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    Minha história: 'Nos botaram como ladrões'

    ISABELLA ASPERTI
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    21/09/2014 02h00

    Do confisco da poupança por Fernando Collor em 1990 à crise global de 2008, passando pela atual recessão técnica enfrentada pelo Brasil e pela bolha da internet que estourou em 2000, seis pequenos empresários de diversos setores contam como enfrentaram seus momentos mais difíceis, o que aprenderam e quais os seus maiores arrependimentos.

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    Nelson Barbosa, 48, assumiu o supermercado do pai, que morreu em pleno Plano Cruzado. Ele conta como a política estava fadada ao fracasso -e como era impossível para o empresário se planejar naquela época.

    Fred Chalub
    Nelson Barbosa, 48, diretor-presidente da rede Barbosa Supermercados, de Guarulhos
    Nelson Barbosa, 48, diretor-presidente da rede Barbosa Supermercados, de Guarulhos

    Em depoimento à Folha, ele conta sua história.

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    Meu pai fundou a mercearia em Guarulhos em 1976. Ela ficou tradicional na época porque não tinha muito comércio aqui no bairro.

    Éramos os únicos com linha telefônica e carro por aqui, então muitas vezes quando tinha uma emergência, ou precisava levar alguém para ganhar neném, a gente ajudava. Em 1986, mesmo ano em que eu comecei a trabalhar com o meu pai, a mercearia já havia virado um supermercado.

    Nessa época, começou o congelamento de preços adotado pelo Sarney. Com isso, as coisas começaram a mudar. Meu pai não tinha muito estudo. Quando saiu a tabela de preços, ele nem sabia o que era. Ele me falava: "Como pode ser? Eu paguei mais caro nesse produto. Como eu vou vender mais barato?"

    Aquilo mexeu muito com meu pai. Não estávamos acostumados com a polícia, e o consumidor vinha com a tabela e reclamava, queria chamar a viatura. Ele passou muito nervoso e foi nessa época que ele faleceu. Eu assumi o supermercado com 19 anos.

    Eu lembro que os mercados eram vistos como vilões. Tinha uma campanha na televisão, você achava que os supermercados estavam roubando, mas não era isso. A indústria tinha que repassar os preços mais caros para nós, e a gente tinha que repassar ao consumidor.

    Para conseguir mercadoria, eu saía com uma perua procurando produto, porque a indústria muitas vezes não entregava. Eu comprava dos atacadistas e dos grandes supermercados. Muitas vezes nem eles tinham produtos.
    Com o tempo, começou a faltar mercadoria. Tínhamos que limitar as compras, porque tinha gente que queria levar tudo. O leite em pó naquela época era difícil de achar. Então colocávamos o limite de uma lata por cliente.

    Carne também era muito difícil. Quando tínhamos e abríamos de manhã, era uma correria. Era até perigoso. O pessoal caía no chão, não respeitava os mais velhos.

    Isso deu origem ao ágio. Você achava o produto, mas tinha que pagar mais caro por ele. Chegou um momento em que isso foi crescendo e não tinha mais jeito. Ninguém mais respeitava a tabela.

    O amaciante, ainda uma novidade, sempre acabava. Os nossos contatos me ligavam e perguntavam: "Tenho dez caixas, quer ficar? O preço de tabela é cinco, vendo por seis".

    Eu só não quebrei porque não seguia sempre a tabela. Não tinha outro jeito, embora sempre houvesse algum "espírito de porco" que ameaçava chamar a polícia -aí tínhamos que fazer valer a tabela.

    Planejamento não existia. Era só a conta no banco. Isso só foi mudar com a URV. Tínhamos medo de dever, não sabíamos o que ia acontecer. Só depois da estabilização começamos a crescer. Ampliamos a sede e depois fomos montando mais lojas.

    Acho que sobrevivemos porque tivemos coragem. Ir contra a tabela era um risco. Sempre escutávamos que um ou outro supermercadista havia sido preso. Mas, se fossemos esperar melhorar, tínhamos fechado. Tenho orgulho de não ter deixado acabar o negócio que meu pai começou. No início éramos eu, minha mãe e um funcionário. Hoje são 3.500 colaboradores.

    Eu fico feliz quando lembro, por exemplo, quando fizemos a nossa segunda loja. Ela era perto de um Carrefour. Uma vez me ligaram falando que eles tinham colocado um carrinho deles ao lado do nosso, comparando os dois preços.

    O gerente da nossa loja estava chateado. Mas aquilo me deu força. Eu fiquei 40 minutos olhando os carrinhos, sem acreditar. Estávamos incomodando o Carrefour.

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    O QUE LEVOU À CRISE

    O Plano Cruzado foi uma tentativa do governo Sarney de controlar a inflação. Entre as medidas, estava o congelamento obrigatório de preços. O governo convocava a população a fiscalizar o cumprimento da tabela –eram os chamados "fiscais do Sarney". Incapaz de atingir as causas da escalada inflacionária, como o gasto público elevado, o plano deu apenas em desabastecimento e em deterioração da economia

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