O HSBC supostamente deveria ser um banco grande e tedioso com o qual pouca gente deveria se preocupar. Maior credor da Europa pelo critério de ativos, o banco passou pela crise financeira em melhor forma do que muitos rivais, e não precisou de resgate estatal ou de um programa dramático de reestruturação.
No entanto, nas últimas semanas o tempo fechou na sede do banco, um edifício de 45 andares no bairro de Canary Wharf, em Londres. A reputação pública da instituição já estava abalada por um escândalo de sonegação de impostos em sua divisão de gestão de patrimônio na Suíça quando, na segunda-feira, o HSBC anunciou uma forte queda em seus lucros anteriores aos impostos, o que causou forte queda em suas ações.
Até que ponto é séria a crise do banco, que este ano celebra o 150º aniversário de sua fundação, na Ásia -região que ainda gera a maior parte de seus lucros?
Ian Gordon, analista da Investec, disse que "apesar de todo o furor recente da mídia quanto a possíveis delitos de conduta, é o desempenho 'subjacente', acreditamos, que deve ser a maior causa de preocupação para os investidores -em termos de receitas, custos e potenciais passivos".
Stuart Gulliver se viu forçado nos últimos meses a abandonar suas metas de retorno sobre o capital e de custo/benefício, estabelecidas como parte do plano estratégico que ele adotou para melhorar o desempenho do banco depois de assumir como presidente-executivo em 2011.
Em entrevista telefônica coletiva para discutir os resultados do banco, segunda-feira, Gulliver imputou a maior parte da culpa pelos resultados decepcionantes do banco ao custo regulatório cada vez mais alto que a condição de banco mundial de sua empresa acarreta.
Excluídos os US$ 3,7 bilhões em multas, acordos judiciais e restituições aos clientes britânicos, bem como a flutuação do câmbio, o HSBC anunciou que seus lucros ajustados anteriores aos impostos, US$ 22,8 bilhões, não apresentavam grande mudança ante o ano anterior.
Mas Gulliver sinalizou que mesmo depois de ter vendido 77 subsidiárias e demitido mais de 50 mil pessoas, ainda restava muito a fazer para simplificar o grupo e reverter a crise. Ele disse que o banco planejava reduzir em US$ 1 bilhão suas despesas operacionais anuais de US$ 41 bilhões, a fim de compensar a alta antecipada de US$ 1 bilhão ao ano nos custos regulatórios e de fiscalização.
"Continuamos em nossa jornada de simplificação da empresa... e não descarto que possamos abrir mão de outras peças", ele disse aos repórteres. "Mas não acredito que a companhia seja grande demais para ser gerida. Pode-se ver a validade dos negócios na ponta da receita, mas o custo de operar um desses [grandes bancos] claramente subiu".
Ele disse que o banco havia sofrido um trimestre difícil, especialmente em sua subsidiária de investimento. Também destacou os Estados Unidos, América Latina e Turquia como áreas de desempenho insatisfatório que estão em observação.
Qualquer subsidiária que não demonstre o potencial de faturar acima de seu custo de capital será vendida ou reestruturada, nos próximos 12 a 24 meses, ele disse a analistas, acrescentando que o custo de capital do grupo era de 9% a 10%.
"Um dos desafios que Stuart Gulliver está enfrentando é o custo de ser um banco verdadeiramente mundial, que é muito superior ao que ele antecipava ao assumir", disse Ronit Ghose, analista de bancos do Citigroup. "Isso significa requerimentos de capitalização mais altos e também significa que você está na mira de muitos grupos de interesse, como as autoridades regulatórias, a mídia e os políticos".
O HSBC não tem escala suficiente para se tornar força dominante nos Estados Unidos, México e Brasil, e deve continuar a "enxugar" suas operações nesses mercados, disse Ghose. "Eles precisam vender ou fechar suas operações de varejo bancário nesses mercados. Sim, é preciso ter presença nos Estados Unidos, mas eles não poderiam operar apenas como banco pessoa jurídica, lá?"
O banco afirmou que o custo regulatório adicional e a necessidade de atualizar seus sistemas de informática para atender aos requisitos dos serviços "big data" e proteger os sistemas contra o crime cibernético havia causado alta de 6,1% em seu custo operacional.
A divisão de mercados e banco mundial, que comanda as operações de investimento do HSBC e era a unidade comandada por Gulliver antes de ser promovido ao comando do banco, apresentou o pior desempenho do grupo, com queda de lucro de 38%. As divisões de varejo bancário e gestão patrimonial registraram ligeira queda de lucro, e as operações de financiamento comercial e de capital privado elevaram suas contribuições.
A relação custo/benefício do banco - um indicador muito acompanhado, que compara custo e receita - subiu de 59,6% para 67,3%, bem acima da meta de cerca de 55% que o banco tinha para 2016 e abandonou recentemente.
O banco também havia estabelecido uma meta de retorno sobre o capital de "pelo menos 10%", mas esse indicador chave de lucratividade caiu de 9,2% para 7,3% no ano passado. A razão de capitalização tier 1 do banco subiu ligeiramente, para 11,1%, o que a deixa acima dos requisitos regulatórios. O banco estabeleceu nova meta de entre 12% e 13% para esse indicador.
Os investidores continuam dispostos a dar tempo a Gulliver. Um dos 20 maiores acionistas do banco disse que "o HSBC está enfrentando um ambiente difícil. A queda no retorno sobre o capital, um indicador importante, reflete o novo mundo em que vivemos. Minha opinião sobre Gulliver não mudou. Ele continua a ser um executivo financeiro de primeira classe".
Logo depois de assumir como presidente-executivo do HSBC, em 2011, Gulliver calculou que seria julgado com base em dois indicadores cruciais: "Como o mercado de ações avalia a companhia será grande parte disso", ele disse ao "Financial Times" então. "E também que sejamos vistos como empresa moral e decente".
Os acontecimentos dos últimos dias e a queda de 17% nas ações do banco desde que ele assumiu significam que Gulliver terá muito trabalho para ser considerado sucesso sob os critérios que ele mesmo estabeleceu.
Tradução de PAULO MIGLIACCI