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    Efeito Petrobras vai encarecer crédito até de empresa fechada

    JOANA CUNHA
    DE SÃO PAULO

    24/04/2015 02h00

    Um dos advogados mais respeitados do país, o tributarista Ary Oswaldo Mattos Filho, 75, afirma que o impacto da Lava Jato no mercado de capitais ainda é difícil de mensurar, mas vai bater na cadeia de forma geral, até em setores não imaginados.

    Para ele, a falta de tradição do mercado de ações brasileiro e de cultura participativa reduzem as chances de defesa do acionista minoritário no país, pavimentando o caminho para a abertura de ações sobre o caso Petrobras na Justiça estrangeira.

    Folha - Qual é o impacto da Lava Jato sobre o mercado de capitais?
    Ary Oswaldo Mattos Filho - Se pesquisarmos como a teia de contratos vai se expandindo, há setores mais afetados e outros menos. Mas que vai ser uma cadeia grande de afetação, vai. Já tem as empreiteiras, e os bancos, que se fecharam para financiá-las enquanto não acabar a discussão sobre confessar as irregularidades. E há o problema das demissões. O negócio das estatais tem uma cadeia que estava preparada para fornecer muita coisa, como alimento aos canteiros de obras, por exemplo.

    Karime Xavier/Folhapress
    Ary Oswaldo Mattos Filho, em seu apartamento, em São Paulo
    Ary Oswaldo Mattos Filho, em seu apartamento, em São Paulo

    O impacto é mais abrangente?
    Mesmo as companhias que tenham seu capital fechado, não tendo ações negociadas em Bolsa, podem ser afetadas pelas crises de credibilidade.

    Essas empresas acessam o mercado de valores mobiliários de renda fixa, como debêntures [títulos de crédito para captar recursos], tanto para captação de longo prazo como de curto, no mercado nacional e no internacional.

    Por vezes, pode afetar a taxa de colocação do papel de renda fixa, bem como poderá exigir, por parte dos tomadores, maior rentabilidade em função do crescimento do risco do tomador. Em situações mais graves, poderá ocorrer até o "fechamento" do mercado para a colocação desses papeis de renda fixa.

    Como se protege o acionista minoritário dos desdobramentos de fraudes?
    Qual é o limite do acionista controlador estatal na sociedade de economia mista? A meu ver, o acionista estatal, no caso da Petrobras, é controlado pelo Tesouro. Se olharmos o objeto social da Petrobras na lei que autorizou sua criação, é uma empresa de economia mista que opera sob regras do mercado num sistema de livre competição. Se isso é verdade, verificamos que o controlador não poderia fazer política pública com seu voto majoritário. Isso vale para a Petrobras, no controle de preços de combustíveis, e a Eletrobras, no preço da energia elétrica. A empresa de economia mista foi além do que poderia porque seu acionista controlador exerceu poder que não teria.

    O minoritário pode reclamar. O que o desestimula?
    A grande massa de acionistas pessoas físicas não vai brigar porque o volume que têm investido na Petrobras não paga a briga. O direito eles têm. Dificilmente o BNDESpar vai brigar com a Petrobras, porque o acionista controlador é controlador do BNDES e do BNDESpar.

    Fundos de pensão Previ, Petros também não vão porque têm ligação umbilical com o Poder Executivo. Quem pode brigar são os investidores institucionais estrangeiros e esses brigaram de outro modo. Saíram do mercado e venderam as ações provocando queda do preço.

    Aqui não vai sair nada?
    A não ser que alguém venha brigar ou que haja um consórcio de investidores menores que proponham ação de perdas e danos por má gestão, exercício de voto em conflito de interesse com os propósitos da empresa, que causou um prejuízo a esses acionistas. Qual o prejuízo? É o preço da ação antes que tivesse o uso da empresa para fazer política pública, controlar a inflação, até o momento do valor quando é proposta a ação. Dá, mas não é fácil.

    Investidores estrangeiros entraram com essa ação nos EUA. Lá é mais fácil. É uma ação conhecida. Há precedentes e uma tradição no Judiciário americano de ser mais rápido que o brasileiro.

    O sr. pode comparar a realidade brasileira e estrangeira?
    O mercado de ações brasileiro ainda é pequeno. É difícil que tenha o mesmo comportamento que um mercado mais desenvolvido. Não é da nossa cultura comparecer a assembleias. Achamos desagradável ir a reuniões de condomínio, de pais e mestres, que dirá ir a uma assembleia de acionistas. É um mercado importante, mas está longe de ser como o americano em termos de comparecimento, de brigar, exigir seus direitos.

    A governança corporativa praticada no país é suficiente para o volume das fraudes?
    Governança corporativa, nome mal traduzido do direito norte-americano, nada mais é do que a boa prática da gestão societária. Deve significar a proteção de direitos de acionistas não administradores, com informações ao público e práticas de gestão pelo interesse da companhia. Para evitar fraude, a lei atribui responsabilidades aos gestores que, se pegos, precisam ser punidos e a companhia ressarcida. Leis já temos.

    A interferência do Estado brasileiro nas empresas é alta?
    A interferência estatal faz parte de nosso cotidiano. Não somos herdeiros da cultura anglo-saxã, mas de padrões ibéricos. Se de um lado temos a interferência estatal no nosso dia a dia, de outro temos uma quantidade de leis que foram feitas para não serem obedecidas, ou como já se disse, de leis que não pegam. Estes dois elementos criam possibilidades da "adesão" de interesses privados ao Estado, com as consequências que hoje estão nos meios de comunicação e tribunais.

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