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    BCE copia Japão e cria 'Draghinomics' para estimular economia europeia

    NOURIEL ROUBINI
    ESPECIAL PARA O PROJECT SYNDICATE, EM NOVA YORK

    02/09/2014 15h01

    Dois anos atrás, a eleição de Shinzo Abe como primeiro-ministro do Japão levou ao advento de um plano de três partes, conhecido como "Abenomics", para recuperar a economia japonesa de um longo período de estagnação e deflação.

    Os três componentes –ou "flechas"– do plano abarcavam um imenso estímulo monetário na forma de relaxamento quantitativo e qualitativo (QQE), o que incluía mais crédito para o setor privado; um estímulo fiscal de curto prazo, seguido por consolidação para reduzir deficits e tornar a dívida pública sustentável; e reformas estruturais para reforçar o supply side e o potencial de crescimento.

    Agora parece –com base no recente discurso de Mario Draghi, presidente do Banco Central Europeu (BCE), em Jackson Hole– que o BCE tem um plano de ação semelhante para a zona do euro.

    O primeiro elemento do "Draghinomics" é uma aceleração das reformas estruturais necessárias para estimular o crescimento do potencial de produção da zona do euro.

    O progresso quanto a essas vitais reformas vem sendo decepcionante, com mais esforços em alguns países (Espanha e Irlanda, por exemplo), e menos em outros (Itália e França, para mencionar só dois casos).

    ESTÍMULO À DEMANDA

    Mas Draghi agora reconhece que a recuperação lenta, desequilibrada e anêmica da zona do euro reflete não só problemas estruturais mas fatores cíclicos que dependem mais da demanda agregada do que das restrições ao suprimento agregado. Assim, medidas de estímulo à demanda também são necessárias.

    E com isso surge a segunda flecha do plano de Draghi: reduzir o arrasto que a consolidação fiscal causa sobre o crescimento e manter deficit mais baixos e gerar maior sustentabilidade para as dívidas.

    Existe alguma flexibilidade quanto à velocidade do avanço na direção do cumprimento das metas fiscais, especialmente agora que medidas de austeridade já foram impostas e os mercados estão menos preocupados com a sustentabilidade das dívidas públicas.

    Xinhua/Luo Huanhuan
    Mario Draghi, presidente do banco central europeu, que falou sobre o plano de ação para estimular a economia
    Mario Draghi, presidente do banco central europeu, que falou sobre o plano para estimular a economia

    Além disso, embora a periferia da zona do euro possa necessitar de consolidação, partes de seu núcleo –a Alemanha, por exemplo– poderiam promover uma expansão fiscal temporária (impostos mais baixos e mais investimento público) a fim de estimular a demanda interna e o crescimento.

    E um programa de investimento em infraestrutura que abarque toda a zona do euro poderia estimular a demanda enquanto reduz gargalos de oferta.

    TÍTULOS

    O terceiro elemento do plano de Draghi –semelhante ao QQE de Abe– será relaxamento quantitativo e de crédito na forma de compras de títulos públicos e medidas para estimular o crescimento do crédito no setor privado.

    O relaxamento do crédito começará em breve com operações dirigidas de refinanciamento de longo prazo (que oferecerão liquidez subsidiada aos bancos da zona do euro em troca de crescimento mais rápido nos empréstimos ao setor privado).

    Quando as restrições regulatórias tiverem sido superadas, o BCE também começará a adquirir ativos privados (essencialmente, pacotes securitizados de novos empréstimos bancários).

    Agora Draghi sinalizou que, com a zona do euro a um ou dois choques de uma deflação, a perspectiva inflacionária pode em breve justificar um relaxamento qualitativo como o conduzido pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), o Banco do Japão e o Banco da Inglaterra: compras diretas e em larga escala de títulos de dívida dos países da zona do euro.

    De fato, é provável que esse tipo de operação comece no início de 2015.

    O relaxamento quantitativo e de crédito pode afetar a perspectiva de inflação e crescimento da zona do euro por meio de diversos canais de transmissão.

    Os rendimentos dos títulos de curto e longo prazo nos países periféricos e centrais - e os spreads, na periferia - podem cair ainda mais, reduzindo o custo de capital para o setor público e privado. O valor do euro pode cair, estimulando a competitividade e as exportações líquidas.

    Os mercados de ações da zona do euro podem subir, gerando efeitos patrimoniais positivos. De fato, com o crescimento da probabilidade de um relaxamento quantitativo, este ano, os preços dos ativos já subiram, como previsto.

    Essas mudanças nos preços dos ativos –somadas a medidas que ampliam o crescimento do crédito ao setor privado– podem estimular a demanda agregada e elevar a expectativa de inflação.

    Não se deve desconsiderar o efeito do "vigor animal" –a confiança dos consumidores, empresas e investidores– que pode ser gerado por um compromisso crível do BCE quanto a medidas que combatam a lentidão no crescimento e a inflação abaixo da meta.

    RISCO MORAL

    Alguns dirigentes mais linha dura do BCE se preocupam com a possibilidade de que o relaxamento quantitativo crie risco moral ao enfraquecer o compromisso dos governos para com a austeridade e as reformas estruturais.

    Mas em uma situação de quase deflação e quase recessão, o BCE precisa fazer o que for necessário, apesar desses riscos.

    Além disso, o relaxamento quantitativo pode na prática reduzir o risco moral. Se o relaxamento quantitativo e medidas de política fiscal de curto prazo mais frouxas estimularem a demanda, o crescimento e o emprego, os governos talvez se disponham mais a implementar reformas estruturais politicamente dolorosas e consolidação fiscal em longo prazo.

    De fato, a reação social e política à austeridade e reforma é mais forte nas regiões em que não existe crescimento de renda ou emprego.

    Draghi aponta, corretamente, que o relaxamento quantitativo seria ineficaz a menos que os governos implementem medidas de reforma estrutural no supply side mais rapidamente, e encontrem o balanço correto entre flexibilidade fiscal em curto prazo e austeridade em médio prazo.

    PROGRESSO LENTO

    No Japão, ainda que o QQE e o estímulo de curto prazo tenham estimulado o crescimento e a inflação em curto prazo, o progresso lento quanto à terceira flecha, a reforma estrutural, bem como os efeitos da consolidação fiscal em curso, estão exercendo efeito negativo sobre o crescimento.

    Como no Japão, as três flechas do plano de Draghi precisam ser disparadas para garantir que a zona do euro reconquiste gradualmente a competitividade, crescimento, criação de emprego e sustentabilidade de dívidas em médio prazo, nos setores privado e público.

    Pelo final deste ano, seria de esperar que o BCE comece a fazer sua parte, implementando um relaxamento quantitativo e de crédito.

    Nouriel Roubini é presidente da Roubini Global Economics e professor na Escola Stern de Administração de Empresas, Universidade de Nova York.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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