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    É justo que as mulheres se aposentem mais cedo?

    MARCELO ABI-RAMIA CAETANO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    21/12/2014 02h00

    A questão acerca da aposentadoria das mulheres em condições mais benéficas que aquelas concedidas aos homens suscita acalorados debates com posições não somente técnicas, mas também com muito juízo de valor de cada lado.

    Um fato é certo: as mulheres intensificaram sua participação no mercado de trabalho desde a segunda metade do século 20.

    Há várias razões para isso. Mudanças culturais e jurídicas eliminaram restrições sem sentido no mundo contemporâneo: um dos maiores e mais antigos bancos do Brasil contratou sua primeira escriturária em 1969 e teve sua primeira gerente em 1984.

    Avanços no planejamento familiar e a disseminação de métodos contraceptivos permitiram a redução do número de filhos e liberaram tempo para a mulher se dedicar ao mercado de trabalho.

    Filhos estudam por mais tempo e se mantêm fora do mercado de trabalho até o início da vida adulta. Com isso, o custo de manter a família cresce e cria a necessidade de a mulher ter fonte de renda para o sustento da casa.

    A tecnologia também colaborou: máquinas de lavar roupa, fornos micro-ondas, casas menores e outras parafernálias da vida moderna reduziram a necessidade de algumas horas nos afazeres domésticos e liberaram tempo para o trabalho fora de casa.

    VIDA MAIS DURA

    A inserção feminina no mercado de trabalho ocorreu, mas com limitações. Em relação aos homens, mulheres têm menor taxa de participação no mercado de trabalho, recebem salários mais baixos e ainda há a dupla jornada de trabalho. Quando voltam para a casa, ainda têm que se dedicar à família e ao lar.

    Essas dificuldades levam algumas pessoas a defender formas de compensação para as mulheres por meio de tratamento previdenciário diferenciado. Já que as mulheres enfrentam dificuldades de inserção no mercado de trabalho, há de compensá-las por meio de uma aposentadoria em idade mais jovem.

    A legislação brasileira incorpora essa ideia. Homens precisam de 35 anos de contribuição para se aposentar no INSS; mulheres, de 30.

    No serviço público, que exige idade mínima, as mulheres podem se aposentar com cinco anos a menos de idade e tempo de contribuição que os homens.

    O tratamento diferenciado e mais benéfico às mulheres também acontece nas aposentadorias por idade, para professores e para trabalhadores rurais. É uma prática comum na Previdência Social brasileira e que, suponho, muito dificilmente passará por alguma modificação no futuro próximo.

    NO MUNDO

    Em relação ao resto do mundo, há alguns países que não diferenciam as regras de acesso aos benefícios. Encontram-se nessa lista EUA, Canadá, Espanha e Suécia. Outros como Áustria e Suíça permitem às mulheres se aposentar mais jovens.

    Há também aqueles que adotam estratégias mistas. A França não diferencia a idade mínima de aposentadoria, mas concede um menor tempo de contribuição às mulheres caso tenham filhos.

    De todo modo, a tendência das reformas previdenciárias das últimas décadas é reduzir ou eliminar o diferencial a favor do sexo feminino. A Alemanha, por exemplo, mantém a diferenciação para as mulheres que nasceram antes de 1952. A Itália está em processo gradual de redução das diferenças até 2018, enquanto o Reino Unido eliminará a diferenciação neste mesmo ano.

    Apesar de reconhecer os argumentos a favor da diferenciação, o contraponto que coloco é que problemas de mercado de trabalho devem ser resolvidos por meio de políticas laborais, e não previdenciárias. Afinal, o que a Previdência tem a ver com a discriminação de gênero?

    Uma coisa é o reconhecimento de um mercado de trabalho mais precário para determinados estratos sociais; outra coisa é ver na Previdência uma forma de compensação para esses problemas.

    Em primeiro lugar, é uma maneira ineficiente de tratar a questão. Se as mulheres enfrentam dupla jornada de trabalho, a forma eficiente de resolver o problema é por meio de mudanças culturais que tornem os homens mais ativos nos afazeres domésticos e por meio de boas creches e escolas que deixem as mães mais tranquilas com o cuidado dos filhos.

    Não parece apropriada a ideia de que um problema de equidade do mercado de trabalho seja resolvido por uma saída antecipada deste mesmo mercado, mas, sim, por uma política efetiva de promoção de igualdade laboral entre homens e mulheres.

    Alguém pode argumentar que mudanças culturais são difíceis de concretizar. São, mas não impossíveis. O leitor com mais de 40 anos deve se recordar que muitos consideravam os cintos de segurança como meros acessórios dos carros e que o cigarro reinava em propagandas, restaurantes, aviões e salas de aula das universidades.

    Tentar resolver esse problema por meio da Previdência é passar à sociedade o seguinte recado: mulheres jovens na faixa dos seus 20 ou 30 anos, sabemos das suas dificuldades presentes no mercado de trabalho.

    Esperem mais umas três décadas porque, quando estiverem com 50 ou 60 anos, as compensaremos por meio de uma aposentadoria em idades menores que as dos homens.

    Visto de outro modo, tampouco se trata de uma solução transitória ou emergencial para um problema estrutural. Por exemplo, independentemente do posicionamento que alguém tenha em relação à política de cotas no ensino superior, elas procuram oferecer compensação imediata a grupos com dificuldade de inserção.

    Não é esse o caso da aposentadoria diferenciada.

    CUSTO CRESCENTE

    Em segundo lugar, o custo para a Previdência dessa política é alto. Em 2013, a idade média da aposentadoria por tempo de contribuição foi de 55 anos para homens e 52 para mulheres. Entretanto, é uma realidade universal que as mulheres vivem mais que os homens. Para esse mesmo ano, o IBGE estimou que no Brasil homens aos 55 anos vivessem por mais 23,6; mulheres aos 52, por mais 30,2.

    Na prática, são três anos a menos de contribuição e quase sete a mais de recebimento de benefício, o que torna ainda mais pesado o já alto custo da Previdência Social.

    A opção por conceder uma aposentadoria especial para as mulheres é mais cômoda. Agrada ao eleitorado, joga para o futuro a questão da necessidade de financiamento, minimiza a necessidade de elevação dos gastos presentes com creches e ameniza a necessidade de enfrentar questões culturais relativas à divisão do trabalho por gênero.

    Entretanto, não ataca o problema em sua raiz e cria um anestésico sentimento de compensação futura.

    São raras as oportunidades em que se coloca para o público o debate acerca das aposentadorias para as mulheres em condições especiais.

    Creio que continuarão a sê-lo no Brasil apesar da tendência internacional para redução das diferenças. É um tema politicamente inconveniente e há coisas mais prementes a ajustar na Previdência, como as pensões por morte, idade mínima e forma de reajuste das aposentadorias, mas esses são assuntos para outros debates.

    MARCELO ABI-RAMIA CAETANO é economista do Ipea

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