mais perto do teto do que do centro da meta, o câmbio não seria mais flutuante e a política fiscal perdeu grande parte de sua credibilidade, em meio a manobras contábeis cada vez mais frequentes e nebulosas.

    O pedido por um resgate parte do pressuposto de que o sistema de metas de inflação -em sua acepção mais "puro-sangue"- já entregou, no passado, resultados econômicos bem melhores.

    Diante disso, é mandatório olhar para os números: a tabela acima apresenta a evolução de alguns agregados macroeconômicos segmentados em três grandes períodos.

    De cara, chama a atenção o fato de que, no período de 16 anos compreendido entre 1999 e 2014, a inflação medida pelo IPCA foi igual ou inferior ao centro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional em apenas 4 (ou 25% do total).

    Mesmo em sua "época de ouro" (2004 a 2008), o regime de metas de inflação brasileiro só foi exitoso em 2 dos 5 anos e a inflação média anual nesse período foi 0,7 ponto percentual superior ao centro médio da meta.

    Editoria de Arte

    A tabela apresentada acima escancara o principal fator que permitiu esse maior êxito (apenas relativo) do sistema de metas em 2004-2008: a valorização cambial de cerca de 40% observada no acumulado desse período.

    Tivesse o R$/US$ ficado estável entre o final de 2003 e o final de 2008, a alta média anual do IPCA em 2004-2008 teria sido de cerca de 6% -mesmo patamar de alta média anual que teria mostrado em 2009-2014 caso o R$/US$ não tivesse se depreciado em quase 25% no período (sobretudo de 2012 em diante).

    Ou ainda: tivesse o R$/US$ se valorizado em outros 40% entre 2009 e 2014, o IPCA médio anual nesse período teria ficado próximo de 5% anuais (e não em 5,8%).

    Quando o assunto é crescimento do PIB, a comparação entre as taxas de expansão do produto global e brasileiro entre esses três períodos deixa clara que a influência direta e indireta do ciclo econômico global foi muito importante para explicar o forte crescimento da economia brasileira em 2004-2008 comparativamente a 1999-2003 e a 2009-2014.

    O crescimento mais forte de nossa economia em 2004-2008 só não gerou aceleração da inflação ante 1999-2003 por causa da valorização cambial e da reversão dos resultados da conta-corrente brasileira (de um superavit de quase 1% do PIB em 2003 para um deficit próximo a 2% do produto em 2008).

    Feitas essas constatações, a questão que se coloca é se realmente faz sentido demandar um mero resgate ou se não seria mais pertinente falar em uma reforma do arcabouço de política monetária -até mesmo porque, desde 2007/2008, têm sido cada vez mais frequentes as críticas de vários economistas (no mercado e na academia) ao sistema de metas de inflação.

    Uma proposta recente bem fundamentada teoricamente, apresentada pelos economistas Jeffrey Frankel e Pranjul Bhandari, chamou-me a atenção. Eles apontam que as economias emergentes deveriam considerar a adoção de metas de crescimento nominal para o PIB.

    Segundo eles, essa meta alternativa tem claras vantagens comparativamente à meta de inflação, dentre as quais se destacam: 1) menor risco de descumprimento da meta (e de perda de credibilidade da política monetária), já que a variação do PIB nominal combina duas variáveis (crescimento real do PIB e inflação) que podem caminhar em sentidos opostos diante de choques; e 2) maior maleabilidade para absorver choques de oferta e de mudanças de termos de troca (fenômenos bem mais frequentes em economias emergentes do que nas centrais), reduzindo o espaço para reações pró-cíclicas.

    Nesse contexto, a definição de uma meta de crescimento nominal do PIB me parece ser um aprimoramento de política econômica mais interessante do que um mero "resgate"...

    BRÁULIO BORGES é economista-chefe da LCA Consultores

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