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    'Sem energia, não haverá o que racionar', diz Acende Brasil

    MACHADO DA COSTA
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    26/01/2015 02h00

    Após enfrentar um apagão, o governo precisa criar às pressas um plano para blindar o setor contra novos blecautes.

    Decretar um racionamento é a solução apontada pelos principais especialistas dos setores elétrico e de abastecimento de água.

    Com a situação financeira delicada das empresas de geração e distribuição de energia, no entanto, os efeitos podem ser drásticos.

    Gustavo Epifanio/Folhapress
    Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil
    Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil

    De acordo com Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que estuda a eficiência do sistema elétrico, o custo de um racionamento só não é maior que o de um corte do abastecimento, como aconteceu na última segunda-feira (19).

    Seus efeitos ultrapassam os limites do setor e atingem indústria e comércio e desestimulam investimentos em produção no país.

    Por outro lado, sem um plano de ação, os consumidores de energia estão aprendendo a lidar com o problema da pior forma possível.

    "O governo vai cobrar uma conta que os consumidores não poderão pagar e desligará a luz quando eles quiserem acendê-la", diz.

    O apagão de segunda, possivelmente, diz Sales, foi o primeiro de vários. Basta que o governo continue a enfrentar o problema com medidas paliativas, como a importação de energia da Argentina.

    Para Sales, o racionamento, para produzir efeitos menos nocivos sobre a economia, precisa ser uma medida preventiva. "Se não for mais possível produzir energia, não se pode mais falar em racionamento. Sem, energia, não haverá o que racionar."

    A seguir, trechos da entrevista à Folha.

    *

    APAGÕES

    São grandes as possibilidades de que apagões voltem a acontecer no restante do verão. Nos últimos três anos, os recordes de demanda foram em fevereiro, perto de 4% acima dos do ano anterior.

    Neste ano, o sistema não conseguiu suportar a demanda já em janeiro e é razoável supor que o recorde de 2015 também seja em fevereiro.

    Como até lá não entrará nenhuma usina nova em operação, há um grande risco de o sistema não conseguir atender a demanda novamente.

    Além disso, é preciso garantir a demanda por todo o ano. O período chuvoso acaba em abril. Particularmente neste ano, com os reservatórios baixos, será muito difícil passar pelo período seco até novembro sem alguns solavancos.

    REDUÇÃO DE CONSUMO

    Qualquer tragédia dessas [o corte de energia do dia 19] causa um efeito como a redução do consumo. Paga-se, porém, o preço mais alto para promover essa educação. O governo vai cobrar uma conta dos consumidores que eles não poderão pagar e desligará a luz quando eles quiserem acendê-la.

    CAUSAS

    No apagão da última segunda, não caiu nenhuma torre nem explodiu nenhum transformador em subestação. Se a restrição é inerente ao sistema, não importa se a energia é gerada no Sudeste ou no Nordeste. O importante é que não houve capacidade disponível no momento necessário.

    A operação do sistema elétrico só é confortável quando há uma reserva de 5% de potência, a chamada reserva girante. Mas, por causa do baixo nível dos reservatórios e do alto consumo, não existe qualquer reserva.

    A importação de energia, como a que está sendo feita da Argentina, não resolve o problema, é um paliativo.

    O governo busca em todos os cantos um pouquinho de energia. O setor está tendo que passar o pires para amealhar capacidade adicional. Estamos muito longe da reserva girante que deveríamos ter, de 6.000 MW (megawatts). Seria um sonho se houvesse 3.000 MW disponíveis.

    TERMELÉTRICAS

    Embora os modelos computacionais do ONS [Operador Nacional do Sistema Elétrico] não apontem a necessidade do uso pleno das termelétricas, determinam o despacho de 100% das usinas disponíveis para tentar reservar água nas represas.

    O ONS está intervindo na vida das usinas para diminuir o máximo o período de manutenção equipamentos e maximizar o seu uso. Os operadores só estão fazendo a manutenção das usinas quando estão prestes a perder a garantia.

    Isso coloca o sistema em uma situação dramática. Se as termelétricas deveriam ajudar a guardar água nos reservatórios, não estão ajudando mais. Mesmo no período úmido, os níveis de água voltaram a cair.

    Usando as palavras do ministro [Eduardo Braga, Minas e Energia], nenhuma usina consegue funcionar com os reservatórios a 10% da sua capacidade. Então, quando se chegarmos a esse nível, não terá mais um racionamento a ser decretado. O racionamento é um corte preventivo, o que não seria o caso. As usinas simplesmente não poderiam mais funcionar. Não haverá o que racionar sem energia.

    TEMPO PERDIDO

    Os problemas teriam sido fortemente mitigados se um racionamento tivesse sido estabelecido em 2014.

    Há vários estágios de racionalização e, no setor elétrico principalmente, todos foram descartados. Quando se vai à cadeia de televisão e se explica ao consumidor que a energia está mais barata, há uma sensação de despreocupação.

    Em 2012, quando se promoveu um esforço para reduzir em 20% o custo da energia, foi dado um sinal contrário ao que deveria ter sido dado.

    Se a sociedade é informada da realidade, de que a energia estava cara, tem outro tipo de comportamento.

    RISCOS ECONÔMICOS

    Existe uma insegurança absoluta. A primeira questão a ser estudada por empresas estrangeiras que pensam em investir no Brasil é a energia.

    Em 2023, que no planejamento de um investimento de longo prazo é um pulo, o Paraguai terá metade da energia de Itaipu disponível. Além de afugentar investimentos, um racionamento traz efeitos negativos imediatos sobre o setor produtivo, que precisa diminuir a produção.

    A seca é o único fator que o governo não controla. Todos os outros fatores poderiam ser controlados para evitar uma situação como essa:

    Os demorados e inseguros licenciamentos ambientais, os leilões organizados às pressas e com preços não realistas, os sinais de preços equivocados dados aos consumidores, indicando que podem consumir o quanto desejarem de energia.

    O racionamento é uma medida de exceção, que tem custos. O custo do racionamento só não é maior do que o custo de ficar sem energia, como aconteceu na segunda (19).

    É uma escolha difícil. Após o fim do racionamento de 2001, a demanda voltou abaixo do que antes e levou quase cinco anos para se recuperar. Se um novo racionamento for definido neste ano, é possível que as receitas das empresas de geração e distribuição de energia demorem a se reerguer.

    RAIO-X CLAUDIO SALES

    NOME:
    Claudio J. D. Sales

    IDADE:
    67

    FORMAÇÃO:
    Engenheiro mecânico industrial, formado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

    ATUAÇÃO
    Presidente do Instituto Acende Brasil, que estuda a eficiência do sistema elétrico brasileiro

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