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    Desemprego e perda de renda assombram quem sobrevive ao câncer

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    07/12/2014 02h00

    Quem sobrevive após um câncer convive com mais um fantasma além do medo do retorno do tumor: o desemprego e a redução da renda.

    Estudo feito em 12 países com 1.273 mulheres que tiveram câncer de mama mostra que, entre as brasileiras, 66% tiveram o trabalho interrompido (decisão própria ou demissão) após o diagnóstico. Para 57%, houve redução de renda, e 92% foram obrigadas a adaptar os gastos.

    "Normalmente se fala no custo da doença para os convênios ou para a máquina pública, mas pouca atenção é dada ao lado do paciente", diz a mastologista Maira Caleffi, que coordenou o estudo na América Latina.

    É a primeira vez que uma pesquisa científica aborda o tema no Brasil. Ela será apresentada no próximo dia 10 em simpósio de câncer nos EUA.

    Outros trabalhos internacionais vão na mesma linha. Estudo da Universidade de Michigan mostra que um terço de 746 sobreviventes do câncer de mama perdeu o emprego após o diagnóstico.

    Em pesquisa na Alemanha, com 55 homens que tiveram câncer de cabeça e pescoço, só 1 a cada 3 que tinham emprego quando o tumor foi encontrado seguia trabalhando cinco anos depois.

    Embora o câncer acometa a maior parte de suas vítimas em uma idade mais avançada, um terço delas enfrentará a doença antes dos 60.

    "Soma-se a isso o fato de que as novas drogas estão aumentando a sobrevida dos doentes", diz Caleffi.

    Segundo Marcello Ferretti Fanelli, diretor de oncologia clínica do A.C. Camargo Cancer Center, a perda de renda preocupa mesmo quem se mantém no emprego.

    "As despesas com o tratamento são grandes. Muitos medicamentos e procedimentos não são cobertos pelo plano nem pelo SUS", afirma.

    Ele diz que há empresas que apoiam empregados com câncer, ajudando com remédios, por exemplo. Mas não é a regra: "Há muitos maus patrões. E maus empregados, também, que usam a doença para obter benefícios".

    A questão chegou aos tribunais do trabalho. Tem sido crescente o número de decisões obrigando empresas a reintegrar trabalhadores que tiveram câncer e foram demitidos sem justa causa após o diagnóstico da doença.

    Eduardo Anizelli/Folhapress
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    TRATAMENTOS

    As pesquisas mostram que pacientes que recebem quimioterapia tendem mais a deixar ou perder o emprego.

    Muitos tiram folga durante o tratamento por causa de efeitos colaterais como fadiga e náuseas. A longo prazo, alguns tratamentos também podem causar neuropatia (lesão nas fibras nervosas).

    Segundo o oncologista Paulo Hoff, diretor do Instituto do Câncer do Estado de São Paulo, com a sobrevida, a questão do emprego se torna prioritária. "Sobretudo se o paciente sustenta a família."

    Ele cita um paciente que se recusou a tomar remédio para tumor no intestino por causa do risco de neuropatia. "Ele é piloto e dizia que, se desenvolvesse neuropatia, não teria como trabalhar."

    Para Fanelli, do A.C. Camargo Cancer Center, tratamentos agressivos têm mais impacto profissional e social.

    Professora de oncologia radiológica na Universidade de Michigan e principal autora do estudo americano, Reshma Jagsi afirma que muitos médicos acreditam que os pacientes se "recuperam" financeiramente a longo prazo.

    "O estudo sugere o contrário. Perda de emprego é uma possível consequência negativa a longo prazo. Os pacientes precisam saber disso."

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