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    Advogado sugere rever lei da recuperação judicial

    MARIANA BARBOSA
    DE SÃO PAULO

    27/03/2015 02h00

    A Lei de Recuperação Judicial, que completou dez anos em fevereiro, tem uma série de "defeitos" que acabam fazendo com que as empresas relutem em adotá-la e prolonguem a própria agonia, diz o advogado Thomas Felsberg.

    "A insolvência é como um câncer que atrapalha todo o funcionamento da economia. Quanto antes o empresário entrar com a recuperação, melhor", diz Felsberg, um dos maiores especialistas em recuperação judicial do país.

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    Folha - Dez anos depois, qual a sua avaliação sobre a lei?
    Thomas Felsberg - Por melhor que seja uma lei de recuperação, é quase indispensável ajustar depois de três ou quatro anos, como aconteceu na maioria dos países, pois a prática é sempre diferente da teoria. Mas isso não foi feito aqui. Nem parece estar na pauta do governo fazer isso.

    Davi Ribeiro/Folhapress
    Thomas Felsberg, especializado em recuperações judiciais
    Thomas Felsberg, especializado em recuperações judiciais

    Quais seriam esses ajustes?
    Há inúmeros. O empresario brasileiro não tem uma segunda chance, como acontece na maior parte do mundo.

    A lei diz que ele pode recomeçar depois de cinco anos, mas só depois de terminar o processo de insolvência –que não termina nunca, pois as ações de execução se estendem por dezenas de anos.

    Isso é um erro. Por que não a partir do momento que ele transfere os bens para o administrador judicial? Parece que estou falando para favorecer o empresário. Mas existe uma razão econômica e jurídica importante. Insolvência é doença. Quanto antes você reconhece, maiores as chances de curar.

    Se ele não tem uma segunda chance, vai ficar postergando, e a recuperação pode acabar se tornando inviável.

    Há uma desconfiança por parte do legislador?
    Sim, acham que isso vai ser usado para malandragem. O sujeito, antigamente, quando quebrava o credor, ia lá, levava a mulher e os filhos, a cabeça, o braço direito. Hoje em dia não, é o patrimônio. Depois que ele transfere os bens para administrador, ele não tem mais nada que fazer.

    Não há razão para que ele não possa se organizar de novo e ter uma vida normal. A falta de lei adequada é que favorece a malandragem, que a pessoa viva à margem.

    As empresas em recuperação também encontram dificuldades em se financiar. Como melhorar isso?

    A lei diz que todo mundo que concede algum tipo de crédito para uma empresa em recuperação vai ter tratamento preferencial. Isso é errado. Veja: o importante é o financiamento da recuperação.

    Nos EUA, a empresa entra em recuperação e apresenta ao mercado o "deep finance", que é quanto ela conseguiu de capital de giro para tocar o negócio. É o "deep finance" que tem que ser privilegiado. Não qualquer pessoa que faça um negócio com a empresa, como um fornecedor de matéria prima.

    Se a empresa consegue capital de giro, quem fizer negócio com ela tem um risco muito pequeno, pois ela está financiada. O fornecedor não precisa de privilégio, e sim quem financia a recuperação.

    Mesmo com os problemas da lei, este parece ser um ano agitado para pedidos de recuperação, com operação Lava Jato e a economia parada.
    Com inflação de 8%, recessão e dólar a R$ 3,30 e subindo, tem muita empresa que vai pedir água. É normal.

    Já no caso das empresas envolvidas na Lava Jato, há um problema adicional. Elas estão sujeitas a inúmeras contingências. Multa criminal, por lavagem de dinheiro, do Cade, Receita Federal, Departamento da Justiça dos EUA, mais as ações que vão sofrer por parte de acionistas.

    Isso pode inviabilizar a recuperação?
    As multas devem aumentar o número de empresas grandes em recuperação. Para pagá-las, as empresas vão precisar vender ativos livres de contingências e para isso vão precisar da proteção da lei. Não sou a favor da impunidade. Tem que pagar.

    Mas sou contra inviabilizar uma empresa que muitas vezes tem condição de contribuir muito para a economia e gerar emprego. Não se pode voluntariamente reduzir as multas previstas na lei, pois os servidores públicos que as aplicam podem estar sujeitos a penalidades.

    Mas um mecanismo possível seria ajustar os valores pela de recuperação judicial.

    Sem esse ajuste, a empresa morre. É melhor pagar alguma multa a não pagar nada. Isso não é defender impunidade. Embora a nova lei de corrupção ache que as empresas podem ser condenadas criminalmente, em geral, quem comete crime são os indivíduos, não as empresas.

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