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    Corte de gasto não basta para retomar crescimento, diz economista

    ÉRICA FRAGA
    DE SÃO PAULO

    19/04/2015 02h00

    O corte de gastos que o governo tenta implementar poderá evitar que o país mergulhe em uma situação ainda mais dramática que a atual, mas não será suficiente para a retomada do crescimento.

    A opinião é do economista Marcos Lisboa, para quem a crise agora é mais grave do que as deflagradas pela desvalorização cambial em 1999 e pela eleição do ex-presidente Lula em 2002.

    Um dos acadêmicos mais respeitados do país, Lisboa integrou a equipe econômica de Lula. Após passagem pelo mercado financeiro, foi para o Insper, centro de ensino e pesquisa de ponta em São Paulo. Na semana passada, assumiu de Cláudio Haddad, fundador da instituição, o cargo de presidente.

    Fabio Braga/Folhapress
    O economista Marcos de Barros Lisboa, diretor e vice-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), durante entrevista em São Paulo
    O economista Marcos de Barros Lisboa, diretor e vice-presidente do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), durante entrevista em São Paulo

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    Folha - Como o Insper tem mudado?
    Marcos Lisboa - O Insper muda continuamente. Para os docentes de tempo integral abrimos diversas especializações, permitindo que alguns sejam mais dedicados à pesquisa acadêmica com fins de publicação nos jornais de fronteira, que outros se dediquem a temas mais relacionados ao Brasil, que outros sejam mais dedicados à sala de aula, ao ensino. E todos são reconhecidos pela excelência no que fazem. Montamos um doutorado em "business economics" que vai começar neste ano, a graduação em engenharia acabou de começar. Fizemos uma agenda grande de eventos de debates sobre política pública no ano passado.

    Você liderou esse debate sobre a importância da avaliação de políticas públicas no Brasil. A ideia é que o Insper colabore nisso?
    Sim, esse é um tema relevante. O debate sobre política pública no Brasil com frequência cai em uma polarização que pode ser boa para a retórica, mas não ajuda a resolver os problemas.

    Se você não tem instrumentos de avaliação, não sabe se uma política funcionou ou não, se deve ser continuada, extinta ou ampliada. Eu tenho R$ 100 para gastar. Onde vou gastar? Qual é a prioridade: o Fies, o Pronatec ou o crédito subsidiado? Qual é o impacto de cada um deles para o bem-estar do país? Sem avaliação independente, cuidadosa, de impacto, eu não sei. A gente teve uma fantasia meio juvenil de que os recursos eram ilimitados. Má notícia? Eles não são.

    Em que medida isso tem prejudicado o desenvolvimento?
    Começamos a ter evidências de que há consequências graves. O Brasil teve essa mudança profunda na política econômica após 2008, 2009. Fez um resgate do nacional-desenvolvimentismo. Na década de 1980, isso levou a um fim bastante penoso.

    Depois, aos poucos, o Brasil foi se tornando um país mais semelhante ao mundo desenvolvido, até que, com a crise de 2008, vem uma reação semelhante à de 1974. Aumenta o grau de proteção à economia, de intervenção do poder público na concessão de benefícios e privilégios para setores selecionados. Você faz desoneração para A e não faz para B, cria regras de conteúdo nacional, expande enormemente o crédito subsidiado. O problema é que essas políticas se estenderam pelo primeiro mandato da presidente Dilma. O discurso era "estamos evitando a crise, mantendo o país crescendo, enquanto o resto do mundo não cresce". Deu errado, o país parou de crescer e passou a retroceder.

    Como essa crise se compara com outras anteriores?
    As pessoas gostam muito de comparar a crise atual com 1999 e 2002, eu sou mais pessimista. Acho que a crise atual é mais grave, porque você não tem apenas um desarranjo macroeconômico.

    O desarranjo macroeconômico é uma das consequências dessa política de intervenção, que teve impactos negativos sobre a produtividade e o crescimento.

    Fazer o ajuste fiscal neste ano é extremamente difícil dado o descontrole dos anos anteriores, e isso pode evitar uma crise mais aguda. Mas não ajuda a retomar o crescimento porque há todas as distorções que foram induzidas na microeconomia, com a política de conteúdo nacional, os controles tarifários, as medidas de proteção.

    Isso gerou um quadro muito prejudicial para o setor produtivo. Nossa produtividade estagnou, e sem ganho de produtividade é difícil ter crescimento relevante.

    Há sinais de melhora?
    A boa notícia dos últimos meses é que o governo parece ter reconhecido os graves equívocos que fez. É um reconhecimento tácito, difícil, constrangido. Mas não adianta só reconhecer que errou, fazer algo diferente e achar que está bem. Se tecnicamente for malfeito, vai dar errado.

    A necessidade do ajuste fiscal não vai terminar em 2015 nem em 2016. Os gastos da sociedade com os inativos vão aumentar ano após ano. Vejo com preocupação o debate ir na direção de não aprovar algumas medidas que buscam resolver problemas mais estruturais, como o seguro-desemprego ou o abono salarial, da forma como elas foram propostas.

    RAIO-X

    FORMAÇÃO
    Graduado em economia pela UFRJ e doutor em economia pela Universidade da Pensilvânia (EUA)

    ATUAÇÃO
    Atual presidente do Insper. Foi secretário do Ministério da Fazenda entre 2003 e 2005 e presidente do IRB-Brasil de 2005 a 2006

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