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    Crítica: Economista defende salários maiores e redução dos bancos

    ELEONORA DE LUCENA
    DE SÃO PAULO

    04/04/2015 02h00

    Quando Homero voltar para escrever a história do nosso tempo, ele dirá que, em 1991, os matemáticos russos foram varridos de Moscou. Em seguida, eles se apresentaram nos portões de Wall Street, trazendo como presente o modelo de gerenciamento de risco.

    Foram recebidos com alegria, começaram a trabalhar e, em 20 anos, tinham destruído completamente o lugar. Foi a maior operação cavalo de Troia desde Troia, dirá Homero.

    A piada foi contada pelo economista James Galbraith ao último presidente da URSS, Mikhail Gorbachev, que respondeu: "Fui acusado de coisas piores".

    É só uma piada, mas reflete uma aflição bem concreta do economista. Os Estados Unidos correm o risco de enfrentar um colapso semelhante ao que engolfou a União Soviética?

    "Muitas das mesmas coisas que aconteceram na URSS podem acontecer conosco. De fato, elas já podem estar acontecendo agora. Ou poderiam estar, se os EUA não estivessem se aproveitando do boom do gás natural e de sua condição única como centro da finança global", responde Galbraith.

    Para rememorar: o colapso da URSS, no início dos anos 1990, significou uma queda de 40% na sua produção industrial, redução de dois anos na expectativa de vida, aumento de mortes e de violência. Antes disso, no seu auge, o país era uma superpotência como a Europa moderna ou, de certa forma, os EUA. A Guerra Fria foi tão forte porque os soviéticos representavam uma ameaça real à economia norte-americana.

    Todas essas reflexões estão no novo livro de Galbraith,"The End of Normal". Crítico dos otimistas que vivem prevendo a "volta ao normal" daqui a pouco tempo, ele argumenta que o sonhado "normal" (pleno emprego, recuperação da produção e alta taxa de investimento) faz parte do passado.

    Professor da Universidade de Texas, em Austin, o autor é filho do renomado economista John Kenneth Galbraith, que atuou na administração Franklin Roosevelt (1933-1945). O livro condena previsões baseadas em estatísticas do passado e lembra como o então presidente democrata atacou a recessão, iniciada em 1929, sem ter a numeralha e os modelos que hoje cercam os governantes.

    "Roosevelt trabalhou no escuro, com nada a guia-lo a não ser um senso de urgência e um conselho de observadores confiáveis. Acompanhou os resultados, tentando de tudo. Se tivesse tido o duvidoso auxílio dos especialistas em economia de hoje, keynesianos e anti-keynesianos, ele nunca teria tirado o New Deal do nível de rascunho", afirma.

    Foi arcabouço desse sistema dos anos 1930 que salvou os EUA de uma grande depressão em 2009, diz ele. Na análise do economista, grandes programas governamentais (de saúde, auxílio desemprego, seguridade social, cupons de alimentos) desempenharam um papel muito mais relevante para a recuperação do que os novos estímulos ou a resiliência do setor privado.

    Getty Images
    O ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt (1882-1945)
    O ex-presidente dos Estados Unidos Franklin Roosevelt (1882-1945)

    OBSTÁCULOS

    Mas não basta pensar em reeditar hoje um novo New Deal nos moldes de Roosevelt, defende Galbraith, 63. Há quatro obstáculos importantes para que um plano assim dê certo. Primeiro, a questão dos custos com energia. Cético em relação ao xisto, ele enxerga muita instabilidade no preço do petróleo, o que provoca cautela em investimentos.

    Depois, ele opina que o mundo não está mais sobre o controle financeiro e militar dos EUA -os fracassos no Iraque e no Afeganistão atestariam isso. Mais ainda, a era da tecnologia digital não geraria os postos de trabalho necessários para uma retomada firme da demanda.

    Por fim, avalia que o setor financeiro privado deixou de servir como motor do crescimento, atuando, nos últimos 30 anos, para a especulação.

    Assim, o que está pela frente é uma era de crescimento em marcha lenta. Para enfrentá-la, não cabe raciocinar com o mesmo sistema em ritmo menor -o que levaria a mais fracasso. Segundo ele, é preciso desenvolver uma nova forma de capitalismo.

    Suas bases seriam mais decentralizadas, com custos fixos relativamente menores, baixas taxas de retorno, uso intensivo de mão de obra com um robusto sistema de proteção trabalhista e social. Muitos dos valores que sustentam sociedades prósperas e de alta renda, aponta Galbraith.

    Na sua proposta, salários mínimos deveriam aumentar e os mecanismos de seguridade social precisariam ser mais robustos. De outro lado, o sistema financeiro seria substancialmente encolhido. "O país poderia ser melhor sem os grandes bancos", diz.

    Na mesma toada, ele pede redução nas forças armadas. Compara a dupla gastos militares/grandes bancos ao palácio de Versailles e o Taj Mahal: excrescências com custos elevadíssimos que precisam ser cortadas. Com a diferença de que as "obras" atuais não têm beleza arquitetônica alguma que mereça ser preservada.

    Propostas provocativas, que mereceriam um aprofundamento. Sua análise não poupa duras críticas a quase todo o tipo de analista. Os neoliberais, que "adoram usar expressões matemáticas para decorar seus argumentos sobre a perfeição dos mercados", são um dos seus alvos preferidos.

    "A principal função da matemática não é esclarecer ou conferir charme _é intimidar", declara.

    A piada dos matemáticos russos ecoa.

    "THE END OF NORMAL - The Great Crisis and the Future of Growth"
    AUTOR James Galbraith
    EDITORA Simon & Schuster
    QUANTO US$ 12,90 na Amazon (305 págs.)
    AVALIAÇÃO Bom

    Editoria de Arte/Folhapress
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