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    Nomeação de Levy mostra que Dilma ouviu 'alarme'

    ÉRICA FRAGA
    DE SÃO PAULO

    20/12/2014 02h00

    As instituições não garantem bons governos, mas limitam a ação de maus governantes por meio de alarmes que soam quando algo vai mal. A opinião é apresentada pelo economista e ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega no recém-lançado livro "O Acaso Favorece Quem se Prepara" (Editora Saraiva).

    Para Maílson, embora o desenvolvimento institucional do Brasil ainda não esteja maduro, o país já atingiu um ponto em que os alarmes funcionam. Exemplo recente? A nomeação de Joaquim Levy para o comando do Ministério da Fazenda pela presidente Dilma Rousseff.

    Zanone Fraissat/Folhapress
    Mailson da Nóbrega, economista e ex-ministro da Fazenda
    Mailson da Nóbrega, economista e ex-ministro da Fazenda

    No livro, Maílson revela traços de personalidade que julga terem favorecido sua trajetória. Ele estende a análise a características institucionais e culturais que contribuem para o desenvolvimento econômico dos países.

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    Folha - Que traços da sua personalidade contribuíram para sua trajetória?
    Maílson da Nóbrega - Uma delas é a disciplina. Eu diria que a empatia também. Eu nunca conversei com meu pai sobre assuntos da minha vida. Ele era um sujeito muito fechado. Mas uma coisa que acho que herdei dele foi bom humor. Sempre fui otimista, em relação ao Brasil inclusive. Se você olhar que o mundo tem 25 países ricos e 15 com chance de serem ricos, e o Brasil está entre os 15, não é pouca coisa.

    Por que o desenvolvimento do Brasil tem tardado tanto?
    Porque o sucesso de um país, que o leva em algum momento a se tornar rico, depende de um conjunto muito amplo de circunstâncias, de natureza cultural, social e de liderança. E, em muitos casos, depende do acaso.

    Faltam instituições no Brasil que estimulem disciplina e apetite por risco?
    Acho que há um ambiente pouco propício à assunção de risco, que é um pouco da nossa cultura ibérica. O sistema legal brasileiro estimula isso. É melhor ficar quieto do que assumir risco.

    Uma outra coisa é que somos uma sociedade antiliberal. O liberalismo teve muito a ver com a expansão capitalista. Você pode perguntar: por que levou 10 mil anos para o mundo começar a ficar rico? Você levou milênios com inovações institucionais, mentais, culturais. O enriquecimento gerado pelo sistema capitalista tem 150 anos.

    Em que ponto da linha de evolução o senhor vê o Brasil?

    Acho que o que vai fazer a diferença é a liderança, especialmente a política. Vai depender do acaso também. Por outro lado, tem a ver com crenças. O Brasil é cheio de crenças erradas ao meu ver.

    Nós achamos, por exemplo, que melhorar a educação é gastar mais dinheiro. É de uma estupidez. Outra coisa é que nós brasileiros ligamos pouco para a qualidade da educação que nossos filhos estão recebendo, no sentido de participar, de ir para reuniões, de exigir.

    Editoria de Arte/Folhapress

    As crenças demoram a mudar. Estamos fadados a não chegar ao mundo desenvolvido?

    Não, eu acho que vamos chegar porque o Brasil, na minha avaliação, cruzou uma linha divisória entre os anos 1980 e 1990, em que uma conjugação de vários fatores levaram ao fim do regime militar, ao renascimento da democracia. Isso acontece com um país já razoavelmente urbano, com uma classe média expressiva. Isso vai criando um conjunto de resistências à volta de um regime autoritário. Tem o grande aprendizado do processo hiperinflacionário. A sociedade brasileira se tornou intolerante à inflação. A Dilma se preocupa com a inflação não por razões mentais, mas por razões pragmáticas, porque ela sabe que isso derruba popularidade. O Brasil parece ter entrado num processo permanente de construção institucional.

    O senhor diz que as instituições limitam a ação dos maus governos porque soam um alarme. Há exemplo recente disso no Brasil?

    Claro, a nomeação do Joaquim Levy. Ela não deriva ao meu ver de uma convicção da presidente Dilma de que ela tem de mudar os rumos porque ela não é de reconhecer erros. Ao meu ver, ela foi movida por um objetivo legítimo que é o de preservação de poder. Alguém a convenceu de que ou ela fazia o ajuste ou o mercado faria o ajuste.

    O ACASO FAVORECE QUEM SE PREPARA
    AUTOR Mailson da Nóbrega
    EDITORA Saraiva
    QUANTO R$ 28,41 (150 págs.)

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