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    Crise da Petrobras faz cidade fluminense descer do céu ao inferno

    LUCAS VETTORAZZO
    DO RIO

    13/03/2015 02h00

    Quem visita Itaboraí, município de 227 mil habitantes a 51 km da capital do Rio, encontra uma cidade estagnada à esperada da retomada do Comperj, refinaria da Petrobras em construção desde 2008 no local.

    As denúncias de corrupção levantadas pela Operação Lava Jato paralisaram o empreendimento e levaram a uma onda de demissões.

    A obra chegou a ter 35.500 trabalhadores no pico das atividades, em agosto de 2013, de acordo com a Petrobras. Em dezembro, eram 23.000. No mês passado, 10.600. Atualmente, segundo o sindicato local, restam 4.500.

    Apesar dos cartazes que avisam que não há vagas, operários desempregados fazem fila na porta dos escritórios de empreiteiras em busca de oportunidade.

    A Folha esteve por duas vezes em Itaboraí na última semana. O arrefecimento da atividade econômica é perceptível na cidade. Prédios comerciais recém-inaugurados com placas de "aluga-se" nas fachadas de vidro espelhado estão sem locatários. Hotéis, que antes hospedavam engenheiros e gerentes da obra, não têm movimento.

    As demissões começaram de maneira pontual a partir do início do segundo semestre do ano passado, como reflexo do modelo de gestão da então presidente da estatal Graça Foster, que passou a rever os contratos e represar aditivos.

    Mauro Pimentel/Folhapress

    Quando o teor da delação premiada do ex-diretor de Abastecimento e Refino da Petrobras, Paulo Roberto Costa, responsável pelo Comperj, veio a público, em outubro do ano passado, a Petrobras congelou os contratos e vieram demissões em massa.

    A Petrobras tinha contratos com 24 empreiteiras no Comperj em janeiro, 16 das quais investigadas.

    O êxodo rumo a Itaboraí começou em 2006, quando o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva lançou as obras de terraplanagem de um terreno de mais de 45 km quadrados na cidade, que até então tinha a economia movida pelas fábricas de cerâmica e pelo cultivo de laranjas e plantas ornamentais.

    A população cresceu 21% nos últimos 14 anos, segundo o IBGE.

    Estima-se que 70% dos trabalhadores da obra sejam de outros Estados. Muitos ficaram sem ter como voltar depois de perderem o emprego.

    A prefeitura estima que 140 ex-funcionários do Comperj estejam sem ter onde dormir na cidade. Entre 2008 e 2011, os gastos com assistência social subiram 218%.

    "Vou mandar minha mulher e minha filha de volta para a Bahia e vou procurar emprego em outros Estados. Creio que a situação do Comperj não vai melhorar tão cedo", disse o montador de andaime João Batista Moreira dos Santos, 30, demitido em janeiro.

    Moreira vive há quatro anos em Itaboraí, onde casou, teve uma filha, hoje com 2 anos, e construiu uma casa. Seu último trabalho foi na Toyo Setal, investigada na Lava Jato. "A casa é própria, mas a comida não é."

    A paralisação das obras frustrou o mercado imobiliário e reduziu o movimento do comércio. A avenida 22 de maio, a principal da cidade e por meio da qual se chega ao Comperj, é um termômetro da economia local.

    Cinco prédios comerciais –um deles com heliponto, duas torres de salas e um hotel– estão prontos, mas sem locatários. A reportagem contou 35 placas de "aluga-se" ao longo da avenida.

    De acordo com a prefeitura, há 4.000 salas comerciais vazias na cidade. O percurso de 20 quilômetros do centro da cidade ao canteiro levava no passado cerca de duas horas no horário de pico. Atualmente, são 30 minutos.

    ENTENDA A CRISE

    O orçamento inicial do Comperj era de R$ 6,5 bilhões. Hoje está em torno de R$ 13,5 bilhões. O primeiro prazo anunciado para sua conclusão foi em 2011. A Petrobras chegou a dizer que o empreendimento ficaria pronto em abril deste ano, mas depois da investigação, a obra está sem prazo.

    Os contratos passam por investigação da Lava Jato, do TCU e de uma auditoria interna da Petrobras.

    Operários afirmam que estão pagando o preço da corrupção dos políticos e que foram abandonados pelo governo. O soldador desempregado Leno Ferreira Corrêa, 63, demitido da obra no ano passado, defendeu prisão aos corruptos.

    "Estamos pagando o pato por uma coisa com a qual não temos nada a ver. Se entrarmos no mercado e pegarmos um quilo de arroz, vamos presos na hora. Esses corruptos aí têm que ir para a cadeia", disse ele, que tem cinco filhas e é morador da cidade.

    Fotografia: RICARDO BORGES e MAURO PIMENTEL

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