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    Crítica: Livro expõe bastidores da ascensão e da queda de Eike

    RODOLFO LUCENA
    DE SÃO PAULO

    06/12/2014 02h00

    Tomar um conhaque ao pôr do sol, em uma cidade portuguesa, era receita garantida para sair do buraco e dar a volta por cima. Também certeiro seria deitar-se em um gramado, à meia-noite, em Cusco, a cidade peruana que foi capital do império inca. Isso tornaria possível "reordenar o cosmos" e "reajustar a linha da vida".

    Por inacreditáveis que fossem, Eike Batista, que chegaria a ser o sétimo homem mais rico do planeta, tentou as mandingas ordenadas por gurus e videntes. Não deram resultado.

    Em tensa reunião com acionistas, ouviu o veredito: "Você está fora. A partir de hoje, você não manda mais nesta companhia". E que saísse sem fazer marola: "Se você ousar reivindicar qualquer indenização, vamos te processar".

    Ricardo Moraes/Reuters
    Eike comemora com Dilma o início da produção de petróleo da OGX durante evento em São João da Barra (RJ) em 2012
    Eike comemora com Dilma o início da produção de petróleo da OGX durante evento no RJ em 2012

    Assim terminavam, em 2001, as aventuras do "Imperador do Ouro", também conhecido como "Indiana Jones" brasileiro, que fora incensado pelos mercados canadenses e agora via sua empresa ser-lhe arrancada das mãos, depois de um fracasso retumbante.

    No auge, as ações da mineradora TVX chegaram a valer 74 dólares canadenses. No final, no fundo do poço, eram cotadas a 27 centavos.

    É com o fim da jornada de Eike no Canadá que a jornalista Malu Gaspar começa "Tudo ou Nada", o livro em que conta "a verdadeira história do grupo X".

    Eike Batista montou seu império com promessas, perspectivas de lucros, previsões de resultados, estimativas de sucesso. Assim, conseguiu empréstimos, sócios e investidores –às vezes, aplauso governamental–, aproveitando uma época em que o país também era um sucesso como economia emergente e se transformando numa espécie de garoto-propaganda do Brasil potência.

    INFORMAÇÃO

    Em 13 de junho de 2008, sua petroleira OGX realizou na Bovespa a maior oferta inicial de ações na história do país. Ao longo dos anos seguintes, a empresa seria a grande alavanca da fortuna de Eike, que chegou a ser dono de US$ 30 bilhões em 2012, segundo cálculos da revista "Forbes". Era, porém, um gigante com pés de barro e se tornou o gatilho da implosão do império X, concluída no ano passado.

    Prometia óleo aos borbotões, mas, desde 2011, sabia que as previsões que divulgava ao mercado não tinha base. "Tudo ou Nada" traz documento da empresa avaliadora DeGolyer and MacNaughton em que a companhia nega "categoricamente" ter emitido a estimativa de recursos que a OGX propagava.

    É um dos indicadores de que, ao contrário do que disse em artigo publicado no ano passado, Eike Batista sabia do estado de seus negócios, não foi ingênuo nem vítima.

    Aliás, a jornalista relata que, próximo ao apagar das luzes, o empresário vendeu ações da companhia ao mesmo tempo em que anunciava novo plano de negócios.

    "Enquanto trocava petardos com tuiteiros indignados ante a queda das ações da OGX, defendendo a petroleira com paixão, ele mesmo havia vendido 70,5 milhões de papéis da companhia por R$ 121,8 milhões", escreve.

    VISÃO INTERNA

    Ainda que recheada de números, a história contada por Gaspar nem de longe é maçante. Talvez mais do que a trajetória rumo à falência, conhecida em linhas gerais pelo noticiário, o que impressiona são os relatos das relações entre Eike, seus principais executivos e figuras externas à companhia que, de repente, são alçadas à categoria de assessores ou consultores, sem mais explicações.

    Palavrões, xingamentos e ameaças estão presentes em muitos diálogos, que reclamam de trapaças e traições.

    Também há descrições do exuberante estilo de vida do empresário, de seus romances –com destaque para o período em que esteve com a não menos exuberante Luma de Oliveira– e de encontros com investidores e políticos como o ex-governador do Rio Sérgio Cabral, os ex-presidentes FHC e Lula e a presidente Dilma Rousseff.

    Algumas conversas são tão surpreendentes e apresentadas de forma tão detalhada –e sem fontes evidentes–, que o leitor pode questionar a exatidão do relato.

    Sobre elas, a jornalista, que cobre o império de Eike Batista desde 2006, lembra, na apresentação: "Quem conheceu aquele ambiente sabe que, no mundo X, não havia segredo imperscrutável". Conta que ouviu, de forma organizada, 106 pessoas, e "praticamente todos os entrevistados só concordaram em falar desde que não fossem identificados como fonte"

    Eventuais dúvidas à parte, o certo é que "Tudo ou Nada" é mais do que uma superreportagem sobre essa figura que, diz a autora, "transformou-se numa espécie de símbolo do capitalismo brasileiro". O livro evidencia quão frágeis são os controles para conter manipulações na bolsa de apostas que é o mercado de ações.

    E permite ao leitor bisbilhotar um pouco dos bastidores do mundo em que circulam os biliardários.

    O caminho do leitor pelos meandros do império X poderia ser facilitado se o livro trouxesse um organograma da corporação e uma linha de tempo da trajetória de Eike Batista. E minibiografias apresentando os principais personagens dessa epopeia seriam bem-vindas.

    O livro será lançado em São Paulo na próxima segunda-feira (8), às 18h, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (av. Paulista, 2.073).

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    TUDO OU NADA - EIKE BATISTA E A VERDADEIRA HISTÓRIA DO GRUPO X
    AUTORA Malu Gaspar
    EDITORA Record
    QUANTO R$ 55 (546 págs.)
    AVALIAÇÃO Bom

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