• Mercado

    Sunday, 05-May-2024 03:04:45 -03

    análise

    Grande realização da proposta de reforma grega é semear discórdia

    WOLFGANG MUNSCHAU
    DO "FINANCIAL TIMES"

    10/07/2015 12h26

    Se as mais recentes propostas gregas bastarão para garantir um acordo é algo sobre o qual não faço a mais remota ideia. Haverá grandes obstáculos a superar. Mas Alexis Tsipras conseguiu algo que vinha lhe escapando nos últimos cinco meses: dividir os credores.

    O FMI (Fundo Monetário Internacional) insiste em perdão parcial da dívida. Os franceses ajudaram o primeiro-ministro grego a preparar a proposta, e foram os primeiros a expressar apoio aberto a ela. O presidente François Hollande está se alinhando com Tsipras.

    E isso muda o que Angela Merkel tem em jogo. Caso a chanceler [primeira-ministra] alemã diga não agora, será acusada de impor riscos irresponsáveis à zona do euro e à aliança franco-alemã. Caso diga sim, seu partido pode se dividir, do mesmo modo que os conservadores britânicos se dividem com relação à Europa. Sempre previ que o momento da verdade para a zona do euro terminaria por vir. E ele virá neste final de semana.

    As Mais: 12 pontos para entender a crise grega

    Os mercados financeiros parecem ter se decidido, e acreditam que haverá acordo. Mas é preciso cuidado com as muitas minas semeadas no caminho para ele. Destas, apenas a primeira foi evitada, com a oferta de Tsipras. O que ele propõe agora, economicamente, não difere fundamentalmente daquilo que ele, e o povo grego, rejeitaram no referendo de domingo —mas funciona politicamente para Tsipras.

    O período de carência para a adoção de algumas das medidas mais duras seria mais longo. E caso haja acordo, desta vez terá de existir referência explícita ao perdão parcial da dívida. O FMI insiste nisso. E até mesmo Donald Tusk, o presidente do Conselho Europeu, se pronunciou nesse sentido. Esse é um desdobramento importante, mas não está claro que todos os credores vão, ou possam, concordar.

    Até amanhã, as equipes técnicas e os ministros das Finanças terão de discutir se os números gregos batem. A resposta é quase certamente não, especialmente tendo em vista a deterioração da economia do país. A imposição de controles de capital e limites aos saques em bancos paralisou quase toda a atividade econômica.

    Qualquer programa de ajuste macroeconômico terá de começar pela percepção de que a situação está pior hoje do que há duas semanas. A listra grega leva esse fato em conta ao propor períodos mais lentos de ajuste. A ideia é economicamente sensata. Mas Merkel já declarou que deseja que esse problema seja resolvido por meio de medidas adicionais de austeridade. Para que haja acordo sobre um programa, um dos lados terá de recuar quanto a essa questão.

    Além disso, existe agora o problema agudo de um sistema bancário insolvente —e completamente dependente da chamada "assistência de emergência à liquidez" (ELA) provida pelo Banco Central Europeu (BCE). Para o BCE, ampliar a ELA não será fácil. Assim, além de chegarem a acordo quanto a um programa de estabilização macroeconômica, os líderes europeus neste final de semana terão de responder a uma pergunta mais imediata: o que fazer com os bancos gregos.

    Essa é possivelmente a questão mais complicada, porque não existem respostas fáceis e rápidas. O que pode ter de acontecer é reduzir o número de bancos do país a três ou dois, e os depositantes podem ter de participar do resgate. Não consigo imaginar que os credores concordem com um novo programa de reestruturação bancária, além dos € 53,5 bilhões em novos empréstimos que já estão em discussão.

    E há também a questão da confiança. Será que todos os credores confiam em que Tsipras cumpra o prometido? O referendo destruiu a pouca confiança nele que restava. O discurso do primeiro-ministro grego ao Parlamento Europeu na quarta-feira mostrou que os únicos políticos genuinamente simpáticos à sua posição eram os de extrema esquerda e extrema direita.

    E, por fim, é preciso considerar a possibilidade de um acidente político. Se Merkel aceitar um acordo, o Bundestag (Legislativo alemão) quase certamente votará sim. Mas será esse o caso em todos os demais países credores? Os holandeses, como os alemães, são extremamente hostis. Será que os finlandeses aceitarão um terceiro programa? E os cidadãos bálticos? E os eslovacos?

    Mesmo na Alemanha, um acordo seria imensamente controverso. Tanto a União Democrata Cristã, de Merkel, quanto o Partido Social-Democrata, que integra a coalizão governista, prefeririam a saída grega. Um acordo seria muito difícil de vender, nos dois casos. Merkel assumiria um pesado risco político. Caso o programa saia dos trilhos, ela teria de passar os próximos dois anos enfrentando a questão grega, bem como crescente hostilidade dentro de seu partido.

    O motivo para que eu ainda não aceite um acordo como fato consumado é que, se os credores desejarem que ele fracasse, encontrarão maneira de fazer com que isso aconteça. Entendo por que os observadores distantes estão mais otimistas agora. Mas observando de perto, ainda vejo muitas minas espalhadas pelo caminho, e muita gente que adoraria ouvir uma explosão.

    Tradução de PAULO MIGLIACCI

    Folhainvest

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024