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    Brasil só vai entrar nos eixos se fizer reformas, diz empresário

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO
    ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
    DE EDITORA DE "MERCADO"

    01/01/2015 02h00

    Em uma analogia entre a gestão pública e a empresarial, o presidente da Hypermarcas, Claudio Bergamo, acredita que, para entrar nos eixos, o Brasil precisa aprimorar cinco precondições.

    Ele cita como imprescindíveis a retomada da estabilidade macroeconômica, boa gestão das finanças públicas, desenvolvimento de marcos regulatórios, reformas e infraestrutura social.

    "Como presidente de empresa, se eu tivesse os melhores preços do mercado e estivesse entregando a pior rentabilidade possível, o mercado iria me penalizar. Como podemos ter uma das maiores cargas tributárias do mundo e ter problema de deficit?"

    Davi Ribeiro/Folhapress
    Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas
    Claudio Bergamo, presidente da Hypermarcas

    Uma das maiores companhias de bens de consumo e de medicamentos do país, a Hypermarcas comprou 23 empresas nos últimos anos.

    Leia trechos da entrevista.

    *

    Folha - Quais são as reformas prioritárias para o país?
    Claudio Bergamo - Política, previdenciária, fiscal e trabalhista. Hoje, quando você vai demitir alguém, paga ao redor de um ano de salário, se somar tempo médio de casa de cinco a sete anos. Existem situações de picos e vales que são normais na economia. Você tem que demitir e recontratar. Como faz? Fica mantendo força de trabalho improdutiva porque não quer mandar embora. Custa caro.

    Pelo momento econômico atual, é hora de demitir no seu grupo?
    Estamos num setor de bens de tíquete baixo e uso contínuo. Empresas como a nossa têm elasticidade menor com a renda. É a última a se beneficiar, mas é a última a sofrer a baixa do ciclo.

    Quão perto vocês estão do momento de sofrer a baixa?
    Se não tivermos mudanças grandes em 2015, vamos sentir mais. Como a gente começa a ver a renda real caindo, tem que olhar a população economicamente ativa e a taxa de desemprego. Quando se vê isso e a inflação não está sendo cuidada, você tem um problema estrutural para o nosso setor.

    Na prática, estão sentindo o quê? Impacto nas vendas? Dificuldade de reajustar preços?
    Existem as companhias que sabem lidar com o cenário e as que não sabem. É preciso ter sempre um plano B, C, D, E. Quando se está em baixa, a empresa vencedora é a que tem marcas fortes, negócios líderes, distribuição abrangente, capacidade de gestão e custo baixo.

    Compramos 23 empresas. Nos últimos três anos, investimos em fábrica, logística, capacitação, renovação de portfólio. Não paramos de investir porque as precondições atrapalham, mas no nosso setor não impedem, pois são itens de uso contínuo.

    Até quando é sustentável?
    Quando houve a estabilidade macroeconômica e mais crédito, o consumidor se entusiasmou. Isso foi ótimo, até mais para os setores de duráveis e semiduráveis do que para o nosso.

    O consumidor sentiu que ficou rico e veio no chamado trade up': todo produto de maior valor agregado era vendido. Ele procurava novidade. Nessa atitude, você não necessariamente está avaliando custo-benefício.

    Quando começa a apertar o bolso, como agora, vem a incerteza, que tem efeito fulminante na cabeça do consumidor. Até maior que a realidade. Ele pensa: perdi tudo. Cria um desânimo.

    Ele muda as compras?
    Começa a fazer escolhas mais inteligentes, que é o que ocorreu nos Estados Unidos. Começa a olhar um produto que é mais pobre em benefício, mas é mais barato. Queremos estar nessa posição: vender ao mesmo preço com mais benefício ou com o mesmo benefício a menor preço. Quando você está nessa equação, tende a ganhar mercado.

    Como isso ocorre em medicamentos?
    Quando foi feita a lei dos genéricos, que foi um marco regulatório bem-feito, surgiram grandes empresas nacionais. A maior parte das companhias indianas, chinesas, sul-africanas começou em genéricos e se expandiu para o mercado de patentes.

    E a Hypermarcas vai entrar nisso quando?
    Nós já estamos nisso, eu já tenho 30% nisso. Como nós compramos companhias em vários segmentos, já temos o portfólio balanceado. O objetivo de todo mundo é ter um pé em cada canoa.

    Essa estratégia é para diversificar riscos?
    É a teoria dos portfólios. Gostamos de estar em vários mercados e nos diferentes níveis de segmento e valor dentro de uma mesma categoria.

    A multinacional não consegue ter esse jogo de atuar em diferentes categorias. Por exemplo: preservativo. Temos Jontex, Olla e Lovetex, com vários concorrentes em cada um. Isso é característica de empresa nacional.

    Por que a multinacional não consegue?
    Porque ela muda muito os executivos. Fazer gestão de marcas em diferentes níveis é complexo. Ela mantém uma marca premium e fica inovando. Tem aquela crença de que tem que ter as marcas globais, as grandes marcas.

    Falta sensibilidade de mercado?
    Muitas vezes, ela não entende o mercado emergente. O estrangeiro não consegue ter tanta marca local. Imagine se ele fosse ter isso em todos os países? Se eu estivesse no lugar deles, implantaria isso nos países-chave.

    A Hypermarcas não pensa em expansão na América Latina?
    Estamos focados no Brasil. Achamos que tudo o que eu falei de marcos vai ser resolvido porque as forças políticas acabam resolvendo.

    Não somos uma companhia multinacional. Somos multiestadual. Há 27 países nesse país. Por que vou expandir para a Colômbia se tenho Minas Gerais que fala a nossa língua? Se eu trabalhar bem os 27 mercados brasileiros, o potencial é enorme.

    Quando entendermos que exploramos tudo e chegou no limite, é a hora de explorar outros países.

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