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    Sem nunca ter chegado ao auge, Brasil enfrenta desindustrialização precoce

    OSCAR PILAGALLO
    ESPECIAL PARA A FOLHA

    29/03/2015 02h00

    Entre tantos indicadores econômicos negativos que têm gerado manchetes –desaceleração da economia, pressão inflacionária, aumento do desequilíbrio externo–, o primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff será também lembrado por uma tendência que costuma ser menos mencionada: a intensificação do processo de desindustrialização precoce.

    É isso o que sugerem os dados do IBGE relativos à participação da indústria no PIB em seu primeiro mandato.

    No primeiro ano, em 2011, a indústria representava pouco mais de 27,2% do PIB, mesmo patamar da herança deixada por Lula. Nos anos seguintes, a participação despencou, primeiro com mais intensidade e depois à razão de um ponto percentual por ano, atingindo marca inferior a um quarto, o pior resultado das últimas décadas.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Em relação às duas administrações anteriores, a de Dilma não se sai bem nesse quesito. Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), apesar das políticas liberais e da abertura do país a importações para ajudar no controle da inflação, pegou e entregou a participação da indústria no PIB na casa dos 26%.

    Sob Lula, a trajetória não foi diferente: em que pesem as variações ao longo dos mandatos, a participação da indústria em 2003 e 2010 ficou em torno de 27%.

    Quando se fecha o foco na indústria de transformação, cujos produtos têm maior valor agregado, o cenário é mais desolador. A participação no PIB em 2014, de 10,9%, é bem inferior à metade da registrada em meados da década de 1980, a "década perdida".

    Só em São Paulo, que concentra a produção dessa indústria, houve perda de 164 mil empregos formais em 2014, retração de 2% no ano, segundo a Fiesp, a federação das indústrias de São Paulo.

    ANTES DA HORA

    Tal desindustrialização é precoce por ocorrer antes de a indústria do país alcançar o auge ideal e então começar a perder importância relativa na economia, em favor de setores potencialmente mais sofisticados, como serviços.

    Essa seria a desindustrialização natural, típica dos países mais ricos, sem impacto negativo sobre geração de emprego e renda.

    Na desindustrialização precoce ocorre perda da renda média dos trabalhadores, pois a indústria tem elevado índice de empregos formais, paga salários mais altos e é um dínamo de crescimento, devido ao efeito multiplicador na economia.

    Economistas alinhados com o interesse da indústria nacional consideram que os 12 anos de governo petista representaram uma oportunidade perdida para o setor. O aumento da renda dos brasileiros, que viabilizou a compra de produtos de consumo, foi em grande parte capturado pelas importações.

    Esse processo ocorreu sobretudo no primeiro mandato de Dilma, quando a produção industrial ficou praticamente estagnada. Desindustrializar, aliás, não implica necessariamente queda da produção industrial, como a de 1,2% que correu no ano passado. Trata-se apenas da perda da relevância da indústria. Na economia, o que pode ocorrer se ela não crescer ou até se crescer menos que outros setores.

    Nos dois governos anteriores, a produção industrial andou no mesmo compasso da economia em geral, o que explica o fato de sua participação no PIB ter permanecido no mesmo patamar.

    Nos dois governos Lula, aumentou 3,5% e 2,8%, respectivamente, segundo dados não revisados. Nos dois de FHC, as taxas foram de 1,3% e 2,5%. Antes, a indústria dera um salto (de 7,5%) na curta gestão de Itamar Franco, que se seguiu à desastrosa performance no conturbado governo de Fernando Collor, com queda de 3,7%.

    PIOR DESEMPENHO

    Do ponto de vista da produção industrial, portanto, o primeiro mandato de Dilma foi o mais fraco desde os dois anos e meio de Collor, marcados pelo confisco da poupança, pelo fracasso do combate à inflação, pelo início de uma abertura comercial desregrada e pelo impeachment.

    Só uma análise com viés oposicionista, porém, poderia atribuir responsabilidade exclusiva a Dilma pela desindustrialização em curso.

    Entre as razões do processo estão desde as políticas liberais dos anos 1990 até a baixa qualificação da mão de obra, passando pelos juros elevados, pelo baixo nível de poupança interna, pelos gargalos de infraestrutura e, até recentemente, pelo câmbio sobrevalorizado.

    Com tantos elementos determinantes, a desindustrialização precoce do Brasil está mais para obra coletiva. A "contribuição" de Dilma foi ter deixado que sua defesa da indústria nacional se transformasse em retórica vazia.

    OSCAR PILAGALLO, jornalista, é autor de "A Aventura do Dinheiro" (Publifolha)

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