• Mercado

    Sunday, 28-Apr-2024 11:21:56 -03

    'Voltar à classe média é um baque gigantesco', afirma Eike Batista

    SAMANTHA LIMA
    DO RIO

    17/09/2014 18h09

    De sétimo homem mais rico do mundo, o empresário Eike Batista diz considerar "um baque gigantesco" ter voltado, dois anos depois, à mesma classe média em que nasceu.

    Seu patrimônio, estimado em US$ 30 bilhões, em 2012, foi reduzido, segundo suas contas, a US$ 1 bilhão negativo.

    Esse é o débito que ainda lhe sobraria caso vendesse todas as ações das empresas Ogpar, OSX, MMX (das quais ainda é controlador), além da Prumo (ex-LLX) e Eneva (ex-MPX), ambas vendidas, respectivamente, aos grupos EIG, dos Estados Unidos, e E.On, alemão.

    "Nasci como um jovem de classe média e você voltar para isso...é um negócio para mim, sabe, é óbvio que é um baque gigantesco na família", disse.

    Eike volta a falar depois de mais de um ano do silêncio em que mergulhou quando suas empresas começaram a ruir.

    E escolheu o dia seguinte à determinação da Justiça de bloquear suas contas. O objetivo é quitar "danos difusos" causados pela suposta manipulação do mercado financeiro e negociação de ações com base em informação privilegiada, segundo denúncias que o Ministério Público Federal fez no Rio e em São Paulo nos últimos dias.

    Segundo a investigação do MPF, e conforme antecipado pela Folha em novembro de 2013, desde 2012 o empresário tinha conhecimento das avaliações feitas por empresas externas e grupos de trabalho que apontavam a inviabilidade comercial dos reservatórios de petróleo.

    Eike nega. Ele também se defendeu "As ações não eram minhas. Eram de credores e eram para pagar dívida com eles", diz.

    O empresário recebeu a Folha em seu escritório no bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Em uma das paredes da sala, estava encostada uma prancha de surf. Sobre o sofá, um ursinho de pelúcia. Quatro monitores exibiam imagens do Porto do Açu, um de seus projetos mais megalômanos. "Olha para isso, você precisa conhecer", dizia.

    Acompanhado do advogado Sérgio Bermudes, Eike distribuiu uma lista com uma defesa prévia das críticas que tem recebido.

    "Nunca tive a intenção de ludibriar investidor. Sempre coloquei meu patrimônio em meus projetos"; "Exploração de petróleo é atividade de risco"; "nunca usei informação privilegiada para fazer negócios. Na OGX, as ações tinham sido dadas como pagamento de uma dívida", dizem alguns trechos do documento.

    Confira a entrevista abaixo.

    *

    Folha - O senhor disse que seu patrimônio é negativo. De quanto?
    Eike Batista - US$ 1 bilhão.

    Como o senhor dorme devendo US$ 1 bilhão?
    Como sou co-administrador e as pessoas querem que esses ativos funcionem, eu enxergo que [o negócio] vai criar muito valor, e que vai ter um encontro de contas lá na frente. Se fossem negócios que desaparecessem, tudo bem, mas isso aconteceu. Até o fim do ano, você vai ver inaugurações na Prumo. O porto de minério da Anglo já descarregou minério, que embarca em novembro, e o porto Sudeste começa em outubro. Houve atrasos, mas estão sendo entregues.

    Mas com qual receita o senhor vai pagar essa dívida?
    Já se levou todo o meu caixa, agora tem as ações. Eessas ações vão se valorizar. Como tenho dívida negociada com todos os credores no prazo de 10 anos, eu estou trabalhando para que se crie mais valor e, se Deus quiser, daqui a cinco ou dez anos, vai sobrar algo pra mim. O aporte de capital cobriu as demandas de curto prazo para os projetos não pararem, e os projetos ficam em pé nesse prazo, cinco dez anos. Por isso que hoje sou um administrador de ativos meus que entraram nesse rolo compressor.

    É isso o que o senhor faz hoje?
    É isso. O que eu fiz? Eu tive que buscar novos parceiros, como o EIG (grupo americano que comprou ações da LLX, dona do Porto do Açu), a Mubadala (fundo soberano de Abu Dhabi), que já estava em casa, mas mostramos para eles a importância dos projetos, a Eneva, onde entraram os alemães. Na OGPar, os acionistas aceitaram fazer a conversão. Isso mostra o valor dos projetos.

    Como o senhor recebeu as denúncias do MPF, do juiz determinando o bloqueio de suas contas?
    Não cabe a mim opinar sobre a Justiça. Quem tem que opinar é o dr. Sérgio [o advogado].

    O senhor tem medo de ser julgado e preso numa operação?
    Advogado Sérgio Bermudes - Isso foge do tema. Não há possibilidade de prisão nesse caso. Isso é uma pergunta técnica que ele não vai responder.

    A lei prevê que, para os crimes de "insider trading" [negociação de ação com base em informações privilegiadas], possa se chegar à prisão.
    Advogado Sérgio Bermudes - Mas isso no fim do processo, se ele for condenado. E envolve ir até o STF.

    Em relação à suposta transferência de bens para sua família recentemente, não se preocupou com o risco de ser questionado?
    Não. Planejamento familiar. Começa a dividir seus ativos com os filhos.

    Mas por que justamente naquele período o senhor sentiu essa necessidade?
    Todo mundo faz. Você não faria? Acidentes acontecem toda hora.

    O senhor disse que a origem da crise foi a OGX. De quem foi a responsabilidade pela sua crença no negócio? Você já atribuiu a alguns técnicos.
    Nunca responsabilizei, não.

    Responsabilizou técnicos.
    Nunca fiz isso, nem quero. No fundo, relatórios constantes que tinham sobre os ativos... Infelizmente o setor é assim, enquanto não produzir, você não sabe. No pré-sal, se descobriu mais. Nos meus campos, foi o oposto.

    A CVM disse, em processo, que houve excesso de otimismo em 54 fatos relevantes divulgados pela OGX entre 2009 e 2012.
    Mas se os dados mostravam aquilo, o que você vai fazer? Dados concretos, de perfuração.

    Não houve interpretação otimista de dados preliminares?
    Tudo bem, mas o setor é assim, São Tomé. Enquanto não tirou o petróleo, você não sabe. Quem imaginaria que na área mais produtiva do país, na Bacia de Campos, nas nossas áreas, os resultados básicos que davam lá, não ia ser no mínimo 60%?

    As investigações da CVM mostraram que a empresa teria demorado a comunicar ao mercado um quadro que se já mostrava difícil, e nisso o senhor teria negociado as ações. Não considerou o risco de ser acusado de "insider trading", como ocorreu?
    As ações não eram minhas. Eram de credores. Estavam no meu nome, mas tinham um dono.

    Isso justificava negociá-las em um período delicado, que antecedia uma comunicação importante ao mercado?
    Claro, você tinha que acertar uma dívida gigantesca, até para não criar um efeito colateral de dívida em todo o grupo. Se o banco chega para você com US$ 8 milhões de juros, você entra em um default [calote] do grupo seríssimo. Então você precisa ter dinheiro para pagar essas contas.

    Há quem diga que seu objetivo, com as reestruturações, é só salvar seu patrimônio. Como responde a essas críticas?
    Meu Deus... Estou trabalhando só para elas ficarem em pé, e os acionistas majoritários me querem como contínuo consultor pela visão que foi minha. O que mais dá para fazer? O que dá para melhorar? Essas conversas são diárias.

    O senhor dizia que seus negócios eram à prova de idiotas. O que deu errado?
    Tanto eram que estão de pé. Não sou eu que estou falando. Há legados. O problema é que acham que eu tinha que deixar muitos legados.

    Mas é que o senhor criou muita expectativa.
    Estou deixando três legados. A maior reserva de gás em terra, no Maranhão, mais de 2 mil MW gerando energia para o sistema brasileiro, o porto Sudeste. Três tá bom?

    Como vê o fato de deixar o controle dessas empresas que tinham sua identidade?
    O mercado é darwinista. Eu precisava correr para resolver. Se eu fizesse tudo de novo, não teria levado essas empresas à Bolsa.

    Por que a Bolsa foi a opção? O mercado estava efervescente, ou foi mania de grandeza?
    Os projetos são do tamanho do Brasil. O tempo dirá, não sou eu, que são legados. E é só visitar e ver, visitar o que ficou. No fundo, o fato de os novos investidores terem comprado isso na velocidade que compraram.., os projetos foram vendidos tão rapidamente pela qualidade deles. Hoje há sócios de padrão mundial que endossam a qualidade dos projetos. Isso não é fábrica de fazer pão de queijo. São projetos que o BNDES participou com repasse. O repasse é do BNDES, mas tudo com garantia de bancos privados.

    A política de pagar bônus elevados, em ações, para os executivos, era errada?
    Teve erro dos pacotes de remuneração, que não eram alinhados 100% comigo e com os acionistas.

    O senhor demorou a reconhecer isso?
    Claro, foi um erro. Mas naquela época se criava tanta riqueza, você queria dividir com as pessoas.

    O senhor acha que, do ponto em que as empresas estão, são viáveis?
    Olha, talvez não a MMX por causa do preço do minério. No fundo não, a gente não vai adiante com a produção [parada desde o início do mês].

    Mas nunca se falou oficialmente que ela não era viável.
    Desculpa, mas nesses preços do minério [na faixa de US$ 80 a tonelada, considerado baixo para empresas de menor porte], não é viável.

    Como diz ao mercado que uma empresa que tem ações em Bolsa não é viável? Como se sai dignamente dessa situação?
    Ué, você vai ter que vender mais ativos e ter capital para esperar passar essa fase de preços baixos.

    Ela tem condição de sobreviver?
    Lembremos, ela tem 35% do Porto Sudeste.

    A MMX deixaria de ser uma mineradora para virar empresa de logística?
    Até eventualmente se Deus quiser o preço voltar. Não tenho previsão mas a situação mundial afeta todo mundo.

    E por que se propôs aumentar o salário de executivos em uma empresa quebrada? [A MMX aprovou esta semana o aumento da remuneração anual dos executivos, de R$ 9 milhões para R$ 19 milhões].
    Porque senão ninguém fica.

    E o resto se salva?
    O resto está encaminhado.

    O senhor teve vários ciclos como empresário. O último foi muito ostensivo. O que pretende fazer daqui a cinco anos?
    O que passei foi um enorme aprendizado. Continuo acreditando no Brasil e dedicando meu tempo a fazer esses projetos concluírem. Na OGX, o que é petróleo? Você fura um poço e pode encontrar um campo de 10 bilhões de barris, ou não. A indústria é assim. Furou, achou um pré-sal ou estrutura parecida, e aí, foram 10 bilhões de dólares. A companhia sobreviveu, está de pé, e virou uma "corporation" [empresa sem controlador, em que todos os acionistas são minoritários, o que vai acontecer até o fim deste ano. Eike ficará com cerca de 10% da companhia].

    Há sete anos, o senhor previu que se tornaria um dos homens mais ricos do mundo. Chegou perto, em sétimo, em 2012. Ainda tem esse sonho?
    O Brasil tem campos de petróleo espetacular. Eu que furei 11 campos de mineração. Não ia acertar no petróleo? E se tivesse acertado? Uau.

    O senhor tem ido ao exterior buscar sócios. Aonde tem ido?
    Fui a Coreia. Ao Oriente Médio. Fui conversar com potenciais sócios para estaleiros. Estou buscando sócios para agregar valor.

    Com quem?
    Ainda estamos em conversas.

    O senhor tem recursos lá fora?
    Não. Não sei se tem alguém mais transparente do que eu. Tudo pertence aos bancos. É dívida do Mubadala, Bradesco, Itaú.

    O senhor tentou alguma ajuda com o governo? Caso tenha, por que não prosperou?
    Tentei buscar negociar as sete sondas da Sete Brasil [empresa que a Petrobras é sócia, que tem como atividade mandar construir e alugar sondas], mas outros levaram.

    Mas esperava a Petrobras entrar de sócio?
    Não, porque a infraestrutura que criei é para servir o Brasil. Não para chamar como sócio. A Petrobras tem investimentos tão maciços que não vai entrar em nenhum projeto.

    O senhor conversou com algum presidenciável recentemente?
    Não.

    Algum deles o procurou?
    Não.

    O senhor apoiou financeiramente algum deles?
    Não.

    Por qual deles tem simpatia?
    Sou um brasileiro que constrói coisa pro Brasil. Eles que me agradeçam pela infraestrutura fantástica que eu dei ao país.

    O afastamento de seu pai [o engenheiro Eliezer Batista] dos conselhos da OGPar e da MMX se deve ao quê?
    Ele tem 90 anos...

    Advogado Sérgio Bermudes: Seu tempo acabou...

    Só mais uma, por favor. Não se incomoda com a perda de poupança dos investidores?
    Muita gente ganhou também. Eu não me beneficiei de nada. Estou com minhas ações até hoje. Elas são lastro da minha dívida. O maior prejudicado dessa história quem foi? Fui eu.

    O que o senhor está olhando agora, pensando em fazer daqui a dez anos?
    Não estou olhando para nada.

    O que mudou na sua vida depois de tudo o que aconteceu?
    Eu nasci como um jovem de classe média, e minha vida, sabe, e você voltar para isso... é um negócio para mim, sabe, é, óbvio que é um baque gigantesco na família, e tudo isso na imprensa como aparece... Por isso, que a gente está falando, está na hora de falar. Fiquei um ano parado para reestruturar tudo isso, e estamos falando agora.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024