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    Carros conectados à internet podem elevar o risco de acidentes

    BRUNO FÁVERO
    ENVIADO ESPECIAL A SALT LAKE CITY (EUA)

    20/03/2015 02h00

    Enquanto os veículos com acesso à internet se tornam mais populares, especialistas em segurança do trânsito questionam os riscos que os sistemas embarcados nesses veículos podem representar.

    Nos últimos cinco anos, o segmento de carros conectados cresceu no mundo a uma taxa anual média de 45%, segundo um estudo publicado em fevereiro pela Business Insider Intelligence. A tendência deve se manter, diz o levantamento, segundo o qual 75% dos veículos fabricados no planeta serão equipados com acesso à internet até 2020. Hoje, eles já representam 10% da produção.

    Os riscos de se falar ao celular na direção são conhecidos: segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), essa ação pode aumentar em até quatro vezes a chance de o motorista se envolver em um acidente de trânsito.

    O que acontece, então, quando, além de falar, o piloto pode postar no Facebook, ver mapas on-line e responder mensagens do Whatsapp, entre outras tarefas?

    Alpino

    "O grande vilão nesse caso é a tela por toque, exigindo que o motorista olhe para ela para interagir. A solução encontrada pelas montadoras são sistemas que permitam controlar funções do carro por meio de botões de ação no volante e comandos de voz", afirma o engenheiro Ricardo Takahira, especialista em conectividade da Associação Brasileira de Engenharia Automotiva.

    "Com essa chamada 'operação cega', o motorista mantém ambas as mãos na direção e tem mensagens de texto convertidas em voz", diz.

    A questão, porém, não é só tirar os olhos da estrada e as mãos do volante, mas a atenção da direção, argumenta o médico Dirceu Alves Júnior, chefe do departamento de tráfego ocupacional da Abramet (Associação Brasileira de Medicina do Trânsito).

    "Para dirigir um veículo, o motorista usa três habilidades: função cognitiva (atenção), função motora (tempo de reação, reflexo) e função sensório-perceptiva (tato, visão e audição)", explica.

    "Os sistemas por voz continuam comprometendo duas dessas funções, a atenção e a reação", diz Alves Júnior. Para ele, a única solução é abolir os eletrônicos do carro.

    Editoria de Arte/Folhapress

    "O viva-voz é melhor do que segurar o celular em mãos, mas não a ponto de tornar a direção segura", concorda o psicólogo especialista em cognição José Aparecido da Silva, professor da USP de Ribeirão Preto.

    OUTRAS DISTRAÇÕES

    O sueco Trent Victor, pesquisador da Volvo, rebate o raciocínio citando estudos recentes segundo os quais o uso de celular ao volante pode até reduzir o riscos de acidentes, contrariando, como admite, parte significativa da pesquisa no campo.

    "A explicação que faz mais sentido com os dados atuais é que falar ao telefone evita que o motorista adote outros comportamentos que o distraiam, como falar com passageiros, comer, beber ou fumar", defende o pesquisador da montadora. Ele diz que a empresa concentra esforços em integrar da melhor forma o celular ao painel do carro.

    "O importante é reduzir o tempo que o motorista tira os olhos da estrada", afirma.

    O professor e psicólogo David Strayer, PhD em sistema cognitivo pela Universidade de Utah (EUA), onde estuda efeitos do telefone na direção há 15 anos, diz que a tecnologia gera riscos, sim, mas não deve ser abolida dos carros.

    "Já foi provado que algumas tecnologias podem até ajudar o motorista a dirigir de forma mais segura, como os GPS, por exemplo -é mais arriscado dirigir sem saber onde se está indo do que usando o aparelho", pondera.

    Strayer publicou uma pesquisa no ano passado que media a carga de trabalho cognitivo de voluntários enquanto eles dirigiam e faziam tarefas básicas em sistemas "hands-free" (não exigem as mãos para serem operados) de seis fabricantes.

    A conclusão foi de que tais sistemas pedem mais da atenção do motorista do que a realização de outras tarefas como falar ao celular ou com um passageiro, mas que a demanda cognitiva era menor quanto mais bem desenhado era o software.

    "Os sistemas têm que ser desenvolvidos seguindo certas regras: exibir poucas informações na tela (para que o motorista não tenha que desviar o olhar da pista por mais de dois segundos), interagir por comandos curtos e eficazes de voz e bloquear funções que roubam mais atenção quando o carro está em movimento. Os parâmetros são claros, o problema é que nem sempre as montadoras os seguem", critica.

    Segundo Takahira, os engenheiros das indústrias automotivas estão muito preocupados com o tema e seguem regulamentações rígidas. "Fornecer um conteúdo de fábrica que distraia e provoque acidentes teria consequências jurídicas catastróficas", afirma ele.

    "Porém, não temos tanto controle ou como fiscalizar iniciativas que partem do proprietário após a compra do veículo", diz o engenheiro.

    Respostas para a questão também podem surgir de outros setores que não governo e montadoras. A OMS recomenda que, além de leis mais severas e campanhas de conscientização, empresas criem políticas para restringir o uso de celular de seus funcionários enquanto eles estão dirigindo.

    OUTRAS SOLUÇÕES

    Outra possibilidade é a de envolver as companhias de seguro no problema. No Brasil, as seguradoras se limitam a trabalhar nesse tema por meio de campanhas educativas, e não pensam, ainda, em tomar atitudes mais duras, como deixar de indenizar acidentes causados por esse tipo de imprudência.

    "Já existe no Código de Trânsito um dispositivo que permite às seguradoras se negarem a pagar a indenização quando o motorista do carro se expõe a riscos", diz Laur Diuri, diretor de sinistros da seguradora Allianz. "Mas é muito difícil provar que o motorista estava ao telefone quando sofreu o acidente."

    Nos Estados Unidos, têm crescido a prática chamada de "pay-as-you-drive", em que as seguradoras oferecem descontos a motoristas que aceitarem instalar em seus carros equipamentos que avaliam como o veículo está sendo dirigido. A tecnologia para conectar tais aparelhos aos celulares dos motoristas já existe, embora não seja usada pelas empresas.

    Já que não há certezas sobre as melhores maneiras de reduzir a direção distraída e que a tendência do carro conectado parece irreversível, o zelo pode partir do próprio motorista (veja ao lado).

    "Esse é mais um problema comportamental do que tecnológico", diz David Strayer.

    O repórter BRUNO FÁVERO viajou a convite da Adobe Systems

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