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    Governo criou confusão nas elétricas ao renovar concessões, diz especialista

    PEDRO SOARES
    DE DO RIO

    10/02/2015 02h00

    O governo federal criou ainda "uma confusão" no setor elétrico ao mexer na renovação das concessões de hidrelétricas, que deixou a Eletrobras "mal das pernas", "depauperou as geradoras de energia" e reduziu sua capacidade de investimento –inclusive em obras conjuntas para mitigar problemas de abastecimento de água.

    O diagnóstico foi traçado, em entrevista à Folha, pelo geógrafo e doutor em economia ambiental Marcos Freitas, professor do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e coordenador-executivo do Instituto Virtual de Mudanças Globais, também da Coppe.

    Caninde Soares/Folhapress
    Pesquisador da Coppe/UFRJ, Marcos Freitas acredita que governo causou confusão no setor elétrico
    Pesquisador da Coppe/UFRJ, Marcos Freitas acredita que governo causou confusão no setor elétrico

    "O governo deu uma série de sinalizações de instabilidade ao setor de energia elétrica, que começaram a criar um certo conflito. Um exemplo é a Eletrobras, que está muito mal das pernas. O governo criou uma confusão quando resolveu mexer na renovação das concessões das usinas hidrelétricas [em 2012]", disse o também ex-superintendente da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas).

    Falta ainda ao governo federal, afirma, liderar discussões para aumentar o aproveitamento de energia conjuntamente com Paraguai e Argentina, nas bacias dos rios Paraná e Paraguai, onde as chuvas têm sido 30% superiores às médias históricas nos últimos anos. Itaipu, diz, poderia receber mais uma turbina de 700 MW sem aumentar seu reservatório.

    As crises de suprimento de água e energia, afirma, têm ainda um viés político. Os governos federais e estaduais, afirma, deixaram de intervir para "não assumirem o ônus" em ano eleitoral, e a população pagará um custo maior agora.

    Abaixo, trechos da entrevista:

    Folha - Desde o fim de 2012, o país convive com pouca chuva e reservatórios mais vazios. O que pode ser feito para melhor planejar a disponibilidade de água?
    Marcos Freitas - Temos de trabalhar com medidas de adaptação para momentos de crise. Logicamente, quando falamos de momentos de crise, temos de tomar cuidado para não exagerar na mão para tirar dinheiro de escolas e hospitais e investir em sistemas muito pesados [e caros] de produção de água e energia.

    Crises, como em 2001, são oportunidades para identificar os pontos de estrangulamento do sistema e corrigi-los. Desde 2001, entraram muitas [usinas] térmicas, o que melhorou um pouco a questão de a geração não ser tão dependente da hidroeletrecidade. Mas o sistema [elétrico] é dinâmico e, da forma como ele é conduzido, pode ficar mais ou menos vulnerável.

    Essa vulnerabilidade foi provocada por ação do governo federal?
    Tivemos problemas na transmissão, que avançou em velocidade lenta até por questões de licenciamento ambiental. Mas o governo deu uma série de sinalizações de instabilidade ao setor de energia elétrica, que começaram a criar um certo conflito.

    Um exemplo é a Eletrobras, que está muito mal das pernas. O governo criou uma confusão quando resolveu mexer na renovação das concessões das usinas hidrelétricas [em 2012]. O valor [das tarifas de geração] deveria baixar. Já eram hidrelétricas construídas, que pagaram parte do investimento e não precisavam da mesma tarifa de hidrelétricas novas. Mas essas empresas têm custos fixos. Houve um certo desequilíbrio econômico-financeiro.

    A questão financeira afetou investimentos?
    Na crise de 2001 [racionamento], as geradoras de energia ajudaram em obras emergenciais, como 'esticar' canos para pegar água em lugares mais distantes à medida que os lagos das usinas estavam mais vazios. O objetivo era evitar conflitos e aproveitar mais água para gerar energia.

    Hoje, a situação é mais delicada porque essas empresas não têm caixa. As hidrelétricas estão depauperadas e não podem, por exemplo, ajudar no investimento em despoluição, que poderia aumentar a vazão de rios e aumentar reservatórios.

    Qual foi o peso da eleição de 2014 nas crises de água e energia?
    Ano de eleição majoritária é muito difícil quando coincide com crise porque ninguém grita, ninguém avisa que tem de fazer racionamento. Ninguém quer assumir o ônus. Não se pode dizer que houve uma tendência de um partido ou outro de enfrentar o problema, seja no Rio, em São Paulo ou em âmbito federal. Foi recorrente a tendência de não assumir notícia ruim em ano de eleição.

    Aí, os custos de se implantar o racionamento quando chega no volume morto ou em situações mais delicadas [de reservatórios das usinas] aumentam. O governo poderia ter intervindo antes. A população foi tratada com pouca consideração. A maioria dos governantes afirmava até há pouco tempo que não haveria racionamento nenhum, e a gente já indicava que tinham de ser tomadas algumas providências.

    Quais providências?
    No caso da energia, o estímulo à eficiência está muito baixo. Na crise de 2001, pelo fato de as pessoas terem de reduzir o consumo a fórceps, com multa e depois com corte de energia, as pessoas fizeram um esforço considerável de eficiência. Naquela ocasião, foi com troca de lâmpada. Hoje, não tem mais [espaço para] troca de lâmpada porque a maioria não é mais incandescente.

    O grosso da discussão hoje está, no caso do consumo residencial e do comercial, em climatização de ambientes [ar condicionado]. Vimos que o horário do pico mudou. Passou para a parte da tarde. Climatização é a bola da vez. Precisamos pensar em construções com melhor conforto térmico e na troca de equipamentos antigos por novos. Não é uma eficiência [em climatização] tão simples. Não é trivial, mas tem de ser atacada.

    O que pode ser feito para aumentar a oferta de energia?
    A única fonte que entra rápido é a solar, mas ela não é para suportar grandes sistemas. De eólica, entrou alguma coisa, mas precisa avançar na interligação [por meio de linhas de transmissão] com sistema [elétrico nacional]. Por isso, não é ainda uma energia firme, como as térmicas e as hidrelétricas. Precisamos voltar a discutir hidrelétricas com reservatórios.

    Há uma ojeriza a lagos grandes. Isso ocorreu com as hidrelétricas dos anos 70, no período da ditadura, quando a questão ambiental estava começando a ser discutida. Isso gerou um passivo de conflitos. As pessoas passaram a não querer lagos grandes. Eles não precisam ser tão grandes, mas um pouco maiores do que estão sendo feitos hoje para armazenar mais água para gerar energia em períodos secos.

    Existem outras alternativas?
    A vazão da bacia do Paraná está acima da média. Fora do Brasil, corresponde à bacia do Prata, e pode ter alguma sobra em países como Paraguai e Argentina. Podem ser identificados ainda aproveitamentos para a construção de novas usinas. O Brasil tem de liderar esse processo.

    Os dados mostram que nessa bacia [Paraná] tem chovido mais do que as estimativas usadas para construir Itaipu, cerca de 30% a mais. Itaipu poderia ter mais uma turbina para gerar 700 MW e sem aumentar o reservatório. Falta uma negociação com a Argentina, Brasil e Paraguai [sócio na usina]. Demanda um esforço da diplomacia brasileira.

    Quais saídas para a crise de suprimento de água?
    A primeira coisa é tratar a poluição. Isso é urgente. Muitos dos problemas dessa crise de água, especialmente da urbana, vêm da população, tanto em São Paulo e Rio como Belo Horizonte. Isso porque usamos rios para diluir esgoto, em vez de tratá-lo.

    É o caso da represa Billings, em São Paulo. A poluição afeta a disponibilidade de água, que já não é grande. A segunda é reduzir perdas no sistema de distribuição de água, que é de 30% a 40%. Depois, reduzir perdas do consumidor. Muitos condomínios não têm medidores individualizados. Isso é um indutor de ineficiência porque o cliente não sabe o quanto gasta. Outro problema é o forte aumento da produção agrícola com a irrigação.

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