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    Berlim pressiona Google a revelar segredos de seu sistema de busca

    JEEVAN VASAGAR
    JAMES FONTANELLA-KHAN
    DO "FINANCIAL TIMES"

    16/09/2014 12h40

    Berlim está apelando ao Google que revele detalhes da fórmula secreta que permitiu que a companhia monopolizasse as buscas de Web na Europa, em uma decisão que provavelmente será recebida positivamente pelos concorrentes e que despertará forte resistência da parte da companhia norte-americana de tecnologia.

    Em uma entrevista ao "Financial Times", Heiko Maas, ministro da Justiça da Alemanha, disse que o Google precisa se tornar mais "transparente" sobre o algoritmo usado para classificar os resultados de busca.

    Robert Kimmitt, antigo embaixador dos Estados Unidos à Alemanha, criticou a demanda. Companhias e países europeus, especialmente uma economia propelida pelas exportações como a da Alemanha, "que precisa de mercados abertos para seus produtos e serviços inovadores, deveriam se preocupar com os apelos pela apropriação de propriedade intelectual", ele disse ao "Financial Times".

    A nova ofensiva surge no momento em que o Google e outras companhias de Internet norte-americanas enfrentam pressão em toda a Europa por seu crescente domínio sobre os mercados online e por seu tratamento de dados privados, depois do escândalo de vigilância da Internet pelas agências de espionagem dos Estados Unidos.

    Bruxelas tomou a decisão sem precedentes, na semana passada, de rejeitar uma terceira proposta de acordo extrajudicial do Google em um caso que envolve a possível exploração, pelo serviço de busca, de sua posição dominante no mercado a fim de promover outros serviços da companhia, em áreas como as compras, reservas de passagens e reservas de restaurantes.

    Em entrevista na sede do Ministério da Justiça, em Berlim, Maas declarou que "no fim isso se relaciona à transparência dos algoritmos de busca que o Google usa para classificar seus resultados. Quando um serviço de busca tem tamanho impacto sobre o desenvolvimento econômico, essa é uma questão que precisamos encarar".

    O algoritmo do Google é "o ingrediente secreto na receita de buscas", que permite que a empresa domine o setor. Os críticos se queixam de que suas fórmulas são distorcidas de forma a prejudicar rivais, e desejam que elas sejam divulgadas para que existam provas concretas que garantam a prestação de contas. O Google argumenta que essa transparência faria de seu sistema de buscas um alvo de spam e entregaria seus segredos de negócios aos rivais de graça.

    A Alemanha vem desempenhando papel central nos esforços europeus para restringir o poder de mercado esmagador do Google. Importantes figuras do governo e líderes empresariais têm pressionado fortemente por grandes mudanças na maneira pela qual o Google conduz seus negócios na União Europeia.

    O ministro da Justiça, que também responde pela proteção ao consumidor, disse que a influência do Google era "excepcional". O serviço geral de buscas na Web operado pela empresa detém mais de 90% do mercado na União Europeia, ante 68% nos Estados Unidos. "Acredito, portanto, que o poder do Google sobre os consumidores e operadores do mercado seja extraordinário", ele disse. "Temos de pensar sobre que precauções estão em vigor para que esse poder não seja usado para fins de abuso".

    O ministro disse que a Alemanha estava em busca de um acordo consensual no caso, mas que poderia apelar por um desmonte do Google como "último recurso".

    Desde que Edward Snowden, antigo prestador de serviços à Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos, começou a divulgar segredos sobre as operações de vigilância norte-americanas, o Google passou a sofrer pesada pressão política, especialmente na Europa.

    Documentos que foram vazados por Snowden apontavam para o Google como uma das diversas companhias de tecnologia norte-americanas que permitiram aos serviços de espionagem do país acesso a informações sobre seus usuários, o que viola as normas de privacidade da União Europeia. O Google nega essas alegações.

    Antes das revelações de Snowden, as companhias de tecnologia dos Estados Unidos, com ajuda de importantes funcionários do governo Obama, vinham conduzindo esforços bem sucedidos de lobby para diluir o projeto de lei de proteção de dados da União Europeia, que tem por objetivo reformar o código vigente desde antes da Internet. Mas a maré virou, de lá para cá.

    Berlim agora está pressionando por regulamentação mais rigorosa do compartilhamento de dados transatlântico, bem como apoiando uma cláusula controversa do projeto de lei da União Europeia que forçaria companhias norte-americanas a informar as autoridades do bloco antes de transmitirem dados pessoais de cidadãos europeus aos tribunais ou ao governo dos Estados Unidos.

    O texto, conhecido como "cláusula anti-NSA", é encarado como impraticável pelas companhias norte-americanas de tecnologia, porque elas poderiam enfrentar acusações de desacato à Justiça norte-americana caso retivessem os dados.

    Maas enfatizou que a Alemanha está ansiosa pela introdução de um padrão unificado de proteção de dados na Europa. "Isso tem prioridade alta para nós, e desejamos que esse dossiê da União Europeia seja concluído este ano", ele declarou.

    Jean-Claude Juncker, presidente eleito da Comissão Europeia, disse que deseja aprovar a lei até a metade de 2015 - um cronograma ambicioso, de acordo com pessoas informadas sobre o processo legislativo em Bruxelas.
    Enquanto isso, o Uber, um app de San Francisco que coordena serviços de carros, deve comparecer a um tribunal em Frankfurt, hoje, devido à proibição nacional ao uso de seu serviço Uber Pop na Alemanha.

    O ministro da Justiça defendeu a proibição, vista amplamente como o mais recente exemplo do desejo alemão de conter os excessos do Vale do Silício.

    Maas disse que "o que é essencial para nós é que os padrões legais estejam em vigor quanto à qualificação dos motoristas e a qualidade dos veículos, para manter a segurança de nossas vias. Com toda certeza não mudaremos essas leis, e se o Uber não cumpri-las na íntegra, teremos de observar de mais perto seu modelo de negócios".

    Leia a transcrição da entrevista com o ministro da Justiça alemão Heiko Maas.

    *

    P. Até que ponto é importante que empresas de fora da União Europeia respeitem os padrões de proteção de dados europeus?
    R. Há muito está estabelecido que o mundo digital já não conhece fronteiras nacionais. Isso significa que quando companhias oferecem seus bens e serviços a cidadãos da União Europeia, é justo que se tenham de respeitar a lei europeia, o que inclui a lei de proteção de dados, não importa onde fiquem suas sedes. O "princípio do mercado" não só protege os dados pessoais como cria um campo de jogo nivelado para as companhias europeias e, especialmente, norte-americanas. O princípio do mercado forma o cerne da Regulamentação Geral de Proteção aos Dados que no momento está sendo negociada em nível europeu. A Regulamentação Geral de Proteção aos Dados tem alta prioridade para nós, e queremos que esse dossiê da União Europeia esteja concluído no ano que vem.

    P. Algumas companhias norte-americanas dizem que é difícil conciliar as demandas da União Europeia e as dos Estados Unidos. Como se pode resolver esses conflitos?
    R. Bem, para nós a solução não está em aceitar compromissos no que tange a salvaguardar a privacidade de nossos cidadãos. Precisamos de melhora na regulamentação do mecanismo de Porto Seguro com os Estados Unidos, e não podemos decidir sozinhos sobre isso. Temos de discutir a questão com nossos amigos aqui e nos Estados Unidos. O governo federal alemão propôs uma solução que se tornou parte da Regulamentação Geral de Proteção aos Dados e conta também com o apoio do Parlamento Europeu. Ela dispõe que dados devem ser transferidos a autoridades e tribunais de fora da União Europeia apenas com a aprovação das autoridades europeias de proteção de dados, desde que não existam requisitos em contrário na lei internacional.

    P. Mathias Döpfer, presidente-executivo da Axel Springer, falou em "medo do Google". O senhor compreende esse medo?
    R. Não devemos ter medo do Google, mas como Estado temos certas responsabilidades. Sabemos que o Google cobre cerca de 95% do mercado de buscas. É uma fatia de mercado excepcional. E sabemos, porque todos usamos a Internet, que quem não aparecer no topo dos resultados de busca virtualmente não existe - posso estar exagerando um pouquinho. Portanto acredito que o poder do Google sobre os consumidores e operadores do mercado é extraordinário. Temos de pensar sobre que precauções estão em vigor para que esse poder não seja usado para fins de abuso. É sobre isso que Döpfner está preocupado. Acredito que a competição deva se desenvolver livremente. Com uma fatia de mercado de 95%, o Google domina o mundo dos serviços de busca, e pode classificar os resultados de busca de maneira a promover seus interesses de negócios. E isso não é aceitável. Devemos pensar como resolver esse problema.

    P. Quais são as providências práticas?
    R. No fim, tudo se relaciona à transparência dos algoritmos que o Google usa para classificar seus resultados de busca. Quando um serviço de busca tem tamanho impacto sobre o desenvolvimento econômico, essa é uma questão que temos de encarar. Advogamos aplicação consistente e rigorosa da legislação antitruste em nível nacional e europeu. No que tange ao papel do Estado, as autoridades de defesa da competição são responsáveis por avaliar se uma companhia tem posição dominante em dado mercado e se ela está abusando dessa posição. A Comissão Europeia no momento está envolvida no processo, como parte de seus procedimentos antitruste em curso contra o Google. É claro que a proteção ao consumidor precisa desempenhar papel decisivo nessa avaliação. Deixamos esse ponto muito claro junto à Comissão Europeia em diversas ocasiões.

    P. O senhor falou em um desmonte do Google. Essa opção continua em aberto?
    R. Esse sempre seria o último recurso. Há diversos esforços em curso no nível europeu e dos países membros. Também há processos judiciais em curso. Por isso eu diria que ainda não chegamos ao ponto em que precisamos falar de desmonte. Faria mais sentido, inclusive no interesse da competição e do mercado europeu de tecnologia da informação, chegar a um consenso razoável.

    P. No caso do Uber, os regulamentos deveriam ser adaptados para permitir que o serviço opere?
    R. O que é essencial para nós é que os padrões legais em vigor para qualificação de motoristas e qualidade dos veículos sejam mantidos, para preservar a segurança de nossas estradas. Nós certamente não mudaremos essas leis e, se o Uber não as cumprir plenamente, teremos de observar de mais perto o seu modelo de negócios. É isso que o juiz decidiu. Nós certamente não realizaremos qualquer mudança em nossa legislação de segurança nas estradas ou direito dos passageiros.


    Tradução de PAULO MIGLIACCI

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