• Mercado

    Saturday, 04-May-2024 11:38:27 -03

    Telemarketing usa aposentados como laranjas para vender serviços

    ITALO NOGUEIRA
    DO RIO

    03/07/2015 12h39

    O torneiro mecânico aposentado Sérgio Ferraz Sampaio, 63, se surpreendeu ao receber uma convocação da Assembleia Legislativa do Rio. Sem ter qualquer telefone em casa e compartilhando uma linha com a vizinha, ele deveria prestar depoimento na CPI do Telemarketing.

    Morador de um conjunto habitacional na zona leste de São Paulo, o aposentado era titular de uma das linhas que disparava mensagens promocionais da Claro HDTV.

    O curto depoimento revelou uma manobra de prestadoras do serviço: o uso de laranjas para criação de linhas telefônicas para o envio de mensagens promocionais.

    Octacílio Barbosa/Alerj
    A aposentada Silvania Dusse presta depoimento à CPI do Telemarketing, no Rio
    A aposentada Silvania Dusse presta depoimento à CPI do Telemarketing, no Rio

    "Não tenho celular, nem computador", disse Sampaio, assustado, à CPI. Seus dados foram usados para a criação de um telefone com DDD de Minas Gerais, que disparou mensagens para o Rio.

    O mesmo ocorreu com a aposentada Silvania Salles Dusse, 57, ex-coordenadora do banco Nossa Caixa.

    "Quando recebi a convocação, fiquei pensando que poderia ser por alguma reclamação que tinha feito. Nem imagino quem possa ter feito isso nem como", disse Dusse.

    A CPI busca os reais responsáveis pelas linhas. A dificuldade consiste na imensa cadeia de terceirizações que se tornou praxe no mercado.

    Os dois casos têm como origem a Claro HDTV. Ela contratou empresas para a venda de pacotes. Estas, por sua vez, usaram o sistema de uma terceira empresa para disparar as mensagens promocionais. Ela, contudo, não é a responsável pelo banco de dados de telefones aos quais as mensagens devem chegar, e repassa os textos para outras empresas.

    Desta forma, a cadeia se estende em um número indefinido de subcontratações. A CPI não conseguiu ainda localizar os responsáveis pela criação das linhas em nome de Sérgio e Silvania.

    "Já chegamos a uma cadeia que chega a seis empresas. Essa 'quinterização', 'sexterização' dificulta a fiscalização", disse o deputado estadual Pedro Fernandes (SDD-RJ), presidente da CPI.

    ORIGEM

    A CPI foi criada para investigar abuso nas ligações de telemarketing e envio de mensagens promocionais. A comissão recebeu em reclamações dezenas de números de telefone usados como origem de ligações e SMSs.

    Numa amostragem de 35 números, 27 estavam em nome de pessoas físicas. Quase todas em cidades no interior do país, como Piranhas (GO) e Rondonópolis (MT), ou favelas de São Paulo e Rio.

    "Há muitos endereços em locais fantasiosos, em favela que não conseguimos entrar", disse o deputado.

    Nos dois casos em que conseguiram localizar o titular da linha, identificaram as vítimas do uso indevido de dados. O caso de Sérgio ocorreu com uma das principais representantes de venda da Claro, a empresa Cobmax. O de Silvania, com a empresa Luciano Simões Net.

    As duas dizem que não foram responsáveis pela criação da linha que envia a mensagem promocional. Fernandes afirma que a Claro tem responsabilidade no caso.

    "A culpa que a Claro tem é não fiscalizar as empresas para quem terceirizam esse serviço", disse Fernandes.

    A CPI quer proibir a cadeia de subcontratações no Estado. A proposta é que empresas contratem uma representante de venda que tenha capacidade própria para disparar as mensagens.

    OUTRO LADO

    Sobre o envio de mensagens da empresa em nome de laranjas a Claro afirmou, via assessoria de imprensa, que "cumpre as legislações vigentes e reitera o seu compromisso e respeito ao consumidor".

    À CPI, o diretor da Claro, Antônio João, afirmou que enviou ofício aos representantes de venda após a descoberta da CPI do Telemarketing, da Assembleia Legislativa do Rio.

    "A Claro não pode compactuar com nenhuma ilegalidade. Temos um contrato com empresas de venda. Qualquer irregularidade está sujeita a punições explícitas no contrato. Havendo esse tipo de prática contra o que reza o contrato, vamos interromper o acordo com essas empresas", disse ele, em depoimento à CPI.

    A empresa Cobmax não retornou às ligações da Folha. A Luciano Simões Net não foi localizada.

    Em depoimento à CPI, representantes das duas empresas afirmaram que subcontrataram o serviço de disparo de mensagens promocionais da Claro. Eles disseram não ter controle sobre quais telefones eram usados para o envio dos SMSs.

    A Associação Brasileira de Telesserviço afirma que nenhuma das empresas faz parte de seu quadro de associados. Segundo a entidade, ela congrega 70% das empresas do setor.

    Marlene Bergamo - 10.mai.2012/Folhapress

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024