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    Por que o desemprego continua tão baixo?

    NAERCIO MENEZES FILHO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    04/01/2015 02h00

    O comportamento do desemprego tem intrigado analistas nos últimos meses. Apesar da clara desaceleração da economia, a taxa de desemprego continua declinando mês a mês. Por que será que isso está acontecendo?

    Esse fenômeno decorre de vários motivos. O primeiro é a queda no ritmo do crescimento da população. A taxa de expansão da população adulta declinou de cerca de 3% ao ano, na década de 1980, para os atuais 2% ao ano. E vai declinar ainda mais.

    Quanto aos jovens, a sua taxa de crescimento passou de 2%, no início da década de 1980, para taxas negativas entre 2007 e 2015. Ou seja, nos últimos anos o número absoluto de jovens caiu pela primeira vez em nossa história.

    A principal razão para essa desaceleração é a queda observada nas taxas de fecundidade. O número de filhos por mulher declinou abruptamente de 6, em 1960, para 3, em 1990, devido ao processo de aumento de escolaridade, migração do campo para as cidades e acesso à informação —inclusive à TV.

    Isso provocou um dos mais rápidos processos de transição demográfica dos quais temos notícia e que terá efeitos na nossa sociedade por um longo período ainda.

    Troche

    A diminuição do número de jovens, em particular, impacta a taxa de desemprego de várias maneiras. Em primeiro lugar, porque 44% dos desempregados no Brasil são jovens. Em 2013, dos cerca de 6,7 milhões de desempregados no país, 3 milhões tinham menos de 25 anos de idade.

    Muitos jovens chegam ao mercado de trabalho e tendem a permanecer pouco tempo na mesma empresa, pois transitam muito entre situações de emprego e desemprego até encontrar a posição ideal. Portanto, uma redução no número de jovens diminui mais do que proporcionalmente o número de pessoas que procuram emprego.

    Além da redução na taxa de crescimento da população, a taxa de participação na força de trabalho também caiu nos últimos anos, especialmente entre as pessoas menos escolarizadas.

    Entre os mais velhos (acima de 50 anos) menos escolarizados, a taxa de participação caiu de 47%, em 1993, para 39%, em 2013. Entre os mais jovens (de 10 a 22 anos), ela declinou de 40% para apenas 11% entre os que estão no primeiro ciclo do ensino fundamental. Entre os que estão no segundo ciclo, a taxa passou de 48% para 26%.

    Já a taxa de atividade entre os jovens mais escolarizados (que cursam ou concluíram o ensino médio ou a faculdade) declinou mais recentemente, entre 2005 e 2013.

    Mas o que provocou essa retração na taxa de participação dos menos escolarizados?

    No período inicial (entre 1992 e 2005), os principais responsáveis foram o início dos programas de transferências condicionais de renda (Bolsa Família e Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e as reformas educacionais que permitiram a universalização do acesso à escola no Brasil. Além disso, a renda dos pais desses jovens também cresceu significativamente entre 1992 e 1999.

    No período mais recente, duas explicações predominam. Entre os jovens mais escolarizados, essa redução na oferta de trabalho pode estar relacionada com a flexibilização das regras para o financiamento estudantil (Fies) e com a expansão do ProUni.

    Vale notar, porém, que isso explica apenas uma pequena parte da redução da oferta de trabalho, pois só 8% dos jovens de 10 a 24 anos cursam o ensino superior.

    Dessa forma, a maior parte da redução de oferta entre os jovens no período recente está relacionada com o forte aumento da renda nas famílias chefiadas por trabalhadores menos qualificados.

    Entre 2003 e 2013, o salário mensal desses trabalhadores aumentou 50% em termos reais, ao passo que o salário dos trabalhadores com ensino superior subiu só 10%.

    Como grande parte dos jovens com baixa educação que ofertavam trabalho era formada por filhos de trabalhadores menos qualificados, isso trouxe um grande aumento da renda familiar desses jovens, permitindo que eles pudessem se dedicar integralmente aos estudos, assim como fazem os filhos das classes mais abastadas.

    Será que isso vai aumentar a produtividade desses jovens, já que agora eles têm mais tempo para estudar? Só se estiverem usando esse tempo livre para se dedicar ao estudo. De qualquer forma, seu bem-estar melhorou.

    O mesmo fenômeno parece explicar o comportamento das pessoas maduras com pouca educação. O aumento de renda familiar dos chefes de família, aliado aos programas de transferências de renda, parece ter feito com que essas pessoas deixassem de ter que aceitar empregos com baixos salários para poder ficar em casa cuidando dos netos. Isso melhora seu bem-estar e também pode impactar o investimento em capital humano dessas crianças.

    Em suma, como o número de jovens menos qualificados, que formavam grande parte do contingente de desempregados, diminui fortemente, o menor crescimento do PIB não tem se traduzido em aumento do desemprego.

    Isso é um fenômeno positivo, já que traz para as famílias mais pobres condições de uso do tempo parecidas com as das famílias mais ricas.

    E o futuro? Infelizmente, parece que essa situação não é sustentável no médio prazo, por várias razões.

    Em primeiro lugar, as projeções do IBGE indicam que o número de jovens vai começar a aumentar novamente a partir de 2015. Além disso, o aumento de salários no setor de serviços está sendo repassado para os preços, o que tem provocado aumentos seguidos das taxas de juros para desaquecer a economia.

    Se a geração de empregos estagnar por completo, os jovens que chegarem ao mercado ficarão desempregados, o que gerará pressões para redução dos salários.

    Se esse processo atingir o salário e o emprego dos adultos menos qualificados, seus filhos irão retornar para o mercado de trabalho, o que vai aumentar ainda mais a taxa de desemprego.

    Para evitar o desencadeamento desse processo, teríamos de aumentar rapidamente a produtividade no setor de serviços. Mas não há indicações de que isso irá ocorrer no Brasil no curto prazo.

    NAERCIO MENEZES FILHO é professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper e professor da FEA-USP. naercioamf@insper.edu.br

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